26 março 2023

 O OBSERVATÓRIO

 

O acto de olhar atentamente para algo, com o propósito de acompanhar, com interesse técnico ou científico, é vulgarmente designado por “observar”. Num sentido substancialmente mais abrangente será chamar a atenção de algo que precisa de uma eventual intervenção, preventiva ou correctiva. A verificação é muito importante, tal como, posteriormente o acompanhamento necessário, que começa na simples constatação e vai até à proposta de medidas consideradas adequadas. A extensão faz todo o sentido, no que diz respeito ao mapeamento de questões e situações, particularmente quando se movem em terrenos de interesse público no âmbito do bem-estar geral dos cidadãos, de uma região ou de um País. Recomenda o mais elementar bom-senso que questões e situações sejam devidamente “observadas”, mapeadas e monitorizadas, até para ajudarem os decisores públicos a tomarem as medidas que melhor correspondam e se apliquem aos casos concretos identificados.

 

Estas considerações vêm a propósito do anúncio da senhora Ministra da Agricultura de um observatório de preços. A medida tem toda a justificação, em face dos aumentos sucessivos de todos os produtos à disposição no mercado, desde os bens alimentares de consumo imediato, até aos combustíveis e telecomunicações, passando pelas casas de habitação e pelas rendas. Mas terá sido nos aumentos de preço dos bens alimentares que a medida foi buscar a sua justificação, até porque coincide no tempo com uma outra medida que tem a ver com a fiscalização ordenada a super e hipermercados. Só que a medida já havia sido anunciada no ano passado e um observatório idêntico já havia sido criado em 2015, com a designação Observatório da Cadeia de Valor, com o reconhecimento que “o desconhecimento sobre a distribuição da margem de valor entre a produção, a indústria e a distribuição e sobre a percentagem da sua apropriação pelos diferentes intervenientes ao longo da cadeia não tem permitido o conhecimento exaustivo sobre o normal funcionamento do mercado”. Agora, este Observatório designa-se Nacional é Sustentável e, recorrendo à publicação de 19 Outubro de 2022, terá como objectivo “contribuir para uma maior transparência em toda a cadeia de valor agroalimentar, acompanhar a sua evolução, e dotar as entidades competentes de um instrumento que permita monitorizar, avaliar e definir melhores políticas públicas nesta matéria”.

 

Há dez anos, o escritor angolano José Eduardo Agualusa, publicou uma obra a que chamou “Teoria Geral do Esquecimento”, cujo enredo reportava a uma mulher que, em Luanda, aquando da guerra civil de 1975, decide isolar-se da sociedade, fechada no seu apartamento, para “esquecer” o terrível conflito. Hoje, o que parece prevalecer no País é um esquecimento global, um alheamento em relação a muitas situações e até, o que pode parecer estranho à primeira vista, uma atitude de complacência geral perante as adversidades, um deixa-andar que obviamente deve ser contrariado. Não podemos, nem devemos, esquecer o terrível e eterno conflito entre os interesses antagónicos que na sociedade existem e que, nos últimos tempos, sob qualquer pretexto, são agravados e representam uma elevada penalização para quem vive do seu salário ou pensão, para não falar daqueles que nem usufruem de uma coisa nem da outra.

E se há algo que não se deve esquecer, ignorar ou menosprezar é a receita neoliberal consubstanciada na tese de que os aumentos de salários provocam uma espiral inflacionária e que tem sido protagonizada, entre outros, por Centeno, Lagarde e pelo BCE. Ela é apenas a imagem do desespero de um sistema económico completamente “perdido” nas suas contradições eternas. Por isso se deve saudar o anúncio de Costa, ontem, na Assembleia da República, relacionado com aumentos de salários da função pública. Bom que não seja apenas mais um anúncio e que se concretize em aumentos significativos, que, na opinião do próprio PM, devem aproximar os salários em Portugal aos do resto da Europa. Não apenas salários, mas também pensões, não apenas na função pública, mas para todos os trabalhadores. Aqui, e sempre, está a capacidade de um governo de responder devidamente e em tempo oportuno a situações imprevistas e a cuidar dos seus concidadãos, como deve ser a primeira das funções de um executivo.

 

Observar e ver os preços a “esvoaçar” faz lembrar os observatórios de pássaros, vemos, mas não os podemos agarrar. O mesmo se pode passar com os preços, vemos e não podemos fazer nada. Para verificar que os preços sobem dia-a-dia não será decerto necessário um observatório, o cidadão sente na pele os aumentos, muitas vezes desmesurados, particularmente se a sua condição for precária ou deficitária.

Dos muitos observatórios e com as mais diversas funções, encontram-se na sociedade global e na academia, exemplos que reflectem a importância da sua existência. Poderíamos eventualmente pensar até em mais alguns. Um observatório para a Habitação, que nos desse informação sobre pormenores importantes como casas devolutas, rendas e preços de casas acima da média, condições concretas de habitabilidade, situação de pobreza energética. Um observatório para a Cultura, onde poderia ser dada a conhecer a situação de muitos grupos de teatro, cinema e música que apostam na divulgação e disseminação culturais, das suas dificuldades e problemas, da eventual falta de apoio para as suas intervenções. Um outro observatório para a Saúde, que desse conta, todos os dias e a toda a hora, da situação do Serviço Nacional de Saúde, uma das conquistas de Abril e que está sempre em cima da mesa precisamente porque é essa a sua função, proteger, cuidar e tratar os cidadãos.

Apenas três exemplos, que se poderiam multiplicar, no ambiente, na justiça, na comunicação social, no desporto, enfim, em todas as actividades sociais e que envolvem uma participação cidadã. A extensão desta ideia levaria provavelmente a um Grande Observatório, chamado governo, a quem compete de facto observar o que se passa, para ser capaz de exercer condignamente a função executiva do Estado. E que não se limite a contemplar situações em que se anuncia e publicita e na realidade tudo fica mais ou menos na mesma, seja porque tardam as medidas concretas, seja porque não existe cabimentação orçamental para as aplicar.

Exige-se, para além da observação, uma compreensão necessária daqueles que exercem poderes públicos. A eles compete, para além da compreensão e percepção, uma atitude, firme e em tempo adequado, de intervenção e que não se compadece com afirmações ligeiras e despropositadas, como a do Ministro da Economia que, interpelado há dias sobre o que fazer quanto aos aumentos de preços, disse “...é o mercado a funcionar”.

O mercado até pode “funcionar”, este ministro assim é que não. 

 


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