17 junho 2025

 A “BOA FÉ” 

 

Enquanto desenham o habitual circo na arena da propaganda, os partidos políticos institucionais preparam a cena costumeira da aprovação do OE 2026. A comunicação dita “social” apressa a posicionar-se cada vez mais à Direita, em exercícios “sustentáveis” que, na maior parte das vezes, roçam o ridículo, de tão gastas que estão as palavras, de tão balofos que são os argumentos, quando existem, uma vez que, na maior parte das vezes, a comunicação é tão pobre que até assusta. As inevitabilidades ganham de novo terreno, em desfavor da retórica política, quase banida, quase morta, assustadoramente arredada do cenário político, repleto de fantasias, mentiras e vídeos idiotas. Um jornal (Público, 14 Junho) diz-nos que o “Governo trava a fundo na imigração, aperta no RSI e muda leis laborais”, só isto bastando para dar o tom e marcar a dita agenda. Continuando, transmite-nos a ideia de que o Programa do Governo é construído para “transformar Portugal” e com “boa-fé” para “negociar com todos”, fechando a tal ideia com a nota seguinte: “...temas quentes como o controlo da imigração e dos apoios sociais apontam na direcção da direita”.
 
Os dez eixos do Programa servem para enquadrar algumas medidas que até agora nenhum governo em Portugal se atreveu a tocar, começando pelo livre direito à greve, aqui chamado “equilíbrio de interesses sociais na legislação da greve” e acabando no malfadado “reforço estratégico de investimento em defesa”, com a intenção do gastar 2% do PIB em investimento na “Defesa Nacional” já em 2025, antecipando a meta de 2029, com 20% do investimento destinado a bens, infraestruturas e equipamentos, em linha com os compromissos da NATO. De acordo com o direitismo institucional, este Governo irá “apoiar activamente o alargamento da União Europeia, nomeadamente à Ucrânia, Moldávia e países dos Balcãs Ocidentais, reforçar a afirmação de Portugal no plano global através do reforço do papel e das capacidades da CPLP e da comunidade ibero-americana e apostar na eleição de Portugal como membro não permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas”, uma mixórdia de temáticas subordinadas basicamente ao alinhamento incondicional com a política da propaganda falaciosa de um Ocidente, baseada na submissão, na falsidade e na mentira, uma cegueira completa, as trevas de uma civilização decadente, contudo endireitada pelos superiores interesses do Capital e pela pauperização crescente dos trabalhadores. Aliás, a medida, classificada de “política de rendimentos”, que diz pretender valorizar “o trabalho e a poupança, o mérito e a Justiça Social”, induz a maior falácia de um putativo aumento de salários, com a descida da “carga fiscal sobre os rendimentos, em especial para a classe média”, bem como a fantástica diminuição do IRC que diz ser para “Criar riqueza, acelerar a economia e aumentar o valor acrescentado”, na mais fantasiosa interpretação do funcionamento da economia, que significa a negação do princípio básico de que são os trabalhadores (e não as empresas) que criam a riqueza.
A “complementaridade” na Saúde irá ser a medida que na prática vai liquidar o SNS. A “reforma” do Estado para a “guerra à burocracia” é apenas a face de um Estado à mercê dos interesses capitalistas e a “digitalização da Administração Pública” é mais um slogan para encobrir a vigilância e o controle dos cidadãos.
Mas, um dos aspectos mais bizarros poderá ser mesmo a dita imigração “regulada e humanista”. Na apresentação na AR, o PM foi ao ponto de dizer o que realmente pensa: controlar o imigrante, que deverá respeitar os valores e os costumes dos portugueses, uma afirmação neo-colonial e ideologicamente ligada ao racismo e a todos os fascismos. Só faltou dizer que, para além dos “valores” e “costumes”, os imigrantes teriam que assumir também as mesmas formas de vestir e de comer. 
Claro está, nem uma palavra ao genocídio em curso, que não é (imperioso sublinhar!) nenhum conflito, mas sim uma ocupação brutal da expansão sionista, patrocinada pelo império norte-americano e pela dita “união europeia”. A hipocrisia neste campo é igual ao apoio ao extermínio. 
 
E depois de tudo isto, do exacerbar dos “valores” das direitas extremas, plasmadas no Programa, declarada e assumidamente ideológico (que bem encaixa aqui a classificação das direitas a tudo o que não concorda), o Partido Socialista, pela voz do seu novo “chefe” vem estender o tapete à Direita, dizendo, em primeiro lugar, “estamos convosco nas questões da justiça, da segurança interna e da defesa”. A sua crítica pífia à inclusão de propostas dos outros partidos no Programa (“isto é plágio”) e a afirmação de que o PS não será "o suporte do Governo" no parlamento, mas sim "uma bancada da oposição responsável, firme, construtiva e alternativa", contrasta com a “disponibilidade para convergências” e apenas representa o triste panorama de um partido que se diz “socialista”, quando é hoje a maior excrescência “democrática” da subordinação total  da social-democracia dos interesses neoliberais, da burocracia inapta e incapaz, da subordinação e submissão. Nem disfarça ser uma bengala da Direita. Independentemente do elevado respeito aos seus militantes de base, o PS é hoje (como sempre foi e muito poucos o admitiram..) a traição ao movimento operário, aos trabalhadores. O Partido que, pela incapacidade absoluta em responder firmemente aos anseios dos trabalhadores, foi o principal responsável pelo ascenso do fascismo. Foi antes,  o coveiro desses anseios, estando hoje travestido, para segurar alguns postos que detém na burocracia do Estado e nalgumas autarquias, onde desempenha muito bem o papel servil dos interesses do dinheiro e do poder burguês. A “boa fé” do Partido Socialista é hoje igual à da Direita, apenas diferindo na forma matreira como é utilizada.
 
A rejeição ao Governo e ao seu programa poderia até ser um momento interessante. A capacidade de rejeitar deverá entretanto assumir outras formas bem mais “interessantes”. Uma vez que o poder burguês continua a sua marcha para liquidar alguns pequenos vestígios da Revolução, o ataque só terminará quando não restar nenhum. A organização dos trabalhadores deverá ser equacionada urgentemente de modo que o poder que representa fique bem ilustrado nas lutas pelos seus direitos fundamentais. A resposta aos ataques à lei da greve deverá ter uma resposta firme. A ocupação dos espaços da Cidade deverá constituir-se como a força alternativa que se impõe. Nada é inevitável, a resistência é necessária, mas não suficiente.
 
A “boa fé” da Direita é uma espécie de caridade, intolerável e inadmissível. Deverá ter um contraponto imediato. Bom e despido de qualquer fé.
 

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