20 novembro 2022

 “EU SOU UMA AUTORIDADE”

Este frase, retirada de um certo e muito recente contexto, poderia ser entendida como uma manifestação de autoritarismo, quiçá de arrogância. No entanto, enquadrada nos acontecimentos da semana passada, numa escola de Lisboa, ganha um sentido assertivo de quem dirige um estabelecimento de ensino, a quem se pergunta se chamará as autoridades para intervir contra os estudantes. Passados uns dias, uma escola do ensino superior público, em contramão com o citado exemplo, vai precisamente recorrer às ditas autoridades, para conter os “desacatos” dos jovens. 

O exemplo da António Arroio é assaz significativo. O seu Director afirma claramente, referindo-se aos protestos que, na Escola, é ele a autoridade e que nada fará contra os estudantes. Acrescentou ainda que a Escola nunca estará contra os alunos que querem um mundo melhor.

O exemplo da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, que chamou a polícia para acabar com os protestos pelo clima, faz lembrar os tempos de antigamente. A acção dos responsáveis escolares foi, a todos os títulos, lamentável e condenável. 

Outras “ocupações” se seguirão, na sequência das iniciativas do movimento internacional “End Fossil Occupy!”. Os jovens estudantes activistas manifestam a vontade de contribuir para “...uma transição energética que seja justa e não uma exploração como a que tem vindo a acontecer, que é uma aposta simultânea em energias renováveis, enquanto se continua a exercer o negócio da energia fóssil.” E contrapõem que é precisamente isso que está a ser feito em Portugal, uma vez que o Governo aposta na indústria fóssil, tendo até na pasta da Economia e do Mar um ex-quadro de uma conhecida petrolífera. É desta forma, directa e incisiva, que os participantes das manifestações acusam o Governo de pactuar com a inacção e destruição, vendo no dito Ministério o centro decisivo das políticas do País, na verdade, o centro operacional de todas as petrolíferas.

A geração mais jovem será muito provavelmente uma vítima directa dos desvarios neoliberais. Natural, portanto, a sua revolta. Que é, apesar de tudo, muito contida, a avaliar pelos acontecimentos recentes. Isto significa que poderá ter, num futuro próximo, outros contornos, mais agudos e contundentes. E que será possivelmente estribada em conceitos de ecologia profunda, de forma a, por um lado, proporcionar uma análise completa da situação ambiental e, por outro lado, conduzir a conclusões divergentes dos habituais lamentos de organizações e autoridades, que mais não servem senão para ostentar a verdadeira incapacidade e incompetência em lidar com uma situação cuja complexidade os ultrapassa. Mas é, sem qualquer espécie de dúvida, um bom começo para a aprendizagem política dos jovens, para alguns um primeiro contacto com a realidade divergente que os rodeia.

Vale a pena, a propósito desta luta, lembrar o ano que já parece longínquo de 2019, altura em que surgiu na Alemanha um movimento designado "Fridays for Future” (sextas-feiras para o futuro), com mais de 350 grupos locais e que reunia uma vez por semana por videoconferência para analisar a situação e discutir acções futuras, criando, na sua versão muito própria, uma democracia de base que consideraram exemplar. Este movimento acabou por se espalhar pela Europa, com uma agenda climática, que inclui vectores para uma mudança global, com cinco pontos, desde os transportes à pobreza energética e hídrica, passando pela energia, trabalho e construção. E vinca, por exemplo, a importância da gratuitidade do transporte público nas cidades, que leve os cidadãos a optar por ele, em detrimento do transporte individual, reduzindo as emissões. Utilizando o humor, ainda que ácido, e uma criatividade contagiante, podemos reter, desde 2019, algumas palavras de ordem como “Há mais plástico do que bom senso”, “Se o gelo derreter, como fazemos o mojito?”, ou “Não queime o nosso futuro”. E outras, clara e abertamente anti-capitalistas, como “O capitalismo não é verde”, ou “O capitalismo mata o planeta”. 


Saber se existe hoje vontade política suficiente para mudar o estado de coisas é porventura o mesmo que questionar se é possível alterar o sistema por dentro. Uma possível não-resposta está seguramente nas diversas cimeiras mundiais, ditas pelo clima, onde se juntam normalmente os maiores poluidores, países e grandes empresas, unidos na mais poderosa mistificação e que consiste em convencer os cidadãos da bondade das políticas suicidas neoliberais, que afundam o planeta na destruição. Quando os jovens manifestantes clamam "Nem um grau a mais nem uma espécie a menos", possivelmente terão verificado e consciencializado a evolução negativa verificada desde 2015, ano em que o Acordo de Paris marcava as expectativas de quem, afastado do processo produtivo, acreditava que seria possível acertar um plano de acção para limitar o aquecimento global. A afirmação, polémica e contundente, de um activista do Uganda, no final desta COP 27, pode ser, ao mesmo tempo, chocante ou hiper-realista: “Até à COP28, talvez a África leve cadáveres para Dubai. Talvez não participemos porque as mudanças climáticas terão dizimado o continente. Não estamos fazendo um apelo, estamos exigindo que a dívida climática seja paga para a África, que pouco ou nada contribuiu para a mudança climática”. Quando uma das conclusões da COP 27, no Egipto, afirma que terão sido avançadas soluções para reduzir as emissões das indústrias mais poluentes do mundo, juntamente com apelos por justiça climática e financiamento para países em desenvolvimento, sabemos o que significado desta retórica patética e enganosa. Terá sido apenas mais uma conferência onde a decisão principal é que é melhor nada decidir.

Contudo, nesta COP 27 sobressaiu uma informação interessante do consultor especial das Nações Unidas para a Acção Climática. Selwin Hart de seu nome, foi director de um “banco de desenvolvimento” no Caribe e, para além de outros cargos, membro do Conselho do Fundo de Adaptação do Protocolo de Quioto (Dezembro de 1997), para a redução da emissão dos gases que produzem o efeito de estufa. Hart deu conta de uma aparente contradição, comparando a Argélia e a Dinamarca, dizendo: “A Dinamarca tem um dos piores potenciais de energia renovável. O potencial da Argélia para energia renovável é provavelmente 70 vezes maior. Mas a Dinamarca tem sete vezes mais painéis solares do que a Argélia. O motivo é o custo do capital”. O capital, sempre o capital, a interferir no desenvolvimento. E quem ainda defende o “desenvolvimento sustentável”, como possível resposta, a nível ambiental e político, estará a embarcar na mistificação atrás referida, alimentando uma retórica insustentável. Não existe qualquer possibilidade de superar a contradição fundamental de um sistema económico que se apropria de uma forma degenerativa, no esgotamento e na degradação, dos recursos naturais e do meio ambiente, impossibilitando dessa forma uma hipotética concretização de equidades ecológicas, ambientais e sociais. Daí que as proposições ambientalistas conservadoras que toleram ou defendem uma redenção do sistema de mercado, não passam de uma falácia.

É muito importante e deveras urgente que estes jovens consigam enquadrar, numa perspectiva crítica permanente, a abordagem das questões, para ser possível compreender o que está realmente em causa e agir na medida e proporção devidas.

17 Novembro 2022


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