19 maio 2025

A ALIANÇA DOMINANTE

A partir de agora, uma aliança domina o espectro político português. A aliança da submissão e do medo é a mesma aliança que foi sendo construída por políticas erradas e contra os trabalhadores, de uma social-democracia decadente e incompetente. E, acima de tudo, enganosa e tendencialmente disposta a colaborar com a Direita, nas suas várias fachadas. É dela a responsabilidade primeira pela situação de desalento e desesperança, que atirou grande parte dos cidadãos para os braços da extrema-direita, fenómeno comum ao que se vai passando nesta Europa definitivamente enterrada no seu passado e incapaz de compreender os avanços civilizacionais, que sempre acabou por rejeitar. A aliança nada tem de democrática, sendo antes uma aliança de interesses contra os trabalhadores. Todavia, sempre no caminho do suicídio assistido, o PS, na qualidade de principal intérprete do neoliberalismo “moderno”, deu-lhe uma vez mais a mão, “aprovando” governo, orçamento e presidência da AR. Suicídio que ontem se viria a confirmar com a perda de 20 lugares no Parlamento. 

A aparente simplicidade da análise contrasta logo com a complexidade inerente aos sistemas políticos. O filósofo italiano Mario Perniola e os franceses Guy Debord e Emmanuel Todd, deram importantes contributos para a compreensão da evolução dos fenómenos sociais, da passagem do século XX para o século actual. Se nos centramos em Perniola e na sua “Sensologia”, poderemos encontrar algumas explicações sobre uma transformação radical dos modos de sentir. E, concomitantemente, a ascensão de um novo tipo de Poder, com base no neo-fanatismo, neo-ceticismo, fundamentalismo e niilismo, como manifestações tendentes a reduzir a acção ao imediatismo vulgar e insensato. Quando lemos Debord, compreendemos o poder da sociedade do espectáculo. Ao estudar (e vale mesmo a pena fazê-lo) Todd, percebemos as nuances do declínio do ocidente e as análises do desastre do neoliberalismo.

 

O reforço da Direita e o crescimento do Chega, colocaram a esquerda institucional, representada pelo PS, Livre e BE numa posição fragilizada. Para os trabalhadores, os resultados sugerem um cenário de estagnação ou deterioração das condições laborais e sociais, enquanto a esquerda enfrenta desafios estruturais para se reposicionar como alternativa viável. Na verdade, a actuação da esquerda institucional, com as suas políticas keynesianas, constitui um recuo significativo de representação e uma perda de capacidade de influenciação notável, em termos de retórica parlamentar.

 

Mas o que conta, acima de tudo, a partir de hoje, é a constatação de uma situação de fragilidade cidadã. O custo de vida aumenta (e ...“o povo não aguenta”), os preços sobem e as rendas de casa também, a habitação é sempre preterida, o Serviço Nacional de Saúde degrada-se e não faltará muito para ser entregue aos privados (quem já detêm uma significativa fatia), a Escola Pública não tem investimento suficiente, bem como o Ensino Superior, onde professores e investigadores são desprezados e humilhados. Às reivindicações e exigências dos trabalhadores por um salário digno e um emprego estável, a Direita e o PS afirmam que é necessário um “crescimento da economia” para depois se falar no resto. A degradação dos serviços e dos espaços públicos é uma evidência e a tão querida revisão da Constituição, propósito assumido ou não-assumido de toda a Direita, tem agora privilégio de prioridade absoluta, como se ouviu ontem nas televisões. 

 

Vem hoje a propósito (vem sempre...) a ilusão que foi e as consequências que teve a dita "geringonça", que tanta esperança provocou em toda a Esquerda. Só que a Esquerda nunca esteve no Poder e apenas caucionou a política errática do PS, não conseguindo sequer a reversão mais que necessária das leis laborais da troika, com que o PS concorda, nem a passagem para controle público da energia, da água e dos transportes. Para além do mais, o PS não é um partido que defenda os trabalhadores, antes pelo contrário, pese embora a linguagem e um discurso enganador e hipócrita.  Apesar da devida consideração como partido de Esquerda, pela base que tem, o PS o primeiro responsável pela situação criada no País, de completa traição aos trabalhadores e às suas organizações de classe, um partido de interesses e de completa submissão ao capitalismo neoliberal. Vê-se o que fez e como acabou a sua maioria absoluta. 

Existe um erro sistemático de análise de toda a Esquerda institucional, sem excepção. O Livre, um apêndice do PS, com fantasias armamentistas e com uma política europeia completamente alinhada com os desvarios da Comissão Europeia. O BE com um alinhamento cúmplice ao governo nazi ucraniano, comum a toda a Direita nacional e europeia e com uma posição cada vez mais sectária, patente nas palavras e nos actos de cancelamento de quem se atreve a discordar. Apenas a CDU procurou fazer um "esforço de adaptação", conseguindo fazer passar um discurso adequado de recusa firme de compromisso e até de uma certa coragem, por ter denunciado a lavagem ao cérebro sobre a Ucrânia, sobre a dita "união europeia" e sobre a política desastrosa e cobarde desta Europa decadente. 

 

Todavia, não bastam pequenos “desvios”, ou pequenos avanços para que a luta anticapitalista dos trabalhadores tenha significado prático, na sua condição de explorados. Torna-se cada vez mais necessário a organização e um sentido de verdadeira luta de classe. A Esquerda (que designo) institucional apresenta pouco estímulo para a luta anticapitalista, anticolonial e antifascista que é necessária e urgente. Recorda-se, por exemplo, esta realidade assustadora: o Alentejo da Reforma Agrária é hoje o Alentejo do trabalho escravo e um cemitério de painéis solares. Uma outra realidade indesmentível é a que resulta da constatação evidente: a "democracia" que temos é a democracia burguesa da dominação e da subordinação, fundamentada na propaganda e na submissão. As eleições são devidamente “programadas” e “desenhadas” pelas máquinas de propaganda do centrão partidário, hoje com a exaltação de uma extrema-direita que eles toleraram, aceitaram e institucionalizaram. Por uma poderosa e eficiente máquina demolidora de sondagens, que “ajudam” a formar opinião, pela “estabilidade”, pela “governabilidade” e pelo “interesse do país”. E por um exército de comentadores, na sua imensa maioria, tendenciosos, ignorantes e acéfalos. Roubando a ideia ao insuspeitoAdelino Maltês, é a “república dos comentadores”, de que ele é aliás um bom exemplo.  

 

Não é de esperar por uniões sem sentido à Esquerda. União sim, mas na base, nos trabalhadores, nas lutas conjuntas, na ocupação das ruas, das casas, das empresas. Nas lutas pela habitação. Na luta pela Escola Pública.. Na luta contra o Estado terrorista de Israel. Nas lutas contra a guerra e pelo desarmamento. Na luta contra a NATO, uma organização assassina e terrorista, responsável por todos os conflitos em todo o mundo. Muita luta a travar e tal só se consegue numa perspectiva de classe: rejeitar o poder do Capital e da classe possidente. Criar e amplificar a organização dos trabalhadores, dar sentido revolucionário às greves e a todas as formas de luta para que os trabalhadores avancem para o controle da economia, no sentido da sua emancipação.

Não são palavras de retórica, antes um possível apoio à acção, já que resistir é necessário, mas não é suficiente.



This page is powered by Blogger. Isn't yours?