11 março 2024

A DERROTA DA VITÓRIA (Que força é essa?)

Estranho dia.

Há 49 anos, o Spínola tentaria um Golpe, fugindo depois para Espanha, quando viu que não tinha hipótese, tendo causado mesmo assim alguns estragos.

Ontem, a noite haveria de produzir também estragos significativos no panorama conservador do espectro partidário em Portugal. Um partido, cujo capataz é o “homem das limpezas”, iria arrecadar o quádruplo dos votos, e consequentemente, do número de deputados. 

A campanha que as sondagens levaram a cabo para proporcionar uma “vitória” à ex-defunta AD, acabaria por mostrar, uma vez mais, para que serve “sondar”, quando na verdade o que se está a fazer é influenciar e condicionar o voto. Todavia, o erro não é casual e inscreve-se na desesperada tentativa de abrir o caminho à Direita, que ela sozinha não era capaz de fazer. A ridícula manifestação de “vitória”, que, de Pirro passaria a “tangencial”, imitando de forma pífia o futebolês, iria dar à AD, nem sequer 1 ponto percentual e apenas mais 2 deputados que o PS. A história só fica completa com a menção honrosa para o Livre, a aceitação tácita de 13 deputados para a Esquerda (BE+CDU+Livre) e a irrelevância do PAN e da própria IL, esvaziada pelo resto da Direita, mesmo apesar dos 8 deputados eleitos. Num universo de pouco mais de 6 milhões de votantes, a designada AD conseguiu mais 2 mil votos que o PS.

 

A derrota da vitória é assim o assunto do dia. Não se fica a perceber muito bem se a Direita sem o “partido das limpezas” acredita que ganhou ou se, porventura com a cabeça fria, estará provavelmente com medo de “ter ganho”. Entretanto, a agremiação racista, xenófoba e neo-fascista, que cresce à custa da insatisfação dos cidadãos com as políticas públicas do “mínimo possível”, foi devidamente promovida por comentadores e jornalistas, que agora os querem empurrar para um governo que ainda não se sabe bem como vai ser. Vejam só as declarações de Ricardo Costa (SIC-Impresa), sublinhando (antes de conhecer os resultados) que a tal agremiação, “deverá eleger entre 54 e 55 deputados, só menos 20 lugares que a AD” (na verdade, foram 48), prevendo que o capataz do grupo seria o "grande vencedor da noite".

A noite ficaria marcada ainda, como ordena a tradição burguesa, pelos salamaleques de parte a parte, entre “vencedores” e “vencidos”, ignorando olimpicamente o enorme elefante no meio da sala, com quem ninguém parece contar. Mas deve dizer-se afinal que ele se julga “essencial e necessário” para ressuscitar uma Direita anquilosada, sem ideias, sem propostas credíveis e sem um sentido que se possa levar a sério, com os 3 protagonistas que ontem sorriam, mas que rapidamente vão engolir a sua verborreia e a sua manifesta falta de credibilidade. Mas pôde constatar-se também, da parte do PS, na atitude e postura irritada e sem jeito do seu Secretário-Geral, que, uma vez mais, repetiu chavões que demonstram apenas a sua falta de adaptação a uma situação esquisita, que é, por um lado, tentar preservar a imagem de um partido que fez, durante 2 anos, o melhor favor que se pode imaginar na promoção da insatisfação generalizada e, por outro lado, tentar dar um ar novo de renovação, para trilhar um caminho diferente. Não daria certo e comprometeu o Partido e, por arrastamento, a imagem de uma Esquerda, cada vez mais acantonada. 

Assim se transforma uma vitória em derrota, um aparente oxímoro, mas que assume particular relevância, para a análise e, acima de tudo, para a acção. Talvez esteja aqui encontrada uma das virtudes de Pedro Nuno Santos, quando a evocava (a “acção”), como necessidade imperiosa. Todavia pergunta-se, que tipo de acção? Parece que, nestes dias que se seguem, a acção deve ser orientada para encontrar os porquês e procurar soluções. Na primeira vertente, há que admitir que tudo deve estar em cima da mesa, para análise e discussão. A Cidadania assim o impõe. Da mesma forma que têm de se desmontar as velhas falácias (quase todas, mentiras descaradas) como a de “não há dinheiro”, que vem dos tempos da troika, onde se dizia que o País não o tinha, para pagar salários e pensões. É sempre assim que a Direita (toda junta com a direita extrema) gosta de perorar. E, naquela situação específica, para repor a verdade, o que não havia era modo de compensar a Banca pelos seus desmandos e os grandes grupos pelos seus prejuízos, que fomos todos obrigados a pagar.

Mas não só. É preciso colocar, possivelmente como ponto primeiro, a dependência do País perante as políticas nefastas da dita União Europeia e da moeda única. Sem questionar isso, pouco se poderá adiantar. Não dizer isso aos cidadãos é incorrer na ocultação da realidade. Não dizer que são as políticas neoliberais, que transferem permanente e sistematicamente dinheiro do Trabalho para o Capital, é desrespeitar os trabalhadores, deixando-os desprotegidos. E tudo isto gera ansiedade e insatisfação. E, como bem se vê, a insatisfação gera forçosamente o aparecimento de grupos marginais que a burguesia promove a partidos, normalizando-os, mesmo sabendo que não aceitam as regras do sistema.

É mais que necessário desmontar o discurso burguês da aceitação tácita das regras estabelecidas. Antes pelo contrário, a hora é de cortar com regras que estrangulam a economia e as pessoas, particularmente aquelas que só têm a força do seu trabalho. 

Por isso, hoje, o tema musical que se impõe repassar, é este (*), que data do ano 1972, que nos interroga e incentiva: “Não me digas que não me compr'endes/Quando os dias se tornam azedos/Não me digas que nunca sentiste/Uma força a crescer-te nos dedos/E uma raiva a nascer-te nos dentes/Não me digas que não me compr'endes/Que força é essa? Que força é essa?/Que trazes nos braços?/Que só te serve para obedecer?/Que só te manda obedecer?/Que força é essa? Amigo?.

Que força é essa?

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(*) https://www.youtube.com/watch?v=-42ZiDIZ7KM


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