19 junho 2020

O NACIONAL PAROLISMO E O FUTEBOL (e, já agora, a EDUCAÇÃO)


Há afirmações que, valendo o que valem, quando proferidas por responsáveis políticos, adquirem uma dimensão particularmente significativa.
É o caso daquela cerimónia ridícula, a propósito da Liga dos Campeões, e da hipótese de aquele evento se vir a realizar em Lisboa.
O que apetece dizer, assim numa primeira impressão, é que “o mundo de cada um é os olhos que tem”, uma espécie de provérbio que o Mestre aplicou ao campo de visão do burro, no Memorial[i].
É o habitual parolismo lusitano, interpretado a alto nível por Sousa, Costa e aquele senhor cinzento que dizem ser ministro da Educação. Mas havia mais, naquela palhaçada.

Quase não se quer acreditar...
Para cúmulo, Costa foi ao ponto de afirmar que a final da Liga dos Campeões em Lisboa, é “um prémio aos profissionais de saúde”. Grande descaramento!
Enquanto isto, em França, o governo vai dar um bónus de 1500 € aos profissionais de saúde e a Alemanha prepara-se para lhes aumentar os vencimentos.
Será que a pandemia afectou o sentido do ridículo?” perguntava hoje, no jornal Público, o deputado Pedro Filipe Soares, enquanto que, no mesmo jornal, em artigo de opinião, a jornalista Susana Peralta, avisava que “a Liga dos Campeões é a educação”.

Mas porquê, senhor?
Porque triste sina, “temos” que ser assim?
Por que carga de água é que aquela cerimónia foi transformada no acontecimento mais importante, pós-pandemia?
E, já agora, porque é que os mais altos dirigentes da Pátria aceitam cair assim no ridículo? Aqui e no resto da (louca) Europa que aposta milhões e milhões no futebol?
A resposta parece simples: face à necessidade emergente de dar nas vistas, de qualquer ângulo, parece valer tudo, na aposta da PROPAGANDA, uma forma de centrar atenção e de tentar lançar o país no “mais do mesmo”.

Porque afinal, o que é preciso,
É tudo voltar ao mesmo, consumir (seja o que for, principalmente o que menos falta faz) e não pensar. E, na verdade, que melhor senão a pura alienação do espectáculo do futebol, mais o convencimento geral que isso é bom para o País e para os portugueses?

Mas não é um risco?
Mesmo que o seja, mesmo que mais ninguém na Europa queira verdadeiramente encher de povo um qualquer estádio de futebol, pelo perigo potencial que acarreta (ainda nesta fase) promover ajuntamentos daquele gênero.
O país pequeno daqueles que se prestaram (e prestam) ao ridículo, parece girar em volta deles, mesmo com um grave prejuízo, quer para a saúde pública, em geral, quer para a saúde mental, em particular.
Voltando ao campo de visão do burro, diríamos que, de tão estreito que lhe baste para a função, assim transportado para os humanos, precisaria de um pouco mais de imaginação: uma pequena luz que ilumina a escuridão e a que se costuma chamar conhecimento.
Mas, infelizmente, tudo isto parece muito pouco provável. 
É bom estarmos avisados...




[i] “Memorial do Convento” (1982), José Saramago, pág. 274

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