19 junho 2022



 TRIBUTO A JOSÉ RAMOS-HORTA

Dedico esta crónica ao José Ramos-Horta (JRH), excelentíssimo Presidente da República de Timor-Leste, na celebração dos 20 anos de independência do País. A 20 de Maio de 2002, Timor-Leste tornava-se uma nação independente, depois de duas décadas de ocupação indonésia, que se sucederam à colonização portuguesa. Foi com este Homem que privei, no ano 2007, aquando da minha estada em Dili, ao serviço da ENGENHO & OBRA, uma ONGD internacional de que fui Presidente entre os anos 2007 e 2019. Este Homem com quem percorri as entranhas da cidade de Dili, à procura de um local para concretizar um projecto. Com ele aprendi muito do que sei hoje acerca da vida e das populações mais fragilizadas de um continente do outo lado do mundo.

 

O Senhor Primeiro-Ministro no ano 2007

Graças a Amigos portugueses que devidamente me apresentaram, aterrei em Dili, em meados de Fevereiro de 2007, com uma missão: aplicar a verba resultante de uma doação dos professores portugueses, para uma campanha promovida e realizada pela Federação Nacional dos Professores Portugueses (FENPROF), denominada “Uma Escola Para Timor-Leste”, no ano de 2006. Foi graças à Ana Gomes, à Maria Manuel Neves e ao Pedro Bacelar de Vasconcelos que conheci a saudosa Lígia de Jesus, do Gabinete do Primeiro-Ministro, que, por sua vez me apresentou o JRH. Que nunca quis que eu o tratasse por primeiro-ministro, lembro-me a quantidade de vezes que me disse “Não me trates por PM, eu tenho nome...”. Foi com ele que falei longamente, durante as visitas que fizemos, sobre todos os assuntos e matérias, ficando com a sensação, que fiz nesse longo tempo, um Amigo novo. Somos da mesma geração, sendo ele exactamente um ano mais novo, partilhamos muita história, algumas preocupações e muitas cumplicidades. Acabaria por saber, uma curiosidade interessante, que a esperança de vida média em Timor-Leste, era, em 2007, pouco além dos 55 anos e ele dizia, “...sabes, eu tenho 58 anos, já ultrapassei a média”. Hoje, esse valor, está em valores muito acima dos 72 anos, para as mulheres e 68 anos para os homens.


O Projecto

Começo por lembrar os meus Amigos da FENPROF, o Paulo Sucena, o Abel Macedo e o Mário Nogueira. a quem se deve, quer a iniciativa da campanha, quer as diligências que fizeram. Para a pretendida Escola, não seria, contudo, suficiente a verba arrecadada e, por isso, o projecto avançou para a tentativa de construção de um Centro Comunitário, para apoio das populações fragilizadas. A vontade do JRH era construir em Bidau-Massau e, para tal, aqui deixo um relato do dia 3 de Março de 2007: “O destino é o Suco (divisão administrativa que abrange várias aldeias) de Bidau-Massau, onde existe uma Associação de desenvolvimento local, em colaboração com a diocese de Dili. Deslocamo-nos numa Microlete, o PM, a Chefe de Gabinete, dois assessores e mais 2 jornalistas. Atrás de nós um jipe com 2 seguranças, passando perfeitamente despercebidos na paisagem. Pelo caminho, muitas saudações da população, algumas paragens para cumprimentar as pessoas, muitos miúdos das escolas com os seus uniformes coloridos que se acercam da carrinha, sempre que dão conta que dentro viaja o próprio PM. Uma breve passagem pela residência oficial do Presidente Xanana Gusmão, com quem o PM tinha ficado de se encontrar. Andamos uns 20 minutos em marcha lenta pelas ruas da capital, afastando-nos do centro da cidade, por zonas habitacionais, sempre com as montanhas por fundo, uma imponente paisagem com tons de verde carregado e uma ligeira ameaça de chuva, que nunca se cumpriria, à excepção de umas pequenas gotas que amenizam o forte calor dos últimos dias. Entramos na aldeia de Bidau-Santana, umas 500 famílias, num total de cerca de 1200 pessoas; a aldeia tem uma Escola Primária com 8 salas para 40 alunos e 10 professores. A Associação trabalha para a população da aldeia, com o objectivo de formar mulheres e jovens nas artes da costura, defende o património ambiental e projecta a formação desportiva dos mais jovens. Germano Brites apresenta-nos o seu Projecto que envolve a edificação de um pequeno Centro Comunitário e também de um campo desportivo multiusos. Fazem uma festa da nossa visita sobretudo quando Ramos-Horta lhes comunica que eu trago apoio concreto para o seu Projecto, materializado numa doação dos professores portugueses.”

Na verdade e apesar de todos os esforços feitos nesse sentido, não foi possível concretizar o sonho do JRH. A Associação do Germano não estava legalmente constituída e, como tal, não foi possível sequer enviar as verbas necessárias. Somente no início do ano 2010 foi possível concretizar o Projecto, com a reconstrução e valorização de uma pequena estrutura, pertencente à Associação Estrela da Esperança, graças aos bons serviços do Luís Carvalho, um jovem engenheiro português, que viria a optar por Timor-Leste no seu projecto de vida pessoal e que foi o autor da reabilitação do edifício. Foi no bairro do Alto Balide e não em Bidau-Massau, com muita mágoa do JRH, que o Projecto se viria a concretizar. Para trás ficaria um percurso em que se ele muito se empenhou. 

 

Timor-Leste, 20 anos de independência

Só no ano de 1991, aquando das imagens do massacre de Santa Cruz, em 1991, foi quebrado o isolamento internacional.  A partir daí, Portugal e o mundo mobilizam-se até à realização do referendo que criou o primeiro país do novo milénio.

Um sentimento antigo que nos liga a Timor-Leste reforça a ideia das dificuldades que o País enfrenta, desde a independência. E também alguns anseios, legítimos de quem quer o melhor para as suas gentes. Recordo o então Presidente Xanana Gusmão que dava conta de um sonho que dizia perseguir há anos: reactivar Soibada, por onde terão passado sucessivas gerações de timorenses que constituem até aos dias de hoje a elite cultural do território; o Colégio da Soibada, dirigido até 1910 pelos Jesuítas, destinava-se à formação de professores-catequistas, incumbidos ao mesmo tempo da alfabetização e da instrução religiosa das populações rurais. A ideia, o sonho enfim, seria implementar aí um Centro de Estudos avançados para professores, formadores, académicos, com o propósito de consolidar uma “formação estruturante”, capaz de preservar a defesa da língua portuguesa e as tradições e costumes timorenses e de promover a cultura e o saber, uma proposta de intervenção global para o relançamento da Coimbra de Timor-Leste, como é conhecida Soibada.

Com 20 anos de nação independente, depois de duas décadas de ocupação indonésia, que se sucederam à colonização portuguesa, Ana Gomes, que foi embaixadora em Jacarta, capital da Indonésia, entre 1999 e 2003, assinala, em entrevista ao Jornal Económico de 20 de Maio, os progressos conseguidos pelo país após a conquista da liberdade: "A primeira vez que eu fui a Timor-Leste, em 1999, via-se nos olhos de todas as pessoas que era um povo que vivia transido de medo, não obstante, a extraordinária coragem que tiveram na luta da resistência e que foi o que fez a diferença toda, depois, através do processo de referendo, conduzido pela ONU, para conseguirem a liberdade e a independência". E diz ainda, que hoje, o País está electrificado, algo que "nunca aconteceu na história". E ainda que havia apenas um médico timorense, à altura da independência, enquanto, nos dias de hoje, existem mais de mil.

 

O Homem, cidadão do Mundo

Prémio Nobel da Paz, no ano de 1996, JRH nasceu em Dili, filho de mãe timorense e pai português, foi educado numa missão católica em Soibada. Foi mandatado pela FRETILIN, em 1975, como representante de Timor-Leste no exterior. Em Dezembro desse ano, fez uma intervenção no Conselho de Segurança da ONU, apelando a uma tomada de posição face ao ataque da Indonésia, que, entre 1976 e 1981, resultaria na morte de 200.000 timorenses. JRH foi o Representante Especial do Conselho Nacional de Resistência Maubere (CNRM), uma organização que incluía activistas e movimentos e partidos pró-independentistas, dentro e fora de Timor-Leste. Entre 1991 e 1998, foi Vice-Presidente do CNRT (Conselho Nacional de Resistência Timorense). Em 1992, apresentou formalmente ao Parlamento Europeu um Plano de Paz para a resolução do conflito, por fases, que incluía, entre outros, a retirada das tropas indonésias, a libertação dos presos políticos, o respeito pelos direitos humanos e o estabelecimento de missões da ONU em Timor-Leste e um referendo com a finalidade de os timorenses expressarem livremente a sua posição.

Jurista de formação, JRH frequentou cursos sobre relações EUA-URSS na New School for Social Research, EUA, (1976) e estudou Direito Internacional na Academia de Direito Internacional de Haia, Holanda (1983) e na Universidade americana de Antioch, onde fez o mestrado em Estudos de Paz (1984). Especializou-se em Direitos Humanos pelo Instituto Internacional de Direitos Humanos em Estrasburgo (1983). Frequentou o curso de Pós-Graduação em Política Externa Norte-americana, da Universidade de Columbia. Foi membro sénior associado do St. Anthony's College, Oxford, investigador em Relações Internacionais (1987).  No ano de 1996, recebeu o grau honoris causa de Doctor in Laws, da Pontifica Universidade Católica de Campinas. E outros idênticos grau, em 1997, da Universidade de Antioch, Yellow Springs, Ohio, em 1998, da Universidade de Nova Galha do Sul, Sydney, em 1999, da Universidade de Florianópolis, em 2000, da Universidade de New Jersey (2000), em 2001, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto e finalmente, em 2018, da Universidade Gyungwoon de Busan.

JRH mantém, desde sempre, fortes relações com defensores dos direitos humanos espalhados pelo mundo. Hoje, Presidente da República, saberá decerto honrar todos os compromissos com os povos e as civilizações que lutam pela Paz e por um mundo melhor.

 

 


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