09 maio 2023

A REALIDADE VIRTUAL DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

13 Abril 2023


Questionamos demasiadas vezes a realidade, pensando sobretudo no desenvolvimento de situações do dia a dia e naquelas que não alcançamos, mas gostaríamos de entender, num universo povoado de sombras, difícil de perceber, mas onde vivemos e lutamos por uma vida melhor. De um modo natural, ou por vezes, de forma artificial, vamos conseguindo enquadrar ideias e conceitos, num esforço notável. A interrogação prende-se com a circunstância de nos serem apresentadas notícias sobre uma nova forma de inteligência, que não sendo assim muito nova, produz um encanto fatal ou o medo do que é diferente, que poderá também ser, tal como o encanto, fatal e sem retorno.

 

Falamos de inteligência artificial (IA). Uma tipologia de inteligência que parece adaptada a uma realidade que nos escapa. Aos hipotéticos receios que venha para dominar o mundo, poderíamos eventualmente adiantar que talvez isso seja possível em ambientes artificiais, que são criados para que nos possamos sentir dentro de um ambiente virtual, afinal numa realidade artificialmente construída para, por exemplo, um determinado jogo. Para tal são oferecidos ao ser humano dispositivos conhecidos, como óculos, auscultadores ou sensores de movimento, ou seja, próteses. A inteligência artificial pode bem ser incluída como uma prótese de tipo novo, o que aliás nem será hoje uma grande novidade. Na verdade, a IA agrupa tecnologias diversas que, aplicadas simultaneamente, permitem que um computador emule a inteligência humana, apreendendo sons e imagens, comportamentos e factos, ou seja, todas as formas de dados em geral, para que seja possível adaptar-se às situações apresentadas, bem como compreender e resolver problemas. No limite, com o andamento do processo, a máquina será capaz de aprender por si mesma.

 

Falamos também, por força da proximidade, da designada realidade virtual, uma acumulação de tecnologias que permitem transportar o utilizador para um ambiente simulado, consequentemente artificial, fazendo-o desligar do ambiente real. Estas tecnologias, que deram os primeiros passos no final dos anos 80 do século passado, são capazes de integrar informações e experiências digitais no que se pode considerar um contributo da ciência para proporcionar aos utilizadores novas ferramentas e novas capacidades interpretativas. 

 

Quando introduzimos todos os contributos científicos e tecnológicos na vida dos cidadãos deveremos ter o especial cuidado de considerar que todos eles devem estar ao serviço das pessoas, ao contrário do que na verdade se passa na maioria dos casos, em que os referidos interesses são subalternizados e destinados a alimentar negócios de ponta, um pouco por todo o lado. Ou ainda, a potencializar teses e conceitos pouco claros e demasiado enfatizados na questão da hipotética neutralidade da tecnologia. Sim, a tecnologia não é neutra, tão só o resultado de interesses conjugados, no interior de um sistema que não é favorável ao cidadão, nem ao trabalho, mas sim ao capital. E, nesse sistema, todo o objecto é criado para uma utilização concreta, que depende da decisão e do modelo e naturalmente, do decisor e do Estado.

 

Poderíamos citar casos concretos de avanços e melhorias no bem-estar das pessoas, que gozam, por assim dizer, as vantagens e privilégios das citadas tecnologias. No caso da medicina, são de referir, por exemplo, as aplicações que a IA vem desenvolvendo para devolver a mobilidade a quem foi vítima de acidentes graves, com próteses especiais. E ao contributo nos campos de diagnóstico, no melhoramento do controlo e da monitorização de pacientes crónicos. E ainda na gestão global da saúde, quer na facilitação do acto médico, quer no auxílio poderoso à farmacologia, por exemplo, no apoio aos investigadores e pesquisadores, para analisar sequências genéticas para encontrar vacinas ou outras soluções adequadas.

 

Todavia, há que ter em consideração as abordagens que tendem a actualizar a própria definição psicológica de inteligência. Quando a empresa britânica DeepMind diz ter criado uma tipologia de inteligência que "pensa" como os humanos, ou quando a sua rival norte-americana OpenAI afirma a intenção de promover e desenvolver uma “IA amigável”, ambas estão a entrar porventura num campo eventualmente minado, no qual a ética estará a dar um contributo mais que discutível. A importância daquelas empresas na chamada economia global está bem patente se acrescentarmos que ambas pertencem, ou estão associadas, a impérios conhecidos, a primeira à Google e a segunda, ainda que indirectamente, à Microsoft. 

Relendo uma notícia do final do ano 2022, do Jornal Expresso, encontramos uma interrogação acerca da hipótese de a IA estar a chegar à política e se tal seria “útil”. A referência era para o designado Partido Sintético, baseado num modelo de inteligência artificial, para concorrer às eleições, na Dinamarca. Na verdade, a experiência não correu muito bem. Ao que consta, os defensores da ideia pretendiam representar cerca de 20% da população que não tinha deputados no parlamento e partiam do princípio que a IA já teria absorvido um volume apreciável de informação humana e, dessa forma, estivesse capacitada para dar respostas aos problemas das pessoas. 

O que sobraria para dizer é que a atitude, porventura eivada de uma certa ingenuidade, teria sido pouco inteligente, não na sua forma artificial, antes sim, natural. 

 

Obrigatório será falar hoje, a propósito da temática, dos novos desenvolvimentos da IA, nomeadamente nos que são mais conhecidos, ou propositadamente, mais divulgados. A “moda” hoje chama-se ChatGPT, uma aplicação que dá respostas a questões colocadas, elabora teses e até arrisca fazer um poema. Em boa verdade, grande parte das respostas que se podem obter são tão óbvias e evidentes, que qualquer pessoa minimamente informada as poderia obter por outras fontes. A questão não passará, entretanto pela resposta em si mesma, mas pela importância que é dada à aplicação, que também se deve dizer não estará muito bem informada. Segundo nos relatam as jornalistas Daniela Espírito Santo e Inês Rocha, em artigo publicado a 17 de Fevereiro passado, no portal da Rádio Renascença, “...A confiar nele, acreditaríamos que Mário Machado foi jornalista, André Ventura é presidente da Assembleia da República e Rui Rio ainda é líder do PSD”. E, a importância deve ser devidamente relativizada e enquadrada nos sectores ou áreas de influência respectivos e não extravasar para generalizações menos próprias, como a que leva constantemente a considerar que a IA vem substituir o ser humano. Todavia, se tal vier a acontecer, que o seja em favor do cidadão, a quem o futuro destinaria assim, menos trabalho, menos tarefas duras ou rotineiras e mais tempo de lazer, direitos fundamentais, muitas vezes passados para segundo plano, quando não simplesmente esquecidos. 

 

A questão não estará propriamente na IA, mas no sistema que a suporta e a quem aparentemente ela possa responder. Várias questões poderão então ser elencadas a esse propósito. Uma delas será a que o ser humano não deve “contentar-se” com a “resposta única”, aquela que sugere (e sustenta) os sistemas que não supõem alternativa. Nessa linha, lembramos Nietzsche e a sua tese da denúncia da estupidez, devidamente quantificada e extremada, em termos de uma certa incapacidade de “sair” da perspectiva única. Uma outra tem a ver com o que parece ser a tentativa de transportar o ser humano para uma realidade diferente daquele em que ele efectivamente vive. E essa não tem seguramente a ver com as tecnologias propriamente ditas, nem com o seu valor intrínseco, mas sim com uma utilização inconsequente e, por vezes até, indevida dos algoritmos e da forma como são programados. 

Há uma passagem excelente no filme “O Grande Ditador”, onde Chaplin nos diz, “Mais do que máquinas precisamos de humanidade. Mais do que inteligência precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes a vida será de violência e tudo estará perdido”. 


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