10 junho 2020

10 DE JUNHO 2020


Ao falar hoje de “Os Lusíadas”, Tolentino apresentou-os como uma viagem. 
Uma viagem pelo mundo, uma viagem interior por nós próprios. Deixou, como imagem mais marcante, aquela a que chamou “...inultrapassável arte de navegação interior que é a poesia".
O Poeta teria escrito uma incomparável história de amor, com um protagonista improvável como o Adamastor. Não é o medo, é o amor da Ninfa. O Velho do Restelo[i] não mereceria o epíteto com que normalmente é premiado, só pelos avisos à “vã cobiça” ou à “glória de mandar”. Só porque diz, “Desta vaidade, a quem chamamos Fama!/Ó fraudulento gosto, que se atiça[ii]
O Velho poderia ter tido, mais tarde decerto, ao astronauta, “Aqui, na Terra, a fome continua/A miséria, o luto, e outra vez a fome/Acendemos cigarros em fogos de napalm/E dizemos amor sem saber o que seja...”[iii], embora esta seja outra história, bem localizada, no tempo e no espaço.

Mas Tolentino diz ainda, utilizando outra imagem bem menos poética, que "Camões desconfinou Portugal", lançando a dúvida sobre a partida das naus e sobre as “dúvidas” auguratórias do Velho. Aceita-se a asserção, enquanto etapa da Viagem, onde cabem todas as cousas, dir-se-ia à época.

E agora também, porque não?
Podemos afirmar (ou confirmar?), com os pés em solo firme, e sem temer as ondas e os maus adamastores (que nem olham para ninfas...), “No jornal, de olhos tensos, soletramos/As vertigens do espaço e maravilhas/Oceanos salgados que circundam/Ilhas mortas de sede, onde não chove.”[iv]

Mesmo sem partilhar da totalidade do aviso (nem tal se afigura necessário), atentemos apenas aqui:
“E, entrando assi a falar-lhe, a tempo e horas, 
A sua falsidade acomodadas,
Lhe diz como eram gentes roubadoras 
Estas que ora de novo são chegadas; 
Que das nações na costa moradoras, 
Correndo a fama veio que roubadas
Foram por estes homens que passavam, 
Que com pactos de paz sempre ancoravam.”[v]

Pronto, estamos avisados!
Mesmo sem fazer de vós “...a prova da riqueza,/E também da pobreza, /e da fome outra vez/E pusemos em ti sei lá bem que desejo/De mais alto que nós, e melhor e mais puro.”



[i] Na realidade a expressão “Velho do Restelo”, nem sequer consta da Obra. O tal velho proferiu o seu discurso na partida de Vasco da Gama para a Índia. A designação poderá ter a ver com o, local onde o Velho terá discursado, ou seja, na antiga praia do Restelo. O nome que Camões lhe dá, é “velho d'aspeito venerando”.
[ii] Luiz Vaz de Camões, “Os Lusíadas”, Canto IV, 95
[iii]  Referência ao Poema Fala Do Velho Do Restelo Ao Astronauta”, de José Saramago, in: MENÉRES, Maria Alberta; CASTRO, E. M. de Melo e (Compiladores). Antologia da poesia portuguesa: 1940-1977. Lisboa: Moraes, 1979. v. 2. p. 377.
[iv] Idem, ibidem
[v] “Os Lusíadas”, Parte I, Est. 78

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