01 maio 2022

 DE ABRIL E MAIO: MAIS DEMOCRACIA

28 Abril 2022


 

Eram meus os caminhos 

os caminhos murados

só os caminhos eram meus...”

José de Almada Negreiros, “As Quatro Manhãs”, (1935) 

 

A evocação da Liberdade emparelha com a dos direitos dos trabalhadores. Sempre. A proximidade do 25 de Abril e do 1 de Maio, fez deste dia, no ano de 1974, a maior manifestação popular no nosso País, um dia em que “...o povo saiu à rua com a alegria que (não) costumava ter”, evocando uma das canções do festival RTP do mês anterior, “No dia em que o rei fez anos”, de José Cid, O “não” acrescentado é óbvio, após 48 anos de uma ditadura feroz, que perseguiu, torturou e assassinou quem pensava diferente. À alegria pela libertação, juntou-se a satisfação de poder comemorar, pela primeira vez, o Dia do Trabalhador em liberdade. Entre 25 de Abril e 1 de Maio, vai uma curta distância e talvez por isso seja uma semana em que se volta a falar de assuntos que vivem sistematicamente enterrados no baú das conveniências, sempre com os mesmos argumentos de sempre, que, para a grande maioria dos cidadãos, são estranhos, apenas porque são eles que sofrem sempre com os “ajustamentos” que o “sistema” lhes impõe.

 

Entre Abril e Maio

Hoje, 48 anos depois, não resistimos a olhar para trás e, sem qualquer saudosismo, dizemos que há ainda muito trabalho para fazer, no sentido de um País melhor. Porque é nele que vivemos e, mesmo quando dele saímos, não o esquecemos. Também porque é imperioso reconhecer que devemos ser nós, os intérpretes da mudança que começou em 25 de Abril de 1974. Temos essa responsabilidade, quer como cidadãos, quer na qualidade particular de militantes, partidários ou em outras entidades de cariz político e social. Haverá para muitos, possivelmente, o impulso de “voltar ao activo”, após alguns anos de estagnação cívica. Valerá decerto a pena, levando em linha de conta os anos perdidos, proporcionados por conhecidos agentes que ensaiaram, no seu tempo, uma narrativa de passividade, ancorada na sua visão estreita do “deixem-nos trabalhar” e do horror ao que chamavam de “forças de bloqueio”. E curiosamente (ou talvez não) foram eles os principais responsáveis pela destruição do aparelho produtivo do País, a pretexto de um modelo de desenvolvimento perverso. Um possível exercício de Liberdade, leva-nos à exigência de Mais Democracia, ancorada em três pilares muito simples, mas significativos, no mais elementar exercício de cidadania: Resistir, Participar e Propor. A Democracia não poder ser vista com uma excepção, subjugada sempre pelos ditames do poder financeiro, mas sim pela participação livre e consciente dos cidadãos.

 

Resistir

Os 48 anos que nos separam de 1974, representam quase cinco décadas de transformações a todos níveis da sociedade, num advento de aquisições de conhecimento que determinaram alterações profundas da nossa vida, social, económica e política. As novas tecnologias da informação e das comunicações são responsáveis certamente por uma melhor qualidade de vida, facilitando aproximações e contactos, impensáveis nos anos setenta do século passado, sem esquecer, claro, aqueles que não possuem qualquer acesso às mesmas. De qualquer forma, nos dias de hoje (dados de 2021), calcula-se que estejam ligados à internet, cerca de 4,7 mil milhões de seres humanos, cerca de 60% da população mundial. A influência das designadas redes sociais, na vida em sociedade, é de tal forma avassaladora, que leva a equacionar, em situações específicas, se estamos perante um avanço ou um retrocesso civilizacional. 

Daí, falar-se em resistência. No mínimo, à preservação da privacidade, no limite, à segurança dos jovens e das famílias, no seu direito a viver uma vida, longe das parangonas e das montanhas de lixo acumulado, por quem se dedica à intrusão, tenha ela o formato que tiver.

Mas resistir também a todas as formas de manipulação de consciência e à instalação de um pensamento único, uma das vertentes mais perversas da acção política, contrárias à Liberdade e à Democracia. Resistir à ortodoxia é hoje, acima de tudo, um exercício que se impõe.

Mas a resistência tem que ir mais longe. Necessariamente, há uma urgência em resistir aos atropelos constantes contra o Estado Social. Na verdade, grande parte do desencanto que uma larga maioria de cidadãos perante a democracia, radica na “...progressiva erosão do Estado Social através de políticas que negaram a substância dos direitos consagrados na Constituição da República Portuguesa”, conforme se pode ler num Manifesto Em Defesa Do Estado Social, divulgado em 25 de Abril de 2019, pelo colectivo Porto Com Norte – Fórum De Cidadania. 

E tem sobretudo de apelar a uma ampla frente, em que cabem todos os que reivindicam a herança do 25 de Abril, com o objectivo de defender os direitos e conquistas de Abril e aprofundar a participação colectiva e pela exigência de mais democracia, de mais participação na política e de uma outra exigência (esta imediata) e que passa pela definição exaustiva de medidas tendentes a proteger o cidadão, na habitação, no emprego, na educação, na saúde e na justiça. Não é admissível, por exemplo, que os direitos sociais sejam colocados na condição de produtos de mercado, uma afirmação do investigador Manuel Carvalho da Silva, que acusa o sistema neoliberal de promover essa ideia e de a tentar consolidar, na sua acção.

 

Participar

A simplificação do discurso dominante é um dos princípios básicos da dominação, com falas e imagens certeiras, todas baseadas em conceitos muito pouco elaborados, que apelam sempre ao sentimento e quase nunca a factos e onde a evidência é a enfatização no primarismo e na ideia de um mundo estreito e a preto e branco. Ao contrário do pensamento estruturado, que exige análise e reflexão, únicas capazes de produzir conclusões.  

Um exemplo muito oportuno pode ser o da falácia da intervenção directa, nas designadas redes sociais. Pode ser de facto aliciante, pode até, em determinadas circunstâncias, ser eficaz. Contudo a participação cívica é bem mais profunda e exigente, quer em termos de conteúdo, quer no que reporta à forma como ocorre, na acepção da empatia pessoal e grupal que determina e no, mais que provável, movimento que ocasiona.

É necessário reactivar a democracia participativa, com especial ênfase na importância e papel central das associações de cidadãos. Mas também a nível dos partidos políticos, para que sejam a expressão do pensamento dos cidadãos, de uma forma organizada e militante. É ainda urgente que os cidadãos, ao tomarem consciência das questões do território, particularmente do seu, participem nas decisões. Todas as questões relacionadas com a participação cidadã exigem condições muito próprias e muito precisas, que levem o cidadão a concluir que vale a pena participar e que a sua voz será ouvida e tida em conta como importante.

 

Propor 

O que se propõe deve passar pela análise sistemática das condições objectivas. Todas as proposições serão válidas, desde que ancoradas em dados concretos, em factos, e estudadas de forma a poderem ser analisadas em fóruns de decisão. Há uma questão fundamental em que se deve basear qualquer proposta de acção. O que nos agrada na política deve ser visto sob o ângulo da nossa perspectiva e não sobre aquele que nos é determinado. Através da proposta, o cidadão pode sentir a sua “causa”, ou o seu problema concreto, no envolvimento que realiza com a comunidade. Quanta vezes pensamos por que razão não podemos expressar a nossa posição, para além do voto que deixamos na urna, em actos eleitorais? 

 

 

Voltar aos clássicos? 

Possivelmente, o retorno aos Mestres, permitiria pelo menos pensar que há situações que ultrapassam os séculos, independentemente das transformações tecnológicas, ou outras que muitas vezes tentam desvirtuar o pensamento criativo e propor as ditas soluções que a modernidade já terá adquirido como válidas. Na sua imensa sabedoria, Thomas Mann fala num personagem da “Montanha Mágica”, dizendo que “... a sua actividade sediciosa fora o fruto e a emanação desse sentimento respeitável..., essa mistura de rebeldia e patriotismo..., que sob as circunstâncias especiais daquela época e daquele país, a rebelião podia ter sido o verdadeiro dever cívico, e que uma lealdade inconsiderada podia ser equivalente a uma indiferença perigosa, quanto à causa pública.” Era (a personagem) um patriota italiano, dos anos 20 do século passado.

Entre Abril e Maio, vale a pena pensar, sobretudo quando vemos e ouvimos declarações de apego a valores que não se sabe bem de onde emanam, mas que se julgam de uma superioridade irritante.


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