18 maio 2020

OS SONSOS




























Os sonsos são o grande problema do mundo contemporâneo. Nunca dizem ao que vêm. (...) Adaptam-se a tudo. São omnívoros. Rastejantes. Sobreviventes puros. Para nossa desgraça - mas não só nossa - reproduzem-se com maior celeridade nos países pequenos, onde a tradição protege os cobardes.”[i]
Gosto particularmente desta “classificação”. 
Porque não gosto de sonsos.
É nesta categoria que enquadro diversos comentadores, politólogos e outros que pululam nas rádios e TV.

Um deles, chama-se Pedro Adão e Silva (PAS). É um comentador jovem, bem-falante, com um discurso fluente. Provavelmente muito apreciado por aquela faixa de público, sensível a conceitos, como “moderação”, “equilíbrio”, “sensatez”, enfim “sentido de estado”,...
Avesso a radicalismos, que sempre faz questão de referir, “nem de direita nem de esquerda”. Supostamente apoiante do Partido Socialista, PAS é bem preparado nos temas que aborda, é professor universitário, um académico, portanto, com todas a responsabilidade daí decorrente.
O problema de PAS, é que é incapaz de um rasgo de criatividade, um pequeno risco, uma tentativa de abordagem de uma perspectiva de mudança, pelo menos no que reporta a análise.
PAS é no fundo um conservador “moderno”. As suas análises giram normalmente à volta do mesmo. Que se pode resumir, em termos simples, no acordo com o respeito a todas as regras instituídas, quer a nível local, quer ainda a nível europeu. E se classifico de “simples”, é porque, na realidade, PAS defende basicamente para o País, embora sem o declarar, a santa aliança de bloco central, entre o Partido Socialista e o resto da Direita. Mesmo aparentemente discordando e por vezes até zurzindo na Direita tradicional, o certo é que essa atitude é uma das facetas do sagrado desejo de que o tal bloco volte a funcionar, com novos intérpretes, possivelmente muito melhor preparados, face à previsível falência de um processo (mal classificado) de preponderância da Esquerda, nos tempos que correm.  

Sobre este particular, PAS afirmou diversas vezes que a geringonça nunca seria repetível, nos moldes anteriores às eleições legislativas, reportando-se a uma possível estado de maioria de Esquerda. Certo no princípio, errado (uma vez mais) na análise. O facto é que a Esquerda nunca esteve no Poder em Portugal, mesmo nos tempos da chamada “geringonça”. O governo sempre foi do Partido Socialista, em exclusivo, muito embora existisse um “acordo parlamentar”, que permitiu a aprovação de 4 Orçamentos de Estado. Apenas e só, isso, nada mais. Mesmo que admitamos, terem existido algumas (poucas) situações favoráveis aos trabalhadores, fruto de muita luta e de muita pressão da Esquerda Parlamentar. 
Aqui valerá a pena falar de Centeno, uma das figuras mais apreciadas por PAS, ao ponto de o classificar como o Ronaldo do ecofin e do eurogrupo. Então digamos que o senhor Centeno sempre esteve do “outro lado” nas escolhas que faria. Sempre e em todas as situações, Centeno tentaria travar os pouquíssimos avanços conseguidos.

Mas PAS tem um fetiche particular por (ou com) Centeno. Porque é “cumpridor” e “seguro” e, acima de tudo, “rigoroso” e de “contas certas”. Na verdade é que, acima de tudo, é a “coerência” que preside às análises de PAS. Ora acontece, que, em política, o cumprimento escrupuloso das regras é uma cegueira como qualquer outra, que pode inclusivamente levar a adoção de critérios draconianos, em um país como o nosso, sem capacidade de ter uma política financeira nem orçamental porquê refém da moeda única. Mas que PAS defende, como os melhores conservadores da direita. Mesmo com discordâncias ligeiras de percurso, PAS deve ter aquela linha de pensamento, por um lado linear e, por outro lado, perversa, de que “...é preciso mudar aqui alguma coisa, para que tudo fique na mesma”.
Tudo certo, até nas tais contas, desde que não sejam colocados em causa contratos, tratado e convénios.
Diga-se na verdade que a obsessão de PAS por Centeno e pelo chamado “rigor orçamental” é do mesmo jaez daquele que o levou a propor Ferreira Leite, como candidata à Presidência da República, em 2015, argumentando que “...os próximos anos vão exigir uma enorme cultura de compromisso (...) estando o PS eventualmente no Governo, não há vantagem de ter em Belém uma personalidade que partilhe do espaço político representado em S. Bento.

Por todas as razões e mais uma, PAS assume uma posição “radical”, na farsa montada acerca do Novo Banco(NB) e de mais uma injecção de capital.  Não interessa mais nada a PAS, se Centeno avisou ou não Costa ou o Conselho de Ministros, nem sequer que lhe deveria uma singela explicação, para ter decidido unilateralmente, numa situação de crise pandémica, pagar a conta ao NB. O que interessa a PAS (atenção, não é só a PAS...), é cumprir e pagar. Está no orçamento e é para cumprir. Ora, acontece, como é do conhecimento geral, que não poucas vezes o orçamento é corrigido e alterado inclusivamente. Aliás, é o que vai acontecer forçosamente em breve, neste contexto. Diria que é mesmo obrigatório que assim seja, por força da pandemia.

Mas para PAS, nada ou pouco conta. Na realidade, há o “sublime” argumento da “credibilidade do País”. E mais outro ainda, que é a asserção “...a falência de um banco desequilibra o sector financeiro de um País”. Ambos estão ligados e servem, e serviram, para a prática dos maiores desmandos, desde o governo de Passos Coelho, até aos governos de Costa. A mesma análise, os mesmo erros.
Aquilo que PAS entende sobre economia e finanças é um vazio. Diz sobre o NB aquilo que é o vulgar nestas situações: era (e é) obrigatório salvar o banco, sob pena de uma instabilidade do sistema financeiro. Para PAS é mais importante a inevitabilidade anunciada de um eventual risco sistémico (continuamos a falar do NB) do que os erros sucessivos cometidos pelos governos e pelo Banco de Portugal, na avaliação de risco que existia, à altura do problema. Ou seja, o que PAS diz é a vulgaridade mais vulgar possível. Nada de novo, a não ser (uma vez mais), a repetição das fórmulas conhecidas e que levam sempre aos mesmos resultados.
A propósito deste tipo viciado de linguagem, Gilles Deleuze diz que “talvez a fala, a comunicação estejam apodrecidas, estão inteiramente apoderadas pelo dinheiro: não por acidente, mas por natureza...”

PAS é um comentador político.  Até poderíamos considerar o sujeito, como minimamente preparado, para falar de tudo, no geral e, de tudo também, em cada particular. 
Mas não. PAS é um comentador “parcial”. Porque manifesta posições pró-sistema, de forma acrítica, excluindo possibilidades (a desobediência ao cumprimento é ou não uma possibilidade?). E não é, como normalmente lhe é atribuído um “comentador da Esquerda”, longe disso. PAS é um conservador, que exprime muito bem, as posições de uma social-democracia europeia, que já mostrou o seu papel pernicioso, na defesa e na prática de políticas que provocaram (e provocam) o desencanto completo dos cidadãos, entregando-os, por falta de respostas, nas mãos da extrema-direita. Uma realidade assustadora, deve dizer-se.
Quando, por exemplo, PAS faz tábua rasa de toda a política desastrosa que conduziu a entrega do NB a um fundo abutre, com o comportamento relacionado com os prejuízos sucessivos do banco, nos dois últimos anos, bem como dos dividendos distribuídos aos accionistas mesmo contando com os prejuízos citados, está forçosamente a ser, como afirmado atrás, parcial. 
Apesar de, nas suas análises, por vezes recorrer a alguns jargões considerados de Esquerda, PAS engana os que o ouvem. Daí a classificação de “sonso”, um “grande problema do mundo contemporâneo.”
Permiti-mo deixar a PAS e a todos os sonsos, as palavras de Bento de Jesus Caraça[ii], escritas, há mais de 80 anos atrás (mais exactamente 81, feitos a 1 de Maio de 1939):
·      O grau de civilização de um povo mede-se pela quantidade e qualidade dos meios que a sociedade põe à disposição do indivíduo para lhe tornar a existência fácil; pelo grau de desenvolvimento dos seus meios de produção e distribuição; pelo nível de progresso dos seus meios de produção e distribuição; pelo nível de progresso cientifico e utilização que dele se faz para as relações da vida económica. A aquisição da cultura significa uma elevação constante, servida por um florescimento do que há de melhor no homem e por um desenvolvimento sempre crescente de todas as suas qualidades potenciais, consideradas do quádruplo ponto de vista físico, intelectual, moral e artístico; significa, numa palavra, a conquista da liberdade.

cultura integral do indivíduo é uma arma contra os sonsos.




[i] Excerto de um texto de Inês Pedrosa, publicado no Semanário EXPRESSO, a 27 de Fevereiro de 2010, a propósito da passagem por Portugal, do ensaísta Christopher Hitchens.

[ii] Bento de Jesus Caraça (1901-1948). Matemático e pensador, foi professor universitário e deixou-nos uma pequena obra, notável, “A Cultura Integral do Indivíduo - Problema central do nosso tempo”, (de onde extraímos a citação) Ainda estava para acontecer a II Guerra Mundial que, até 1945 fustigaria a Europa, com os factos e as consequências que hoje bem conhecemos. O Autor, aproveita esse pequeno livro, para esboçar um resumo de um autêntico programa de intervenção cultural, científica e pedagógica.

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