27 outubro 2020

 O FALSO ARGUMENTO DO(s) PEC E PARTICULARMENTE DO “FAMOSO” PEC4

 

Nos últimos dias, o PS tem repetido vezes sem conta o mesmo argumento, para tentar a aprovação dos eu orçamento de austeridade.

Falo da proposta OE 2021, a ser apresentada na AR, para apreciação.

Perante uma fatalidade iminente, que resultaria do chumbo da sua proposta, o PS e todos os comentadores encartados que pululam nas rádios, TV e jornais, quase sem excepção (porque as excepções não têm lugar à mesa), se dedicam à nobre tarefa de convencer os cidadãos de 2 “verdades”, sendo a primeira a de que se trata de um bom orçamento, para o País, numa altura de crise. A segunda tem a ver com uma gasta e antiga concepção, que se rege pela comparação entre um eventual chumbo do OE2021 e o tão propalado chumbo do PEC4, do governo de Sócrates e Teixeira dos Santos, em Março de 2011.

 

O seu a seu dono

Na realidade, é um pouco estranho que o actual PS queira ressuscitar o falhanço de 2011, uma realidade quase a 10 anos de distância, num tempo em que o governo tinha uma maioria que jugava segura e que ignorava e hostilizava mesmo toda a Esquerda, protagonizando até episódios muito pouco edificantes, como o de Manuel Pinho. Um governo autocrático, dirigido por um homem pouco qualificado, capaz de tudo para se manter no poder, um poder que, entretanto, começava a dar mostras de quebrar o verniz, muito embora fizesse tudo o que Direita pretendia, não o fazia da forma como a Direita gostava. 

 

O que foi e o que constava do PEC4

Os PEC, mais propriamente os designados Planos de Estabilidade e Crescimento, não eram mais que a convocação de uma forma de exercer o poder, através de medidas de restrição orçamental, impostas pela burocracia europeia e que se podiam resumir em 3 objectivos fundamentais: a antecipação da austeridade, a permissão da "invasão" do País pela troika, mediante o controle orçamental e a aceitação da submissão a Bruxelas, consubstanciada na dívida permanente.

Particularmente, o PEC4 visava diminuir os pagamentos em pensões em 425 milhões, aumentar o IRS de reformados em 255 milhões, aumentar o IVA (passagem dos produtos alimentares para a taxa máxima, por exemplo), poupar 510 milhões em medicamentos, reduzir o gasto na escola pública em 340 milhões e cortar mais 400 milhões no investimento público. Se juntarmos a este panorama, o programa "especial" de privatizações, que passava afinal pela venda de empresas, como a TAP, a Ana, os CTT, os Seguros da CGD, a parte da Galp e EDP, a CP carga, a EMEF, os Estaleiros Navais de Viana do Castelo e, finalmente, as concessões dos transportes suburbanos, tínhamos uma imagem real da completa submissão do País a Bruxelas. Todo este "fabuloso" programa, repito, uma imposição da "união europeia", significava, mais impostos e cortes em pensões e no Estado Social. Curiosamente (para mim, de todo!), toda aquela receita viria a ser reproduzida pela troika e por Passos Coelho. 

 

E aqui existe um conceito

Claro que se pode argumentar tudo e o seu contrário, em nome do poder, essa sacrossanta instituição que permite a uns, arrecadar alguns privilégios e prebendas e a outros, manter uma forma superior de dominação, com base na perpetuação de medidas que ajudem a manter aquela mesma dominação. 

Se aqui reside um conceito político, que funciona com base em alguns legados do passado e que têm a ver com a luta de classes e a sua “ocultação”, disfarçada de metáforas como o “interesse nacional”, a “necessidade de reformas estruturais”, o “colocar o interesse nacional acima dos interesses partidários”, entre outros, o certo é que a coisa acaba por funcionar, através de um esquema de cedências à Direita, por parte dos partidos do centro, para cumprirem o mesmo programa de austeridade, de uma forma encoberta ou disfarçada, com algumas medidas sociais de pouca importância, mas com algum significado, pelo menos imediato. 

Isto é o centrão partidário, onde os partidos socialistas e sociais-democratas se encaixam, substituindo-se de quando em vez, para salvar aparências, mantendo no essencial a mesma política de partilha de lugares no aparelho de Estado, perpetuando desta forma a dominação. Não podem ceder em questões essenciais, como o rentismo, a liberalização do trabalho, a obediência cega às instituições europeias, enfim, ao domínio do capitalismo financeiro, que determina em última instância todas as decisões.

Tudo isto estava na génese dos PEC. O PEC4 era a cereja em cima do bolo, significava a rendição final em termos da submissão e da entrega da economia ao bel-prazer da finança e dos seus desmandos. Não resolvia o problema do País, era ele mesmo um problema para o País. A Direita, contudo não lho permitiria. Era a hora de tomar directamente o Poder.

E foi. Aquilo que queria, nomeadamente “fomentar a adaptabilidade interna à empresa, pela flexibilização das condições de mobilidade interna, de organização do tempo de trabalho e de negociação salarial. Adicionalmente, foram também flexibilizados diversos procedimentos, nomeadamente de despedimento colectivo. As mudanças introduzidas resultaram na maior redução da rigidez do mercado de trabalho verificada na OCDE” (pg. 25 do programa), entraria logo a seguir com a troika e com a “ocupação do País”, a que alguns chamaram “programa de assistência”.

 

Um argumento estafado e mentiroso

Provado que está o engano, venha a mentira sob a capa da intimidação e da ameaça. Na realidade, o Partido Socialista é incapaz de um arrojo de interpretação do funcionamento da economia e do próprio País, sem a tutela do rentismo, do clientelismo e da austeridade como princípios. Tudo gira em torno do que seria de rejeitar, para libertar o País da dominação e da submissão. 

As hesitações da Esquerda (aprovar ou abster-se de aprovar o OE2021) têm com a possibilidade de exercer pressão constante sobre os governos do PS. Com a possibilidade de conseguir pequenos ganhos para os trabalhadores, através de medidas de compensação de salários e pensões e com uma política de habitação condigna. Têm a ver ainda com a necessidade imperiosa de manter a Escola e, particularmente a Saúde, na esfera pública, em tempos de pandemia. 

Possivelmente também com agendas e calendários eleitorais, o que se pode até aceitar, para tentar introduzir, por exemplo, alguma dignidade nas presidenciais, de que o próprio PS ajuda a diminuir abstendo-se uma vez mais de participar e contribuindo dessa forma para o plebiscito a Marcelo.

Com a vinda a terreiro e a ressuscitação do PEC4, o PS presta mais um péssimo serviço a si mesmo, aos trabalhadores que diz defender e, em última instância ao País.

Qualquer que seja o resultado da votação na AR.


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