19 junho 2022

PASSEIO AO CAMPO (minado)


 









Num belo dia de sol, os líderes meteram pés a cominho, para uma viagem-surpresa ao campo (minado). Com eles levavam a certeza do “apoio”. Que tem (ou terá) a dupla face, uma é o dinheiro, sempre mais dinheiro, a outra são as armas, que o aliado americano tem forçosamente que escoar, que vender. Chegaram bem, visitaram as cenas do costume, aliás devem visitar todos o mesmo, ou seja, vêm aquilo que querem ver, interessa pouco o quê, eles também mostram aquilo que querem. Todos felizes, multiplicaram-se depois na costumeira lengalenga da “defesa da liberdade” na europa, do “campo democrático” (lá está o campo...), dos crimes que estão a ser cometidos e que o são pelos “maus”. E terminam com as juras habituais da integração na dita união, ou, no mínimo, na promessa do “candidato à adesão”.


É difícil descrever este estado de coisas, sem a inabalável “certeza” de defender os “bons”, em oposição aos “maus”. Este é sobretudo a demonstração do primarismo mais rasteiro, da prova de que se acredita numa narrativa. Que, entretanto, começa a esboroar-se. 

Mesmo aqueles que no início do ano, ou seja, em Fevereiro passado, iniciaram, aproveitando a invasão, a cruzada pela instalação do pensamento “único”, começam a dar sinais de mudança, tal e qual ratos de porão, quando o navio começa a afundar.

Dizer que a situação é simples, quer do ponto de vista analítico, quer até do intuitivo, pode ser redutor. Contudo, se colocarmos as questões de uma forma objectiva e clara, poderemos de alguma forma encontrar respostas, sobretudo para quem gosta de ver as coisas de uma perspectiva simplista. Duas questões. (1) invasor tem motivos para temer um assalto ao seu território, pelo cerco que lhe foi (e é) feito? (2) esses eventuais motivos justificam uma invasão? As respostas são mais que óbvias. À primeira, sim, sem qualquer dúvida. À segunda, um não rotundo.


Mas o passeio dos líderes, parece ter um outro objectivo. Conhecendo as ordens a que caninamente obedecem, sem qualquer sentido crítico, do ouro lado do “campo”, parecem assim ser (também) duas as premissas a considerar: (1) o comandante do dito “campo” poderá ter mudado de posição, (2) a NATO quer “muitos anos de guerra”, cumprindo escrupulosamente a sua natureza bélica e sua função guerreira. 

Há, porém, brechas nas fileiras “aliadas”, que nunca o foram e agora querem ser. A sua “aliança” acaba por funcionar ...contra eles próprios: as ditas sanções, que continuam a defender e a aplicar, têm sobretudo efeitos nos cidadãos mais carenciados e não sobre o país invasor. A bem dizer, a posição “europeia” é sempre de dar tiros no pé e proteger sempre os mesmos, ou não fosse ela mesma a incarnação do neoliberalismo mais venenoso. E, a bem dizer também, uma posição mentirosa e hipócrita, no que reporta à sua política para os refugiados.


O passeio dos líderes, é necessariamente uma demonstração da política de vassalagem ao império do outro lado, não fossem eles afinal feitos da mesma “massa” que os outros, que declararam guerra ao Iraque, na obediência cega ao militarismo americano.

Cabe aqui, uma vez mais, a referência aos que, toldados pela propaganda e pela histeria mais grosseira que alguma vez se viu, continuam a confundir tudo, querendo (e fazendo mesmo) a acusação que resulta de um pensamento primário que assim reza: “se não apoias a Ucrânia, então és apoiante da Rússia, ou pior ainda apoiante de Putin”. Embora seja difícil sustentar esta ideia, afinal o caldo propagandístico ocidental, arrogante e, ao mesmo tempo, ingénuo, o que é certo é que passa como legítimo. E produz o efeito pretendido: o “mal” incarnado é todo o mal do mundo, o resto não interessa, dure o tempo que durar.


Entretanto, vão-se conhecendo alguns pormenores “interessantes”:

(1) em Itália, sabe-se que a embaixada da Rússia pagou a viagem do líder da extrema-direita e da sua comitiva a Moscovo, muito embora a viagem não se tenha realizado;

(2) a secretária de estado americana Victoria Nuland ter-se-á gabado de ter investido (quantas centenas de milhões?) nos partidos neonazis da Ucrânia; esta é uma demonstração evidente da forma como “eles” entendem a democracia;

(3) em Março de 2021, a administração americana incentivou o seu “peão” Zelensky, a lançar a ofensiva militar contra o Donbass, consubstanciado num ataque relâmpago organizado por conselheiros norte-americanos e britânicos.

O passeio ao campo foi (mais uma) encenação grotesca da manifesta incapacidade da dita “união” em produzir e aplicar, ao menos, políticas coerentes. Há nestes líderes um misto de impotência e hipocrisia, que enganam os povos e que sustentam uma democracia musculada e incapacitante. Todos nos lembramos, por exemplo, do episódio grotesco e anti-democrático que conduziu à “invasão” da Grécia, um país membro, pelo directório da troika e que destruiu um governo legitimamente eleito, lançando na miséria milhões de cidadãos e impondo a sua “lei” e a sua “ordem”. 


Se bem que se impõe o combate contra todos os imperialismos e suas as acções directas sobre os trabalhadores, o imperialismo que nos atinge directamente é mesmo o imperialismo americano. E os saudosos ingénuos que hoje ainda dizem, “...ai, se não fossem os americanos”, parecem esquecer-se do inferno devastador que foram as acções das administrações americanas em todo o mundo, no Vietnam, Coreia, Chile, Iraque, Jugoslávia, Palestina, entre tantos outros. Sempre com a tenebrosa NATO, que deveria ter sido dissolvida, aquando da dissolução do Pacto de Varsóvia. Sempre para alimentar o comércio das armas, que alimentam os seus oligarcas. Aliás, enquanto tal prevalecer, é a lógica da guerra e não da paz, que dominará sempre a cena internacional. Em qualquer ponto do planeta.


A dita união europeia é uma mentira pouco piedosa. Não há união alguma a não ser uma dominação forçada e anti-democrática de um directório não-eleito sobre os países periféricos, através de um sistema de moeda única que continua a produzir, todos os dias, ricos e desigualdades permanentes. É uma união sem futuro nenhum, a não ser a de uma imposição de um modelo desigual e de pensamento único. Tenderá a desfazer-se, mais cedo ou mais tarde, uma vez que está agarrada permanentemente aos interesses dos ricos e poderosos e não defende os mais elementares direitos dos cidadãos. Como é possível aceitar, por exemplo, que desde o início do mês de Março, o referencial das margens de refinação das petrolíferas no mercado europeu aumentou tenha aumentado mais de 200%?

Os líderes foram passear ao campo. Quando assim acontece, convém acautelar o perigo de sujar as botas na trampa. É que ela abunda no campo onde decidiram passear...


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