10 abril 2021

A “MANSIDÃO” E A INCOMPETÊNCIA




 












É sempre bom “repousar” um pouco sobre um anúncio como o do dia de ontem. Na torrente de ditos e escritos, alguns que pretendem ser informação, ficam a perder para a imensa enxurrada de palpites, nas ditas redes sociais, de costumeira mediania. Ao pretender saber quem esteve bem, ou mal, encalhamos quase sempre na opinião encartada de quem pensa ser pensamento, embora possa eventualmente não passar de uma simples eructação.

 

O homem que um dia não quis ser “manso”, vociferando, ainda que de forma sibilina que isso “é a tua tia, pá...”, não pode, ou melhor não deve, cantar a tal vitória que ensaia, ainda que o faça denunciando (e bem) alguns pasquins e similares de TV, que aproveitaram para cavalgar, em tempo, uma duvidosa onda moralista e justicialista. Porque nada poderá apagar a realidade que para si próprio construiu, desprezando a inteligência alheia e brincando com uma trapalhada, visceralmente repelente. 

 

Mas, o que salta à vista, depois daquele arrasador discurso de um juiz que tentou quiçá emendar a mão de outros magistrados, que, diga-se de passagem, muito mal ficam no processo, é a tremenda falta de qualidade de um ministério, que, por ser público, deveria ter mais competência. Nem será preciso lembrar a quantidade imensa de “factos” que deveriam envergonhar quem os protagonizou, não fora a habitual complacência com os portugas, serenos e pacientes (uma versão possivelmente aproximada), brindam normalmente casos do género: gritando e berrando de fúria e esquecendo logo uns dias depois, caindo porventura na quietude cinzenta, característica primeira (tem que se dizer, com toda a frontalidade) da ferrugenta e cabisbaixa vulgaridade pequeno-burguesa. Apetece citar o O´Neill, “Oh Portugal... surdo e miudinho...”.

 

Ele há (diz-se) o vai e o vem. E, ainda, que “...enquanto o pau vai e vem, folgam as costas”. Estamos em Portugal e a esperança apenas existe para meia-dúzia (vá lá, algumas dúzias) de encantados. É pena, porque somos, assim à primeira vista, bem mais que “...o sal, o sol, o sul / o ladino pardal, / o manso boi coloquial, / a rechinante sardinha, / a desancada varina...”. Vejam, lá está o “manso”, embora aqui, o tranquilo e coloquial boi e não um qualquer arrivista, ainda que diplomado, encartado e sobejamente “apoiado”. Logo, há que esperar, talvez mais uns anos, pelo “vem”.

 

Rejeitamos, claro que sim, todo e qualquer “julgamento popular”. Pensamos é se o Poeta tinha motivo, para nos deixar este soberbo pensamento, “Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo, /golpe até ao osso, fome sem entretém, / perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes, / rocim engraxado, / feira cabisbaixa, /meu remorso, / meu remorso de todos nós”.

De todos nós.

 

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Nota: os excertos são retirados (roubados) do poema “Portugal” (1965), da obra “Feira Cabisbaixa”, publicado em “Poesias Completas”, Alexandre O´Neill, pág. 211


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