04 outubro 2020

 A COLÓNIA

 

Quando a Esquerda se revela incapaz de organizar-se, enquanto espaço e crisol em que se formam os questionamentos 

e também em que se investem os desejos e as energias, são a direita e a extrema-direita que conseguem acolhê-los e atraí-los

Didier Eribom, “Regresso A Reims”, pág. 146  

 

Aqui há dias, em conversa franca com uma Amiga, de coisas da política geral, dizia-lhe que não me conformo, nem nunca me conformarei, que transformem o meu País, numa colónia de Bruxelas. Expressão que, longe de ser premonitória, é bem real e bem capaz de ser já uma realidade, tal é a fúria devastadora da dita “união europeia”, sobre os putativos “membros”. Na sua boa fé, a minha Amiga perguntava se eu preferia ser uma “colónia da China”.

É uma resposta que goza até de uma certa popularidade, muito particularmente porque a propaganda ocidental se dedica à nobre tarefa de demonizar o “perigo amarelo”.  E não por supostas boas razões, que poderiam ser, por exemplo, de afirmar o definhar permanente da pequenez das liberdades individuais, naquele que é o maior país do mundo. Não, seguramente que o capitalismo não está nada (mesmo nada) preocupado com isso, mas sim, com a concorrência comercial, contra uma globalização infame, imposta sobretudo às economias mais debilitadas, para assim as tornar ainda mais e mais dependentes da “ajuda” providencial das grandes potências e dos grandes senhores do dinheiro.

 

A INEVITABILIDADE 

Sempre o mesmo raciocínio, que, de tão batido e proclamado, acaba por se infiltrar de tal forma, que até os subordinados, os explorados e espoliados, o afirmem e reafirmem, como verdade suprema. Não há alternativa. Porque somos, no caso de Portugal, muito pequenos e nada, ou muito pouco representamos, na economia europeia. E portanto, nunca poderíamos sobreviver, nem prosperar, sozinhos. 

A ideia não é apenas eivada de perfídia. É mesmo “aplicável”, na fraseologia oficial e devidamente sustentada, ainda que de forma muito pouco científica, ou mesmo nada. Contudo é real, fazendo parte do discurso oficial, de governos e de patrões, de agências governamentais e não-governamentais, da comunicação social das grandes empresas de comunicação e dos comentadores encartados e comprometidos, na sua imensa maioria, em difundir uma “verdade” e um pensamento único, que casa perfeitamente com a manutenção dos seus privilégios profissionais.

É no fundo um imenso circo que, à nossa volta, monta um espectáculo de mau gosto, todavia parecendo apetecível, pelo menos em termos de consumo e de obediência generalizada.

 

A RESPOSTA

A minha resposta à pequena “provocação” da minha Amiga, por quem tenho aliás imenso respeito e consideração, foi muito simples. Defendo que o meu País deve cumprir e respeitar a Constituição da República. Particularmente, o seu Artigo 1.º, “Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.”.

É tudo muito simples, mais do que isso, é difícil. Ou o País cumpre a sua Constituição, ou perder-se-á rapidamente a identidade, com grave prejuízo, particularmente para aquela camada da população que trabalha e paga os seus impostos.

É pois a primeira das obrigações do Governo da República, cumprir e fazer respeitar a Constituição, acima de qualquer tratado internacional, que deve ser sempre entendido como cumprível, caso não fira o que está escrito na nossa Constituição.

 

O QUE É E O QUE DEVE SER

A tese da “integração europeia” é hoje, mais do que nunca, uma causa perdidaTudo ficará na mesma, enquanto prosseguirem as políticas de desagregação social, determinadas pelo seguidismo a uma causa, como é a "integração europeia". O facto de o nosso País ter abdicado da soberania monetária e adoptado uma moeda estrangeira, tem proporcionado, ao longo das últimas décadas, um efeito verdadeiramente catastrófico, que se pode caracterizar sobretudo pela estagnação, provocando um autêntico choque social, pago, como acontece em todas as crises, por quem trabalha e, ainda por cima vê reduzidos os seus direitos como cidadão. 

Aqueles que agora, tal como outros fizeram antes, contribuem para transformar o nosso País numa colónia de Bruxelas, pagarão o preço da mistificação em que estão envolvidos e em que querem envolver todo um Povo.

Continuará o estado de degradação do País, enquanto distribuem umas migalhas, para mascarar a realidade gritante do desemprego e da miséria social.

Parece na verdade ridículo ver os actuais governantes preocupados com as metas do défice e da dívida. Tudo parece girar em torno daquele conceito, que os transforma em objectivos últimos da política económica. O real desenvolvimento do País é preterido, as necessidades de serviços públicos essenciais para as populações, são sistematicamente colocadas em segundo plano e tudo parece gravitar em tornos de promessas de dinheiro fácil e de miragens fictícias. 

 

O FALHANÇO E A INCAPACIDADE DE O ENTENDER

A imposição do euro, como moeda única, falhou redondamente, como factor de convergência entre os Estados, como facilmente se demonstra e se vê, na prática dos últimos 30 anos. Mas falha também ao absorver institucionalmente as flutuações do mercado cambial. O resultado trágico é impor aos Estados Membros o designado rigor orçamental, que mais não é que uma autêntica camisa de forças na gestão orçamental, o principal agente responsável pelo aumento das desigualdades. Como não existe, ao contrário por exemplo dos EUA, qualquer relação entre o Tesouro e o Banco Central, não é possível aplicar instrumentos que assegurem a estabilidade. Por isso mesmo, a frequência dos choques externos da crise financeira é superior ao normal.

A incapacidade de entender o falhanço é apenas aparente. Enquanto a Alemanha e os países do norte da Europa, economias que pouco têm a ver com a nossa, proliferam e aumentam excedentes, os países do sul continuam a viver sufocados e reféns de um modelo errado de desenvolvimento. Não interessa pois aprofundar o tema, nem questionar o modelo, uma vez que a situação de dependência e de subordinação, são aceites por quem governa. Nunca, em nenhumas eleições, por exemplo, é “permitido” discutir a Europa e a sua mentira. Quem o tenta fazer, é diminuído e mal-entendido. E pior, é acantonado num nicho dito antieuropeu, com conotação negativa.

 

E AS PESSOAS, SENHOR?

Meros joguetes eleitorais, apenas citados para emoldurar pretensos programas sociais, sempre deficitários e muitas vezes entendidos como “grande esfoço nacional”, direitos e salários sempre acima do que é possível, as pessoas que trabalham estão “proibidas” de questionarem o modelo, porque sim e está tudo dito. Pior era como antes, já tudo interessa, menos discutir. Importa garantir votos, seja lá para o que for, em nome de uma pretensa “estabilidade”, que está sempre acima de qualquer debate sério. São porventura os tais “superiores interesses nacionais” que a Direita se arroga em detentora de definir a seu belo prazer. O pior é que certa Esquerda embarca perigosamente neste barco à deriva.

E as pessoas que trabalham e sentem que algo não está bem, viram-se fácil e assustadoramente para aqueles que, de uma forma demagógica e populista, os dizem defender. É o perigo fascista, que espreita a cada esquina e vai ganhando terreno, como se tem visto, particularmente no decurso da situação de pandemia.

 

A DEVOÇÃO E O PERIGO

Citemos aquilo que o economista Jorge Bateira nos transmite, num pequeno artigo, publicado a 2 de Outubro. “Enquanto a devoção ao euro, a moeda única que era suposta proteger-nos de crises financeiras, e a esperança patética numa Europa cada vez mais integrada – quer dizer, germanizada –, a grande potência moderadora na cena internacional, prevalecerem na classe média e nas elites do conhecimento, incluindo na maioria dos que se dizem de esquerda, não haverá dinheiro a fundo perdido que trave a desagregação social, a raiva recalcada, e o crescimento da extrema-direita. Negociar orçamentos sem, no mínimo, explicar ao povo que não há um único país que se tenha desenvolvido sem poder aplicar as políticas económicas e sociais que a UE não permite, é cavar o túmulo da democracia. Dado que o euro é o equivalente do padrão-ouro nos nossos dias, os anos 30 do século passado não me saem da memória.” 

O Autor pede aliás desculpa pela associação de ideias.

Mas é assim mesmo. 

Para a minha Amiga e não só, apenas digo, que o perigo é negro e não amarelo...

 

 


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