22 novembro 2020

 A FÚRIA E O CONGRESSO (OU O CONGRESSO DA FÚRIA)

 

"Mas por hoje basta 

Hoje é já muito tarde 

Já se esgotam todas as esperanças que havia para hoje"

José de Almada Negreiros

 

De tanto falar no Congresso, fica-se com a sensação que ele, por um lado, determina as nossas vidas e, por outro lado, que ele é o grande motivo da fúria de quase todos os comentadores encartados, da Direita toda em uníssono e, para espanto meu, de alguns cidadãos menos atentos.

 

Nada mais certo.

O Congresso do PCP determina, em grande parte, a nossa existência. Pelo “simples” facto que é a sua realização um símbolo de Liberdade, em tempos em que ela está confinada, restringida, de forma arbitrária e sem razão maior que a justifique. Nem sequer que a explique, como provam os últimos dados da DGS.

E agora, o motivo da fúria. Nem mais nem menos que a impotência que demonstram os detractores. Antes era a Festa, agora o Congresso. O que aconteceu de prejuízo para a saúde pública naquela, foi zero. O que irá acontecer naquele, será decerto a mesma coisa.

Os menos avisados, ou distraídos, poderão dizer qualquer coisa como isto: “não está em causa se a lei permite a realização do evento em questão, o que está em causa é se, no actual contexto, ele deveria ser adiado”. Alguns aventam o chamado “bom senso”, para aconselhar o Partido. Outros dizem que irá ser, por isso, penalizado, em termos eleitorais. A estas (ou outras) posições, poderá dizer-se o mesmo que da Festa. É uma afirmação política com os seus riscos, como aliás são todas as decisões, em termos de política partidária. Só para aqueles menos atentos, sempre se pode dizer que o PCP tomou sempre posições incómodas para o Poder, com elevados riscos, a começar, em alguns casos, pela própria vida dos seus militantes. 

 

Lembrando o passado

Giogio Agambem[i] teorizou sobre o “estado de excepção”, dizendo que ele se tornou regra, nos tempos de correm. Foi em 1995, tão perto de hoje. Então o que vemos hoje? Um Presidente a propor estados de emergência de 15 em 15 dias, anunciando uma 3ª vaga para daqui a um mês e dizendo que não hesitará em voltar a propor até não se sabe bem quando. Justificações? Apenas as que resultam da sua percepção, sem qualquer base científica, esquecendo a pedagogia, a informação correcta e a formação. Podia lembra-se, por exemplo, de promover brigadas móveis, para estar em contacto directo com a população, ensinando o que deve ser ensinado. Ao contrário disso, vem assustar os cidadãos, com as “promessas” de uma 3ª vaga sabe-se lá para quando, mais aquela que gosta tanto: o estado de emergência será prorrogado as vezes que forem necessárias. Mas necessárias para quê? Talvez a mais patética de todas será a que tem a ver com a de um Natal como os outros, se todos nos portarmos bem atá lá.  

Por que razão não se publicam dados corretos sobre a covid-19?

Porque é que devemos estar em casa a partir das 13:00 aos Sábados e Domingos?

Apenas porque é essa a regra, agora, no estado de excepção.

 

Ainda bem que temos gente que pensa...

Num comunicado emitido há uns dias atrás, um movimento de cidadãos, critica as medidas adotadas no âmbito do estado de emergência, salientando "É com profunda consternação que a Plataforma Cívica Cidadania XXI assistiu ao anúncio de uma série de novas medidas desproporcionais no combate à pandemia do vírus SARS-CoV-2. É com frustração que vemos o pro-fundo impacto que estas medidas terão na sociedade portuguesa, e por isso desde já manifestamos a nossa total solidariedade com todos os comerciantes, lojistas, empresários e demais trabalhadores dos sectores de atividade que serão fortemente penalizados pelas novas medidas do Governo - a terminar um ano já terrível a vários níveis"[ii].

Este Movimento apela ao Governo para que faça “...uma gestão equilibrada deste desafio, com honestidade e transparência e minimizando todos os danos humanos, sociais e económicos que possam advir”.

Nada mais que isto.

 

Pensar, analisar e decidir (bem)

Numa obra que se impõe ler, neste dias de sombra, em que nos obrigam a ficar em casa, a ensaísta e filósofa Donatella di Cesare, diz, a certo passo, referindo-se ao estado de excepção e ao que chama “vírus soberano”, “...a figura da excepção soberana persiste mesmo nos regimes modernos...passa a ser o pano de fundo, ...submerge na prática administrativa” ..., em suma, a instituição democrática baseia-se, embora de maneira inconfessável, na excepção soberana[iii]Não se pode ignorar que o perigo de contágio traz consigo a epidemia paralela de medidas repressivas e contraditórias.”[iv], palavras avisadas e sábias, que deveriam merecer a maior das atenções, particularmente de quem nos governa, mesmo sabendo de antemão que podem (e estarão decerto) eivados das melhores intenções.

 

Afinal, porquê a “fúria”?

Não admira, vinda de onde vem, diríamos até, ainda bem que se manifesta.

E outro ainda bem: temos um partido que vai contra a correnteza, essa malfadada unanimidade que Marcelo tanto gosta.

E quanto à pergunta, poderia (ou deveria) o PCP adiar o Congresso? Claro que sim. Mas ainda bem que o não faz, assim está a defender, uma vez mais, a Liberdade. E a Democracia também. Assim mesmo é que é.

Se o Congresso for o da fúria, que o seja, no combate sem tréguas às manifestações que a extrema-direita, com todos os amigos do costume, arriscam hoje, para ensaiar mais além e que exigem uma acção pedagógica de luta contínua e constante.

Mas, por hoje basta...



[i] Giorgio Agamben (Roma1942) é italiano, licenciado em Direito, autor de várias obras, das quais se destaca a sua investigação sobre os conceitos de Estado de excepção 

[iii]  “Vírus Soberano? A Asfixia Capitalista”, tradução de António Guerreiro, Edições 70, Julho 2020, pág. 39

[iv] Idem, ibidem, pág. 51


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