26 dezembro 2022

ERA UMA VEZ NO 2022 

Distraídos com o bolo-rei e as rabanadas, deixamos passar a propaganda habitual e chutamos para canto uma possível oportunidade de golo. O copo de vinho do Porto inebria-nos e faz-nos pensar em amanhãs que poderão cantar, não contando com o pio do galo, que, sempre atento, nos leva à missa do mesmo, nem que seja por um hábito antigo. 

Pois sim, um perú que, hoje assado, há muito havia deixado a capoeira, partindo para um qualquer Continente perto de nós.

Estamos invariavelmente felizes, “focados”, como ora estupidamente se diz, na esperança de um ano melhor. Pelo menos é o que desejamos à família e amigos. Mas não, provavelmente nem será melhor, mesmo que ainda não seja pior. E por que razão haveria de ser melhor, se nada fazemos para que tal aconteça? Antes pelo contrário, convivemos no marasmo invisível, com o fardo pesado da tal dívida que dizem temos que aliviar, ainda que sem saber de que dívida falam eles, sempre na mira da subjugação eterna a um sistema injusto e pérfido. Deixamos andar? Enquanto deixamos, há sempre alguém a lucrar, mais atento, sempre atento às “possibilidades” e nunca enjeitando nenhuma para engrandecer.

Distraídos com a bola, andamos às voltas a tentar justificar os desmandos e as birras de um sujeito mal-educado a quem convenceram que era o melhor do mundo e da Madeira também e a quem deram o estatuto de figura pública e o nome a um aeroporto, acrescentando que tudo lhe devemos. Aqui, como em outras situações mais ou menos parecidas, com a mão serena e virtuosa da mesma propaganda que semeia ilusões e que vende barato o que nos é mais caro. 

Passamos o tempo a perder tempo e, como dizia Saramago, “Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo”, afinal ele deve ser bem gasto, mesmo que seja a não fazer nada, um direito universal e inalienável. Por falar nisso, Costa pede confiança aos portugueses sem apontar o fim da inflação, uma incrível falta de gosto, para outra coisa não dizer. E, para cúmulo, pede a tal confiança para o país “...chegar ao pelotão da frente", sem dizer como, nem onde.  Será caso para perguntar de que país fala ele, quando se sabe que neste ano 2022, há cinco vezes mais ricos do que em 2014.


Pelo mundo anda uma certa acrimónia, o sabor da desonra e da morte gratuita. Um maquinista reformado mata a tiro três pessoas em Paris e, na vizinha Galiza, a queda de um autocarro faz seis mortos na noite de Natal. Mas o que parece ser mais confortante é saber que o presidente da Ucrânia, aquele que passa a vida a pedir mais dinheiro e mais armas, partilhou um vídeo com a árvore de Natal do Porto. Melhor seria impossível.

Entretanto morreu hoje um cidadão da minha idade, um Homem da cultura, jornalista e escritor, de seu nome António Mega Ferreira. Dele lembramos o remoto tempo da Expo e, entre tanta produção, o Roteiro Afectivo das Palavras Perdidas​, um dicionário de palavras que deixámos de usar, onde consta o trampolineiro, espécie em desuso apenas no que toca à antiga designação.


Há apenas três anos escrevíamos sobre uma teia que nos envolve e à qual parecemos estar presos, uma “...perigosa teia que alguém tece por nós, porque já não tecemos nada que não seja para oferecer a um banco, a uma empresa ou a um operador que leva couro e cabelo, com os preços mais caros da europa, por serviços de qualidade por vezes duvidosa, protegido por uma autoridade tão alta, que mal sabemos enxergar.”

De 2019 até hoje o que mudou foi sempre para pior. Dizem-nos que a culpa foi da pandemia e da guerra, há sempre um culpado próximo de nós que nos inferniza. As tragédias pesam mais sobre quem tem menos, nota-se e regista-se.


O melhor para 2023 é bem capaz de ser afastar este fardo que se chama resignação, apesar de outros lhe chamarem outra coisa. Nada melhor que libertarmo-nos do medo e da teia que nos envolve, partir a louça toda no final do ano e pensar.

Pensar faz sempre bem, ler um livro, ouvir uma melodia e plantar a revolta em qualquer lado.

Que dizem?


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