11 novembro 2020

 A NARRATIVA ODIOSA


Nunca pensei ter de escrever isto, ou sobre isto...

Uma narrativa odiosa, sem qualquer sentido que não seja a deturpação da verdade histórica, está paulatinamente a ser montada, na dita comunicação social, construída e instigada por comentadores de baixo perfil e duvidosa credibilidade. Que teve no senhor Rui Rio e na sua atitude perante o resultado das eleições nos Açores, a base de trabalho ideal para a sua construção.

Tem esta a ver com a comparação espúria entre a aliança do PSD com a extrema-direita xenófoba e racista e nazi e a construção da maioria parlamentar que permitiu a solução governativa do Partido Socialista, na anterior legislatura.

 

Lançar o rastilho

Bastou a palavra do referido senhor, para justificar aquilo que muita gente do próprio partido repudia, para meia dúzia dos tais comentadores, particularmente dos que alimentam fóruns de opinião, onde são “libertadas” todas as punções e verborreias, idiotas e potencialmente obscenas. Um desses fóruns, onde supostamente se discute política, foi capaz hoje de acordar toda a Direita, que parecendo adormecida, vem nestas alturas destilar o seu ódio à Democracia e à Liberdade.  

 

Montar um cenário

Assim se constrói uma narrativa, como base na repetição de frases e escritos simplistas, sem qualquer sentido que não seja a destruição dos conceitos e princípios que entornam as sociedades democráticas. Assim o fizeram, a bem da nação, como em tempos que foram, esses manipuladores, que vivem à sombra da Democracia, sem quererem saber o seu significado profundo e historicamente adquirido. Ao quererem forçar a ideia de que tudo é possível, desprezam a verdade dos factos e atentam contra a inteligência de toda uma comunidade. 

 

Desrespeito e insulto

Ao comparem aquela excrescência pustulenta que se mantém como deputado na AR aos que lutaram durante décadas contra a ditadura fascista, que deram a sua vida por essa luta, que sofreram a perseguição e tortura, presos e vilipendiados nos seus direitos e liberdades, esses agentes da pós-verdade atentam contra a memória e contra a história. Ao pronunciarem o nome do Partido Comunista Português, deveriam fazê-lo com o respeito e a consideração que o nosso País lhe deve, na luta contra o fascismo e pela construção das condições que possibilitaram a libertação, no 25 de Abril de 1974. E deviam lembrar-se do papel decisivo que os comunistas, socialistas, anarquistas e outros democratas, com ou sem partido, desempenharam na luta, no terreno e no exílio, na entrega das suas vidas, pela dignidade e contra a opressão. Falo do que sei, do que sinto e do que vivi, no antes e no depois da libertação.

 

E, por falar em respeito

Socorro-me de dois comentadores, da área política da Direita, que hoje ouvi, um deles, por sinal, militante do PSD. Perguntava um deles, porventura ao senhor Rio, o que era um “xenófobo moderado”, ou um “racista moderado”. E, ao interrogar-se, dava logo a resposta óbvia, que não permite outras interpretações, não há moderação possível, como pretende o senhor Rio, para quem defende ideias e conceitos anti-naturais e anti-humanos. Na realidade, aquela “coisa” nunca poderá ser moderada, sob pena de deixar de existir. Quem defende coisas tão repugnantes, como a pena de morte ou a castração química, deveria merecer o repúdio de toda uma comunidade.

Por isso mesmo, indivíduos como o senhor Rio, que dão a mão aos mais baixos resíduos de pessoa humana, não nos devem merecer, nem respeito, nem um mínimo de consideração. Mais cedo ou mais tarde, a história os recordará, como agentes da miséria humana e social, de tão ignóbeis, que não merecem senão o desprezo de uma sociedade decente.

 

Nunca pensei ter de escrever isto, ou sobre isto...

Mas escrevo, com a consciência de um dever, sobretudo para as gerações mais novas que não viveram (felizmente!) a noite negra do fascismo, que não foram obrigados a emigrar, que não sabem sequer o que é viver sem Liberdade. Que saibam preservar esse Valor e outros que a Democracia lhes vai ensinando. Que saibam rejeitar veemente as figuras sinistras que querem desenterrar o passado.

O que o mundo for amanhã, é o esforço de todos nós que o determinará”, escreveu um dia um grande e ilustre Português, chamado Bento de Jesus Caraça[i]. Essa pedagogia do futuro é, sem qualquer dúvida, a razão de ser do nosso presente.

Temos memória e por isso, temos futuro.  

 

 

 

 



[i] Bento de Jesus Caraça nasceu a 18 de Abril de 1901 em Vila Viçosa e vivei uma vida intensa, até 25 de Junho de 1948. Professor universitário, chegou a professor catedrático em 1929, resistente antifascista e militante do Partido Comunista Português. Perseguido pela ditadura fascista, ganhou evidência a sua participação no Movimento de Unidade Democrática (MUD), que contou com uma enorme adesão popular reclamava “liberdade de reunião, de associação e de imprensa”, impensáveis na época. Matemático de formação, foi Presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática, entre 1943 e 1944, Em 1946 é preso pela PIDE e, em Outubro desse mesmo ano, foi demitido do lugar de professor catedrático do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeira.

 


This page is powered by Blogger. Isn't yours?