27 novembro 2022

UMA QUESTÃO DE COMUNICAÇÃO

24 Novembro 2022

Sobre alguém que, no seu tempo e espaço, não foi capaz de comunicar a mensagem que transportava. Uma situação típica dos tempos que correm, com explicações várias, dependentes quer do sujeito, quer do conteúdo da mensagem.

O que parece ser um problema de comunicação poderá dar forma a outras situações, configurando limitações e quiçá preocupações ao chamado cidadão comum. Este tem acesso aos meios como rádios e televisões, que inundam os espaços públicos e eventualmente a alguns órgãos de comunicação social escritos, como os jornais. E ainda, como acréscimo significativo dos dias de hoje, às designadas redes sociais, a que Manuel Castells chamou “Redes de Indignação e Esperança”, título de uma obra publicada em 2012. O Autor, ao discorrer sobre as redes, avança que “...a sociedade em rede é uma sociedade global” e que, a era da informação é, para a sociedade, aquilo que a era da revolução industrial foi para a sociedade industrial do século XVIII.

A forma como o cidadão comum consome os citados órgãos de comunicação pode ser uma resposta, ou não, dependendo do carácter participativo, ou meramente informativo, dos mesmos. O cidadão pode ser então um sujeito activo da informação, ou, pelo contrário, um mero consumidor.

A forma como o cidadão utiliza as redes sociais, uma matéria vasta para analisar, determina o possível sucesso na transmissão da mensagem. 

 

O papel da comunicação na era do neoliberalismo é decisivo, no sentido que permite a troca de informações necessárias à plena realização do capital. É por essa razão que não surpreendem as profundas alterações que vem sofrendo o panorama mundial das comunicações, onde os capitais privados participam em muitas áreas, sectores e empresas e onde é conhecida a relação de proximidade com as mais variadas inovações tecnológicas, desde o multimédia à inteligência artificial, passando pelas mais recentes tecnologias da informação e das comunicações. Convém levar em linha de conta a influência dessas tecnologias nas transformações recentes que permitem o funcionamento sincronizado dos mercados e a transmissão em tempo útil de informações entre diversas unidades das empresas. Nenhum desenvolvimento tecnológico deve ser analisado apenas do ponto de vista da tecnologia em si. É o desenvolvimento e o funcionamento pleno de uma imensa teia, um complexo sistema mundial de interligações de redes privadas entre bancos, empresas industriais e de serviços e administrações que determina o sucesso do sistema. 

 

Se na verdade é inegável a posição fundamental da comunicação nesta fase do desenvolvimento capitalista, não é menos verdade que a comunicação é uma espécie de fenómeno, dito por vezes incontornável e que determina algumas situações, que por vezes nos surpreendem. Essas situações são criadas com a finalidade de gerarem espaços de experimentação, nem sempre compreensíveis, mas decerto devidamente aproveitados pelos intervenientes, para monopolizarem as possibilidades de atingir os imaginários de forma colectiva, uma autêntica indústria de consciências. É o domínio do simbólico, indutor possível de uma forma de pensar global, caracterizada pela simplicidade de argumentos e pela predominância dos sentimentos, desligada do concreto e da consideração dos factos. A produção resultante é uma mistura de mensagens simples e directas, antes panfletárias, hoje de índole pura e dura, no que reporta à sua formulação.

 

Para lidar com situações destas, ou seja, com o que se pode designar como produção de um discurso e uma retórica, existem hoje os chamados “Think Tanks”. A designação não deixa de ser curiosa, uma vez que lembra na sua formulação e conjugação de termos, um “tanque”, ou “laboratório”, de “pensamento”. São grupos que reúnem académicos, estrategas e comentadores políticos e económicos e consultores de comunicação social. Estes grupos, financiados principescamente por grandes empresas e por administrações não identificadas, destinam-se a “criar conhecimento” sobre políticas públicas e administração de políticas globais, a nível nacional e internacional. Curiosamente, ou não, estes grupos estão normalmente ligados a grupos e candidatos conservadores, a avaliar pelo que se passa nos EUA. Conhecido recentemente em Portugal, pela mão da TSF, que lhe dedica uma parte de um programa diário, o Institute for the Study of War, ou Instituto para o Estudo da Guerra, é um desses grupos. A sua criação data de 2007 e diariamente produz “informação” e “análise”, em larga escala, sobre a guerra na Ucrânia, sob o manto diáfano de “comentário”, que, após desmontado, se traduz na mais refinada propaganda, parcial e de incentivo à guerra.

Como é sabido, da teoria da comunicação, no caso de o emissor ser pouco credível, seja porque não é de confiança, seja porque não tem informação relevante sobre a matéria em apreço, constata-se uma perturbação evidente, que pode inclusivamente constituir uma barreira, uma interferência hostil, que impedem que a comunicação seja eficaz e transparente. Aqui reside um problema, conforme a realidade constata.

 

Há quem se dedique à ingrata tarefa de tentar compreender o fenómeno da comunicação. Especialistas, estudiosos, académicos ou simples batoteiros, que hoje nascem por todo o lado e inundam os ecrãs das notícias. Ou que escrevem livros sobre os mais variados temas, sem que lhes seja reconhecido qualquer mérito que não seja o da exposição pública “forçada”. Sustentam, quando decidem falar da coisa pública, ou de política em geral, um discurso e uma retórica de grau zero, ou seja, a “simplicidade” de quem não é capaz sequer de tentar articular meia dúzia de conceitos ou de compreender a dialéctica do pensamento. 

Depois há os casos conhecidos de “comunicação a mais”, ilustrados aqui na postura hiper-realista de um Presidente, que fala a toda a hora, sobre tudo e o seu contrário, proporcionando um espectáculo permanente, ou contribuindo para todos os espectáculos, como o exemplo recente do mundial de futebol no Qatar. Sobram ainda as polémicas, arrufos, ou ambas as coisas, entre dois Costas, por causa da banca e não só, com análises demasiado primárias sobre questões económicas ou orçamentais. Exemplos que todos os dias surgem na comunicação social e nas redes sociais e para os quais existe sempre uma explicação recorrente, quando a coisa não corre bem: foi um erro de comunicação.

Aqui e ali entra sempre “uma questão de comunicação”, directamente proporcional à “força” relativa de cada intérprete. Ou a “comunicação” não foi eficiente, ou o canal disponível para a transmissão não foi capaz de passar a barreira, para produzir o necessário impacto, o certo é que alguém saiu a perder, quer do ponto de vista da idoneidade da fonte, quer do direito a ser informado devidamente. 

 

Se pudéssemos enquadrar as questões da comunicação e da sua relação, sempre difícil com a realidade, encontraríamos algum refúgio nas palavras do grande pensador cubano-italiano Italo Calvino, “...o passo entre a realidade que é fotografada na medida em que nos parece bonita e a realidade que nos parece bonita na medida em que foi fotografada é curtíssimo.” E aí ficaríamos, protegidos com uma capa protectora, para nos afastar do maldizer e da propaganda.  O facto é que, como o espaço na sociedade em rede é configurado como uma hipotética oposição entre espaços globais e locais, a estrutura espacial da sociedade actual é uma das fontes essenciais das relações de poder. Convém não esquecer que, quando falamos de comunicação social e redes, estamos num espaço de produção de poder. Uma das formas de exercer esse poder, como acontecimentos recentes demonstram, está na exclusão pura e simples do cidadão. 

 

Saber distinguir, hoje em dia, o real e o virtual, parece ser uma tarefa ciclópica. Voltando a Castells, e ao aviso que faz de que toda a realidade é hoje percebida de maneira virtual, podemos ficar perplexos. Ou atentos, para podermos, nos casos devidos, levantar a dúvida sistemática e a atitude crítica que deve guiar os livres-pensadores.


 


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