12 fevereiro 2023

 SER PROFESSOR

12 Janeiro 2023


 

As declarações do primeiro-ministro, afirmando que, por um lado, põe de lado a recuperação do tempo de serviço dos professores e, por outro lado, acrescentando que pretende acabar com a precariedade na classe docente, reflectem a suave argumentação do PM: “Não posso resolver o passado. Mas posso garantir que no futuro não se repetem estas situações”. Seis anos de congelamento das carreiras (entre 2011 e 2017) dos professores do ensino não-superior não podem, na opinião de Costa, ser resolvidos, porque simplesmente não. Não há vontade política e, segundo a cartilha neoliberal, “não há dinheiro”. Acrescenta ainda Costa que "Se toda a gente estiver de boa-fé temos condições para avançar". Avançar para onde? 

 

Vincular aqueles professores é apenas um dos pontos em disputa. Neste momento, ainda existem docentes a contrato há 15 anos ou mais. Escolas desfiguradas onde impera o burocratismo, edifícios sem condições mínimas, funcionários a menos e sem qualificação para a função. Profissionais a quem não é concedida a recuperação de tempo de serviço. Não pode, como afirmou o Ministro da Educação a uma entrevista na televisão, ser um “assunto fechado”. Mas porquê fechado, quando nas regiões autónomas tal contagem de tempo foi já assegurada?

Nos Ensino Básico e Secundário subsistem problemas diversos, relacionados com a desvalorização da profissão, mas que também têm a ver com a vinculação tardia, o incumprimento do limite do horário de trabalho, a recuperação do tempo de serviço, a revisão do modelo de contratação e a criação de um regime especial de aposentação e salários justos. Aliás, em Fevereiro de 2022, a FENPROF entregou à Comissão Europeia um documento sobre a precariedade destes docentes e ainda sobre a dos investigadores científicos e docentes do ensino superior, em que são denunciadas “...a manutenção de condições menos favoráveis para os professores contratados a termo que trabalham nas escolas públicas e a inexistência de um quadro normativo que impeça o recurso à contratação a termo de forma sucessiva.”

Aquele documento sobre a precaridade abrange  ainda o Ensino Superior, onde praticamente não existem subidas de escalão, e onde há assistentes convidados a receberem uma média 8 euros à hora. Um sector onde a situação dos investigadores continua mais que precária. Onde a necessária revisão e avaliação do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES) e dos seus impactos na academia, que deveria ter sido realizada em 2012, ainda aguarda a sua sorte, mais de 10 anos depois. Onde os professores esperam anos a fio pela revisão das carreiras docente universitária e politécnica, bem como da carreira de investigação. Um sector que apresenta números assustadores em termos de investimento público, como, por exemplo, o que reporta ao aumento real da despesa entre os anos 2020 e 2021, exactamente 0,3%.

 

O “avanço” que Costa e o seu governo imaginam não é seguramente o que exigem os professores e os outros trabalhadores do Ensino, estudantes incluídos. O avanço sem comas é o reforço da Escola Pública, dotada de meios e de serviços condizentes com a qualidade que se exige e que seja compatível com um estado moderno. E para isso é preciso investir na Escola Pública. É preciso considerar a Escola como um edifício que vai do Ensino pré-primário ao Ensino Superior, universal e gratuito, como é garantido na Constituição da República Portuguesa. Contudo, esse avanço é logo travado na base pelo Ministro das Finanças, quando diz que não se pode aumentar despesa. Esta posição que reporta ao Ensino é aliás exacatamente a mesma na Saúde, na Habitação e em qualquer área em que seja necessário investimento público. Por isso, quando se fala em avanço é preciso explicar as razões pelas quais o Governo da República não quer investir na Escola Pública, ainda que faça, de quando em vez, declarações e promessas no sentido inverso. Aqui, como em outras situações do género dos conhecidos e referidos sectores críticos, a realidade é que conta: o investimento público, que é determinante para o desenvolvimento do País, não existe ou é exíguo.

A greve é desde sempre o recurso do trabalhador quando considera que não estão garantidas as condições a que tem direito. A sociedade deve e tem de reconhecer isso mesmo e lembrar-se que o trabalhador em greve tem logo à partida uma perda de parte do seu magro salário. A sociedade deve defender os “seus” professores. Ao mesmo tempo que ouvimos, todos os dias, afirmações pouco dignificantes sobre a Escola e os professores, resultantes em parte do desconhecimento e, em outra parte, ao ódio ao conhecimento, característico desta época desumanizada, ouvimos e lemos com prazer algumas das vozes que nos deliciam com a sua arte. E aqui salientamos o que, a propósito, escreveu o Walter Hugo Mãe, “Um país que não se ocupa com a delicada tarefa de educar, não serve para nada. Está a suicidar-se. Odeia e odeia-se”. A eloquência fala por si.

 

A questão em discussão, em termos políticos substantivos, é sobre os motivos de uma greve e não sobre a questão sindical. Esta é válida e enquadrável no seio das organizações dos trabalhadores. O seu valor intrínseco diz respeito a quem trabalha no sector da Educação e não seguramente às parangonas da propaganda, que a utiliza sistematicamente contra os trabalhadores e as suas organizações. O que está em causa nesta luta, nestas greves, é a luta dos professores e não a tipologia de sindicalismo. 

 

O professor é o responsável pelos seus alunos, pelos nossos filhos, pela formação daqueles a quem mais queremos. É ele que abre as portas da nossa mente, que nos ensina a ler, que dá luz ao “escuro que vai dentro de nós”, como diz a canção. Aquele que, muitas vezes com sacrifício acrescido, é obrigado a trabalhar 4 ou 5 horas seguidas, com intervalos de 5 ou 10 minutos, sem abrandar o ritmo; que se o fizer, perde o contacto com o grupo que tem pela frente e perde a atenção dos que esperam dele uma palavra, uma opinião, um naco de saber. Aquele que em muitas circunstâncias é agredido com a violência natural de gerações problemáticas, dos chamados alunos difíceis, para os quais existe sempre uma atenuante de comportamento socialmente justificável pelas difíceis condições que vive em casa, no bairro ou na cidade.


As autoridades, o ministério da Educação, os responsáveis deviam saber tudo isto. Melhor, sabem tudo isto, conhecem bem os enquadramentos e os meandros da situação. Só que, a forma mais simples de esconder a sua incapacidade para dar a volta, é atacar quem trabalha, quem se esforça, quem dia a dia trava uma luta contra a ignorância e o obscurantismo, numa trama de contradições que é a realidade desta vida. E nem se dão conta porventura da injustiça que representa esse discurso fácil para quem sistematicamente se procura actualizar científica e pedagogicamente, frequentando cursos, escrevendo artigos, publicando teses, enfim para quem se esforça no sentido de poder ter uma intervenção cívica na educação e na formação dos jovens deste País. Esses, que são seguramente muitos milhares, incógnitos e injustiçados. Quando hoje se constata que os professores perderam 30% do seu poder de compra, quando se conhecem situações em que milhares de professores quase pagam para trabalhar, sobretudo quando deslocados, saber que lhes é negada a possibilidade de recuperar o tempo de serviço da sua carreira, só se pode concluir estarmos perante a maior das injustiças a que está sujeita uma classe que deveria merecer da sociedade todo o respeito do mundo. Voltando ao Walter que diz não ter pedagogia, nem ter estudado didáctica, mas que sabe e disso não tem dúvidas “...que há quem saiba transmitir conhecimentos e que transmitir conhecimentos é como criar de novo aquele que os recebe.”

Isso é ser professor.


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