06 novembro 2020

 A EMERGÊNCIA DO ESTADO

 

Do dicionário[i], sempre útil em casos que tal, retiro o significado do termo “emergência”: Estado daquilo que emerge.

Perante a dúvida que tende a assaltar-me, qual ladra de termos e conceitos, sou levado a pensar um estado de alma, em que, de súbito, emerge qualquer coisa que me assusta, ou mesmo que tendencialmente pode ensombrar o meu espírito inquieto e buliçoso. 

Por mais que avisado possa ser (e sou) por espíritos mais sensatos, que sim, porque assim está a ser por todo o lado, fico estarrecido ainda mais, uma vez que a coisa pode até configurar um caso bem mais grave, a excepção feita regra.

 

Afinal, o que “emerge” de tudo isto?

O que muda se eu decidir, mesmo contra a lei que aí vem, dar um passeio na praia, pela noite dentro, mesmo sem vivalma, nas proximidades. Vem a carrinha da bófia, sempre diligente, pedindo a identificação, a autorização, a “aplicação”? E a consequente multa, ou mesmo, o encarceramento, aguardando o juiz de fora (ou de dentro), que me aplicará a medida justa de um estado, à qual a excepção passou a ser regra.

Deixo para trás a ideia do passeio na praia, fica para a próxima, bem melhor será uma visita ao centro comercial, sítio que abomino, mas que pode ser a alternativa a apanhar chuva, de um momento para o outro, a meteorologia avisa da probabilidade de aguaceiros frequentes. À entrada sou barrado, imagino, por um daqueles seguranças, que me enfia a tal zaragatoa, para o conveniente teste, uma vez que a temperatura do corpo não passa dos trinta e seis e meio habituais e posso ser assimptomático.

 

Que bom é ficar em casa

Nem greve, nem manifestação, nem qualquer reivindicação sequer, dizem-me que o momento que é de união nacional, estamos em guerra contra o vírus. Bom, onde é que eu já teria ouvido isto? União? Todos no mesmo barco? Todos, o banqueiro e a peixeira, o administrador e o caixeiro, o chefe e a secretária, todos juntos, irmanados da mesma vontade de dizer asneiras e de louvar a um qualquer deus, para nos salvar, mesmo que a salvação não exista para quem a não quer. Sobretudo isso.

Mas há sempre a requisição, que serve, como se pensa, para requisitar. Serviços que já o deviam ter sido há muito, para não “apertar” o SNS que, por sua vez, deveria ter sido ampla e massivamente equipado, reequipado, apoiado, reapoiado e tudo o que possamos imaginar, para os profissionais que lá trabalham e cuidam de nós.

 

Mas temos um Presidente que (lá está) cuida de nós

Devia ser uma pergunta, que afirmação não é, dada a contingência da situação e dado (ainda) a dúvida que se pode facilmente instalar, particularmente nos que deveriam, ser cuidados. Muito embora alguns daqueles nem saibam do que estamos a falar, porque nem tecto têm para poder, como os demais, ficar em casa.

Se cuida, ou não, só ele o saberá, pelo menos cuida dele, a gente vê isso, porque nos entra pelos olhos dentro.

Mas é dele (será que devia escrever com maiúsculas?) o protagonismo principal, até parece que é candidato à Presidência... 

É dele a proposição de colocar o Estado de emergência, quando a emergência deveria ser pôr o Estado a funcionar, para prevenir e curar os doentes, para manter

as actividades económicas, sociais, culturais e desportivas, em vez de as suspender ou mesmo proibir, enfim, criar as necessárias condições dessegurança sanitária, em vez de limitar ou cercear direitos, liberdade e garantias.

 

Entretanto há coisas estranhas...

Enquanto tudo parece funcionar, a vida das pessoas corre risco, mas assim acontece a quem não pode deixar o seu trabalho, com medo (sim, com medo!) de perder o emprego, vão sendo conhecidos alguns casos, se calhar não tão estranhos, de quem usa o estado de pandemia para intimidar. Será que o Presidente sabe disso?

É para ficar até à Primavera, disse Costa, não vale a pena andar a decretar e a descretar, a legislar e a deixar de, a reunir e a sentar à mesa. Assim fica e depois se vê.

Entretanto, a vida lá fora continua, o estado requer emergência.

A emergência de colocar o Estado a funcionar como deve ser, fica (como sempre) para depois...

 

 

 



 



[i] "emergência", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/emerg%C3%AAncia [consultado em 06-11-2020].

 


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