12 fevereiro 2023

 UMA TERRA SEM DAVOS

26 Janeiro 2023


 

Juntos na eterna aliança do capital, os designados líderes mundiais voltaram aos Alpes suíços, com a filosofia política na ponta do ski, para, do alto da sua majestática imponência, proclamarem “...soluções voltadas para o futuro e enfrentar os desafios globais mais urgentes através da cooperação público-privada.” Propõe-se, como é usual nestas alturas, “...trabalhar juntos para reconstruir a confiança e moldar os princípios, as políticas e as parcerias necessárias para enfrentar os desafios de 2023.” Uma coisa é certa, eles na verdade “trabalham juntos”. Não exactamente para fazerem o que dizem. A lamentação permanente do Secretário-Geral da ONU nestas situações apenas deixa transparecer a impotência da Organização das Nações Unidas perante realidades que entram pelos olhos dentro, mas que ninguém parece ser capaz de perceber, ou no mínimo, tentar interpretar. Guterres falou da divisão Norte-Sul, que se está a aprofundar e o que chamou de “frustração e raiva” do países do Sul sobre aspectos muito particulares, como a grande desigualdade na distribuição de vacinas, a recuperação da pandemia, a crise climática e a falta de recursos financeiros para responder ao desafio. E fez ainda referência a um sistema “financeiro moralmente falido no qual as desigualdades sistémicas estão a amplificar as desigualdades sociais”. A solução, para Guterres, passa por aquilo que designa “Plano de Estímulo ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) global”, capaz de fornecer apoio aos países do Sul Global, propondo “uma nova arquitectura de dívida” e dizendo finalmente que existem empresários que venderam uma grande mentira e devem ser responsabilizados, lembrando que, ainda hoje, “os produtores de combustíveis fósseis e seus facilitadores ainda estão correndo para expandir a produção, sabendo muito bem que esse modelo de negócios é inconsistente com a sobrevivência humana”.

 

O Fórum Económico Mundial deste ano, de novo num cenário convulsivo a nível mundial, analisou, de forma sobranceira e demagógica, a crise climática, a desigualdade social e os conflitos político-militares, com a participação “empenhada” dos mesmos que, ano após ano, intensificam os problemas em defesa dos interesses do capital, na expansão neoliberal e na guerra. Às previsíveis crises, de inflação, guerras comerciais e agitação social generalizada, os ricos deste planeta respondem com a falácia da “economia verde”, cujos efeitos de transição irão determinar até 2030, a perda de 72 milhões de empregos, segundo a OIT. A ilusão neoliberal reza, entretanto que essa transição vai criar milhões de empregos e revitalizar a economia.

 

Uma das conclusões “mais interessantes” de Davos é a nomeação do sultão Ahmed al-Jaber, chefe da petrolífera ADNOC (Abu Dhabi National Oil Company), dos Emiratos Árabes Unidos, como presidente da COP 28, qualquer coisa como a história da raposa a guardar o galinheiro. E, falando ainda dos ricos, no fundo esse fórum é deles e para os seus interesses, é curioso dar conta de um relatório da Oxfam, uma organização conhecida pela visão caritativa do mundo e pelas suas cumplicidades com financiadores de duvidosa reputação, que deu a esse documento o nome “A Sobrevivência dos Ricos", fazendo coincidir o respectivo lançamento com o início do fórum. Nele se faz saber que durante a pandemia e as crises do aumento do custo de vida desde 2020, 24 mil milhões de euros, correspondente a 63% de toda a nova riqueza criada, foi cativada pelos 1% mais ricos, enquanto apenas 14 mil milhões, ou seja 37%, foi para o restante da população. E onde mostra o exemplo paradigmático da desigualdade e injustiça, representado pelos valores que o multimilionário Elon Musk e a vendedora de farinha ugandesa, Aber Christine, pagam de imposto: 3% para o primeiro (de 2014 a 2018) e 40% para a segunda.

 

Davos é na verdade uma feira de vaidades, com uma mão na caridade e a outra na hipérbole das falácias, ambas eivadas de uma hipocrisia revoltante. Neste fórum neoliberal, usa-se e abusa-se da propaganda, um circo de “artistas” de baixo perfil que, utilizando o “entretenimento”, pregam a “salvação do mundo”, que se traduz numa continuada e renovada submissão aos interesses de um capitalismo predador e bélico. Um bom exemplo, de demagogia é dado pelo ministro das Finanças saudita, Mohammed al-Jadaan, que declarou enfaticamente, “Temos um relacionamento muito estratégico com a China e desfrutamos desse mesmo relacionamento estratégico com outras nações, incluindo os EUA, e queremos desenvolvê-lo com a Europa e outros países”. A propósito de demagogia, o jornalista político Peter Goodman, publicou, em 2022, uma obra com o significativo título "Davos Man: How the Billionaires Devoured the World”, em que faz notar a contradição de pedir aos multimilionários e às elites, acusados de causarem os maiores problemas do mundo, para encontrarem formas de os resolver.

 

A casta neoliberal passeou em Davos, como em outras ocasiões, a sua fachada pretensamente humanizada, direccionada para as questões da desigualdade. É um exercício deveras complicado o de tentar compreender a atitude demagógica e sobranceira dos neoliberais, quando propõem medidas como, por exemplo, os mercados de emissões e a dita responsabilidade social das empresas, que, na prática servem para obstaculizar uma perspectiva ecológica correcta e devidamente planificada. 

A única resposta possível parece ter de ser a permanente confrontação e revolta social. Caso os cidadãos fiquem indiferentes às declarações da chefe não-eleita da EU, gabando-se da aplicação das fortes sanções” à Rússia, que, na sua opinião, fazem o regime de Moscovo enfrentar dez anos de regressão económica e falta de tecnologias críticas na sua indústria, irão sofrer ainda mais na pele as consequências, directas e indirectas, das mesmas e permitir, em última instância, a degradação completa da economia europeia, com a consequente realidade de insolvências, encerramento e deslocalizações de empresas, bem como no  empobrecimento constante dos cidadãos, particularmente dos mais carenciados.

 

A declaração final do presidente do fórum Børge Brende, é de tal significado que confunde qualquer cidadão menos preparado. Disse o senhor, "Num momento incerto e desafiador, uma coisa é clara. Podemos moldar um futuro mais resiliente, sustentável e igualitário, mas a única maneira de fazer isso é juntos." Perante palavras tão “sábias” como esta, resta-nos questionar em que mundo vivem e o que têm a ver connosco. 

E, numa situação de carência económica e de injustiça social, prestar a devida homenagem a todos os que lutam contra a dominação e a opressão, por uma sociedade diferente, em que Uma Terra Sem Davos seja um sinal carregado de simbolismo e de alguma esperança.


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