23 janeiro 2022

 A MOBILIDADE DO VOTO 

 

Ao mesmo tempo que o ritmo imparável das sondagens vai anunciando, ora a subida, ora a descida de PS ou PSD, a avalanche de debates e sobretudo de comentários aos debates, confirma o que já se temia. É a intervenção da artificialidade táctica na campanha e a sua manifesta desadequação para analisar e discutir política a sério, ou seja, como desenvolver o País de uma forma equilibrada, de forma a satisfazer as necessidades dos cidadãos, particularmente de quem trabalha e vê, dia a dia, degradarem-se as suas condições de vida. Seria desejável, quando não exigível, que fossem abordadas as políticas públicas que é necessário serem postas em prática, para impedir e inverter a estagnação do País. Nomeadamente, na saúde, na habitação, na educação e no ensino superior. E no trabalho também, com a erradicação completa e inequívoca das leis do tempo da troika. Na verdade, para estancar a manifesta descrença de uma parte significativa da população nas soluções que lhe foram apresentadas, a única via possível é mesmo uma resposta firme e decisiva, nas referidas políticas públicas, de base local, regional e nacional.

Resta saber quem está devidamente preparado para o fazer.

 

À Direita

A Direita procura cavalgar a insatisfação dos cidadãos, propondo, entretanto, coisa nenhuma, ou as velhas receitas e o retorno àquelas que retiraram direitos e garantias, sobretudo às pessoas que mais necessitavam de apoio. Ou, em alternativa, apresentando e discorrendo sobre fantasias, como por exemplo, a IL, com a inacreditável tese da “liberdade de escolha”, no ensino, na saúde e em tudo o resto, ou seja, o “menos Estado e, por outro lado, mais Estado”. O PSD a única e verdadeira mudança que propõe é a suposta credibilidade de um líder, que deu já provas da falta dela quando “governou” a Câmara do Porto e que, por mais simpatia que procure transmitir, não consegue disfarçar a sua impreparação para o cargo a que se propõe e uma ausência de pensamento estratégico para liderar a Direita.  As franjas que ainda restam, nomeadamente o CDS, apresentam sinais evidentes de decadência e aproximação perigosa à extrema-direita racista e xenófoba, que irá ter uma representação parlamentar previsivelmente maior. 

 

No PS

Costa mostra hoje um evidente “cansaço”, recorrendo à nefasta tese cavaquista da “estabilidade”, numa manifestação clara de incapacidade de compreender e enquadrar o papel histórico do Partido Socialista, numa perspectiva progressista. A referida tese é hoje uma obsessão (mais uma), idêntica, por exemplo, à das “contas certas”. A hostilização de Costa para com a Esquerda é consequência da sua incapacidade em ir mais longe do que as reversões conseguidas no primeiro mandato. Costa que só conseguiu chegar ao poder porque a Esquerda lhe deu a mão, encontra hoje na Esquerda o principal “inimigo”, numa campanha em que demonstrou a sua verdadeira face: apesar de um discurso aparentemente “social” e “de esquerda”, Costa defende e pratica as políticas neoliberais da Direita, protege os interesses rentistas e favorece de forma aberta uma casta de burocratas, incapaz de pensar e completamente dependente da oligarquia financeira. O Costa actual prejudica a Esquerda e o seu partido, com uma atitude arrogante e desligada da realidade. Na prática, a política do PS, sob a chefia de Costa, esgotou o seu próprio campo e prepara uma aproximação ao PSD, na incapacidade de perceber, quer o que está em jogo para o desenvolvimento do País, quer inclusivamente a sobrevivência do seu próprio partido.

 

À Esquerda

Naturalmente “prejudicada” pelo seu aparente apoio ao PS, pelo menos em termos de aprovação de orçamentos de Estado, depois de ter permitido que aquele ascendesse ao Poder, a Esquerda, representada por BE, PEV e PCP, perde terreno, perde votantes e poderá inclusivamente perder mandatos importantes, em zonas estratégicas da sua influência. Mesmo acrescendo o LIVRE e a sua possível recuperação relativamente às últimas eleições. Pode perguntar-se hoje, afinal o que ganhou a Esquerda, sem sequer estar no Poder? A tentativa de “forçar” algumas políticas dos seus programas, terá significado uma mudança decisiva num País que continua invariavelmente refém das políticas neoliberais? Provavelmente a Esquerda portuguesa irá reflectir sobre o porquê de uma “adaptação” à situação e também da sua, pelo menos aparente, reduzida perda de influência e tentar encontrar uma estratégia diferente, no sentido de uma confluência de atitude e de propostas, para uma abordagem conjunta, que permita o necessário crescimento e a criação de condições subjectivas favoráveis ao exercício do Poder. Parece evidente que a propalada “maioria de esquerda”, socialmente aceite no nosso País, terá que ser abordada de outra forma. Que poderá ser a de uma intervenção, directa ou indirecta, junto dos cidadãos e em conjugação com a maior parte das organizações sociais que os representam ou em que aqueles se sintam representados. A Esquerda deverá possivelmente, para mudar o discurso dominante, mudar o seu próprio discurso, utilizando uma outra linguagem, que a aproxime, quer dos cidadãos descontentes, quer também da própria filosofia do Poder. 

 

Voto e intenção de voto, o que está em jogo nesta eleição? 

Formalmente, as eleições legislativas destinam-se a eleger os deputados da República, compondo uma Assembleia, com a diversidade dos partidos concorrentes e com a pluralidade do País, representado em termos geográficos, em círculos eleitorais. Todavia, existe ainda uma perversão, relativamente ao peso eleitoral necessário para eleger um deputado, em determinados círculos, facilitando sempre nestes casos, as formações partidárias com maior dimensão.

Um outro aspecto, menos formal e mais simbólico tem a ver com a percepção de voto, determinado em grande parte por um movimento constante de pressão sobre os cidadãos e que resulta da profusão cada vez maior, quer da instituição sondagem, quer ainda da multiplicidade de comentários e meios de influenciação protagonizados por uma comunicação social onde o espectáculo tem primazia absoluta sobre o conteúdo.

O voto fica desta forma refém, de certa forma, ao artificialismo da situação presente, onde a notícia de hoje já não lembra amanhã e é frequentemente substituída pelo comentário. Os debates organizados, sobretudo pelas TVs, foram o exemplo acabado da impossibilidade de analisar e discutir propostas e da promoção de temas resultantes das opções das redacções. Que objectivamente favoreceram as teses populistas e as reacções desencontradas dos que pretendem atrair eleitores de forma imediatista.

 

O meu voto hoje...

E sempre é à Esquerda. 

Votei hoje, em plena consciência da situação presente para dar mais força à Esquerda a que pertenço. E que essa força seja capaz de operar as transformações que se impõem.


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