10 fevereiro 2022

COMO FAZER MELHOR (após o 30 de Janeiro)?

3 Fevereiro 2022

Alfredo Soares-Ferreira (*)

 

A 13 de Janeiro apresentamos aqui um “Brevíssimo Manual De Pedagogia Eleitoral”, onde procuramos fazer uma abordagem, simples e prática, do Acto Eleitoral. Hoje ensaiamos, tentando ver mais além da interpretação factual dos resultados, uma pequena “viagem” pelo universo, sempre complexo, da política. Qualquer simplificação que possa eventualmente ser encontrada no que pode ser considerado um “Guia” e possa ter algum significado para quem nos lê, será motivo de reconhecimento para quem escreve, uma vez que apostamos também na viagem.  

 

 

Escolha do destino

Pensamos que Portugal é um bom destino. Sem prejuízo de qualquer outro. É esse aliás o pensamento de larga maioria de pessoas que visitam o País, embora por vezes de uma forma invasiva, vão destruindo a paisagem, por falta de planeamento adequado, e invadindo as nossas cidades, a quem a especulação imobiliária oferece aquilo que tem e mesmo o que não tem. Sendo esse, no entanto, assunto para outra conversa, convém dizer que, cada português que aposta no conhecimento do seu País é, sem sombra de dúvida, um trunfo de peso para a comunidade.

 

Roteiro

Impõe-se uma escolha criteriosa. Porque afinal nunca se pode ver tudo de uma vez. Todavia, quando se viaja, procura-se sempre ver o máximo possível, já que investimos muito na passagem. Mas atenção, os roteiros que nos apresentam e que nos entram casa dentro, todos os dias, nos programas da manhã das TV, não serão decerto a melhor escolha, uma vez que afunilam as preferências, mostram quase sempre o mesmo roteiro da intriga e da maledicência e, também quase sempre, os guias são de baixa qualidade e perfil. Há então que ser mais exigente, ou seja, procurar que nos deem a conhecer todas as hipóteses, que nos permitam uma escolha decente.,

 

Documentação necessária

Será suficiente o Cartão de Cidadão. É hoje o nosso passaporte para muitos destinos, devemos cuidar da sua manutenção. Se ele tem hoje esta designação não será por acaso. Significa então que é, ou deveria ser, um cartão de Cidadania. Deveríamos ter orgulho em ser cidadãos, em todos os momentos da vida e não só quando o temos que o exibir, na altura do voto, que afinal não é assim tão frequente. Um amigo contou um dia que levou a filha à Loja de Cidadão, para obter o CC, assumindo esse acto com toda a dignidade possível, procurando transmitir-lhe a ideia de uma certa solenidade, uma vez que era a primeira vez que ia ser “promovida” à categoria suprema de cidadã.

Ser cidadão deveria então ter um significado particular, em termos de qualidade. Entende-se assim que tal implique exigência em relação à Democracia, numa elevada participação na vida do País e das suas decisões. 

 

Deslocação e passagens 

O Poeta diz que “A ponte é uma passagem p´rá outra margem”. É usual reconhecer-se que é importante a construção de pontes, em matéria política. Na política poderemos associar a “outra margem” a cada um de nós. E a ponte, a estrada que deve existir entre o cidadão e os seus representantes, no caso das democracias, os deputados.

Provavelmente acontecerá que uma parte muito significativa de quem quer “viajar” não vai ter dinheiro para “comprar a passagem”. Esses irão certamente ficar reféns de quem lhes conte como foi, os relatos, as impressões, algumas fotos. Não será seguramente a mesma coisa, que isto de viajar é mesmo um privilégio. E a vida do cidadão comum, que está muito longe da vida de quem usufruiu dos privilégios e ainda por cima o explora, vai-se “deslocando” para um estado de incapacidade crescente para adquirir a tal “passagem” para um estatuto melhor.

 

Estadia

Quem está na política, com o objectivo de prestar um serviço público, e não para sistematicamente dar espectáculos de vozearia e propaganda, tem programas e medidas para o País e interpreta à sua maneira os problemas dos cidadãos, bem como as possíveis soluções, consoante está à Esquerda ou à Direita do espectro político. Por isso é que o chamado “interesse nacional” não existe, se não for referenciado a quem o interpreta. 

Se bem repararmos, os cidadãos não são convidados a discutir política. Se porventura o fossem iriam descobrir muita coisa. Se, por exemplo, os cidadãos percebessem que a integração europeia lhes retirou os direitos de base e que, neste contexto, quando são avançadas algumas propostas para melhorar a sua situação, acabam por esbarrar na parede de aço que é a EU. Se, outro exemplo, os cidadãos conseguissem entender que é a própria estrutura monetária (a moeda única, o euro) a principal responsável pela estagnação do País, decerto gostariam, no mínimo, de analisar e poder discutir alternativas. Se finalmente, os cidadãos pensassem que, quando lhes falam na necessidade de “reformas estruturais”, isso significa, no limite, a perda de direitos no trabalho e um impedimento a qualquer política de pleno emprego, decerto que não aceitariam. 

Quando descobrirem que há impedimentos permanentes e razões estruturais que justificam que tudo fique na mesma, mesmo quando muda alguma coisa, os cidadãos irão decerto reagir, independentemente do tempo que seja necessário para tal. Aqui talvez possa ser útil o argumento de Antígona, que diz respeito ao cruzamento de dois imperativos, que reportam a dois tipos de necessidade, o de obedecer à lei e o de respeitar os costumes. Diga-se que, na obra de Sófocles, Antígona optou claramente por desobedecer ao rei.

Na verdade, o cidadão comum preocupa-se com o imediato. É a sua habitação, que no inverno não consegue aquecer porque o preço das energias está pela hora da morte. É o seu emprego, que é precário e onde é sistematicamente mal pago, isto quando o tem. É a sua reforma que vai, de ano a ano, sem ser aumentada, perdendo valor, num período da vida onde tem que fazer mais despesa, em medicamentos, em lares, na sua alimentação.

Assim, a “estadia” do cidadão na política, acaba por ser pouco agradável. É em parte devido a isso que o cidadão vai ficando zangado e permeável a propostas populistas ou completamente impossíveis de realizar, como as que lhes são “oferecidas”, nomeadamente, pelos partidos que entraram, agora em toda a força, na Assembleia da República.

 

Seguro de viagem

A política não é um jogo, antes a viagem ao mundo fantástico das ideias e utopias. Para qualquer viagem é necessário um seguro. No caso da política, ele pode passar pela garantia, quer do cumprimento do mandato, quer do programa e medidas que contém. 

Para que tal seja viável, torne-se necessário que cada cidadão assuma a decisão de se “ocupar” da política, afinal uma cláusula única do seguro. Até porque, se o cidadão o não fizer, acabou de tomar uma decisão política decisiva, ou seja, acomodou-se ao poder dominante.

Poderíamos adicionar algumas outras cláusulas. Optamos por esta, que será porventura determinante, a da soberania. De facto, a Constituição da República Portuguesa consagra, no Artigo 1.º, que “Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.” e, no Artigo 2.º, que “A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.” e, no Artigo 3.º”, que, “A soberania, una e indivisível, reside no povo, que a exerce segundo as formas previstas na Constituição...”

E, bem a propósito, uma vez que todos os dias vemos gente a passar fome, podemos escolher um tipo de soberania muito importante para os cidadãos, a soberania alimentar. Que significa basicamente, o direito a decidir das políticas agrícolas e alimentaresou seja, decidir o que cultivar, o que e como comercializar, o que destinar ao mercado interno e ao mercado externo, e controlar os recursos naturais básicos.

A soberania alimentar privilegia o direito efectivo a uma alimentação saudável e respeitadora do ambiente para todas as pessoas, colocando em primeiro lugar quem cultiva os produtos com os quais a comida é confeccionada. Como é evidente, para que tal seja possível, é necessário manter o controlo sobre os recursos naturais, em particular a terra, a água e as sementes, que são bens públicos e não devem, por isso, ser privatizados.

 

Então,

Uma possível resposta à questão “Como Fazer Melhor?”: é mesmo importante (e urgente) visitar e conhecer o País, para melhor o compreender. 

E, em função disso, actuar em conformidade.

 

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(*) Engenheiro e Professor aposentado. Consultor e Perito-Avaliador de Projectos nacionais e internacionais para o Desenvolvimento e Cooperação


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