07 fevereiro 2010

Seduzido e Abandonado (parte I)



Seduzido pelo triplo brilho da beleza, do infortúnio e da nobreza…”

Balzac (A Mulher Abandonada)




A expressão pode ser aplicada a qualquer um(a), constituindo aliás um facto recorrente nos tempos que correm. Há sempre coisas que acontecem na vida, que de madrasta que é, nos finta e dribla, nos dá a volta, por baixo ou por cima, conforme os casos, a disposição e o livre arbítrio, que dizem ser uma das faces da democracia que vamos tendo (…). Seria fastidioso recorrer aqui a elegantes figuras de estilo, mais ou menos na moda, para descrever o que afinal não tem descrição possível. Nos casos mais agudos, o interessado é sempre o ultimo a saber, o que sendo grave, não parece constituir problema, para quem à partida se assume como tal. Está bom de ver que a especulação à volta deste interessante tema, a nada leva, a não ser ao(s) próprio(s), em termos de introspecção, quiçá para remediar alguns males menores.
Com todo o respeito que me merecem algumas (muitas por sinal) figuras que até representam história e para não referir as(os) amigas(os) que a ele pertencem, reporto e dedico estas crónicas (sendo esta uma primeira e englobante peça) ao Partido Socialista. Que se diz e se pretende herdeiro dos ideais da República. Pelo menos. E também da liberdade e da democracia, que hesito em escrever em maiúsculas, talvez até para não lhes restringir âmbitos, nem fronteiras.
A liderança actual, que conduziu á conquista de uma das maiorias absolutas mais significativas após o 25 de Abril, empolgou na verdade os dirigentes e o próprio Secretário-Geral. Contudo, a trajectória errante, que caracteriza os chamados “partidos do poder”, veio a delimitar a hipotética base de apoio que “deveria” confirmar a maioria absoluta, tendo conduzido ao que se conhece, nomeadamente a uma escorregadia maioria, perigosa e manhosa, mas que no fundo até talvez não desagrade aos teóricos académicos simpatizantes do “centrão”. Sobre o qual tenho uma posição definitiva, mesmo sabendo os riscos do termo “definitivo” (que desafia a dialéctica): o pântano. Assim mesmo,” terreno encharcado de água estagnada, lodaçal, charco, atascadeiro, tremedal, atoleiro,…” . No “pântano” se afundam geralmente os que, em águas turvas navegam, ao sabor das meias-tintas, dos compromissos contranatura, das alianças duvidosas, dos imperfeitos pretéritos. As conciliações impossíveis, por querem abranger interesses inconciliáveis, normalmente designadas “a bem do País” e que se podem “traduzir”: a bem dos mesmos de sempre. Aliás, basta vê-los a repartir lugares de topo na administração pública e nas grandes empresas, sempre com os “outros companheiros” do centrão.
A recente “negociação” do Orçamento de Estado para 2010 é o retrato fiel das considerações até agora escritas. Para o bem do País, a aproximação à direita (e extrema-direita) parlamentar não é somente uma deriva regular; encara e retrata uma vocação conservadora e espelha fielmente a escolha dos caminhos a trilhar, num futuro breve, por um Governo de burocratas e tecnocratas de estatura mediana. Mesmo as tímidas medidas de restringir alguns benefícios da Banca, dos vencimentos dos gestores, estão manchadas pela manutenção dos privilégios daqueles que supostamente são os causadores da tal crise mundial, que serve de pretexto para tudo e mais (ou menos?) alguma coisa.
Mesmo assim, a direita não fica satisfeita e quer mais, sempre mais. É por isso que a sedução direitista, irá levar mais tarde ou mais cedo, ao abandono de um putativo acordo de princípio. Temos então, um Partido seduzido e abandonado. Aliás, a estranha votação da Lei das finanças Regionais, é a prova mais evidente do sentimento “abandonado”. Mas, a isto voltarei, porque vale a pena esmiuçar a coisa.

Para mal de vários pecados, o mesmo Governo treme de novo com algumas “calhandrices”, a saber, coscuvilhices e mexeriquices, espécie bem portuguesa, delimitada aqui e além, por laivos de ignorância mal contida. O certo é que as coisas vão-se sabendo, algum fumo paira no ar, mais uma vez, o pântano. Contudo, a sedução não deixa de ser perigosa: ou conduz á paixão, ou ao desastre do abandono.

Fim da primeira parte.

07 Fevereiro 2009
Alf




Uma fábula chamada “Caim”








Dele disse um dia ter escrito uma das belas obras do século XX: “O ano da morte de Ricardo Reis”. Sobre o homem e a sua Lisboa, uma fantástica alegoria da vida e da morte. Sobre ele, escrevi mais vezes, de uma forma geral quando publicava qualquer coisa. Suspeito serei pois de gostar de ler Saramago e de objectivamente ser pouco objectivo, redundância perdoada à partida. Volta a escrever agora, incomodando conservadores de todas as matizes, consciências pesadas e enfeudadas em estereótipos e arquétipos à medida da sua (deles) curta visão de detêm da realidade, mas que sempre tentam impor aos demais. Fantasmas e medos de um passado que não capazes de reinventar. A estória de Caim é uma reflexão séria e, ao mesmo tempo, divertida: um misto de lenda, ficção, humor e ridículo. Que faz pensar, questionar, especular e até (porque não dizê-lo?) esmiuçar…
O homem e a divindade: o poder absoluto e um poder relativo, assim um pouco à medida do possível. Ou a luta pela autonomia, na realidade falaciosa e sempre condicionada. O diálogo de caim com o deus é um reflexo do diálogo do cidadão com o poder, nos dias de hoje: é interessante, politicamente correcto, mas na prática, não dá mesmo. As viagens no tempo do homem que quer mesmo enfrentar deus, ao ponto de eliminar cirurgicamente um a um, uma a uma, os humanos da arca; porque deixa de acreditar na dita espécie, que entretanto irá vingar 2 mil e dez anos (para já…); ele que apenas quer (e não é o queremos todas(os)?) fruir a vida e a liberdade.
O jardim do éden, que afinal existe mesmo para uma data de privilegiados, “…charlatões e charlatonas /discutem dos seus assuntos /repartem-se em quatro zonas/instalados em poltronas”, imagem mais que possível. Onde tudo existe à mão de semear, mas contudo bem guardado, afinal bens e riquezas, ao dispor das regras impostas pelos senhores de um mundo cada vez mais injusto, exclusivo e cada vez mais perigoso. Um mundo que desqualifica, limita e reprime os que tentam sobreviver e/ou que lutam pela liberdade e pela inclusão. Em “Caim” pode ver-se qual a qualidade da tal "Democracia” que nos ensinaram e que está a dar neste momento lições exemplares a todo o Mundo, a todos os mundos…

Alguém disse um dia que talvez este seja mesmo “Um Mundo ao contrário”. Saramago exalta o homem que desafia o deus arrogante, injusto, exclusivo e repleto de caprichos, (mais ou mesmo idiotas), que faz o que lhe apetece e quem se diz insondáveis serem afinal os seus desígnios. Para todas(os) que querem e que intervêm para a mudança, tudo isso não passa de mais um devaneio. Todavia, a atenção que porventura prestamos, nunca será demais, sendo porventura um dos ensinamentos que podemos extrair da obra.

Aos que ora reclamam /vociferam pela liberdade de expressão convém lembrar 2 abjectos personagens, que não sendo bíblicos, bem poderiam figurar entre os que, á boa tradição inquisitória, são capazes de “horrores, incestos, traições, violências, carnificinas”, de que fala o Autor: os PSDs Mário David e António de Sousa Lara; o primeiro ao declarar “abdique da nacionalidade portuguesa”; o segundo, ao considerar “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”, de “blasfemo”, tendo chegado ao ponto de o vetar, na qualidade de Sub-Secretário de Estado adjunto da Cultura, de uma lista de romances portugueses candidatos a um prémio europeu.


05 Janeiro 2009
Alf
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Citações:
o José Saramago
o Sérgio Godinho
o Tim / Zé Pedro (Xutos & Pontapés)

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Nota final: este texto foi escrito a 24 de Janeiro, uns dias antes da brilhante palestra do meu Amigo Tozé (o escritor António José Borges), que teve lugar a 27 de Janeiro, na Sociedade da Língua Portuguesa, sobre o tema em apreço. Constituindo matéria de pesquisa, no âmbito da sua tese de doutoramento sobre Saramago (que aguardamos ansiosamente a publicação), a palestra foi ainda um momento de aproximação de ideias, conceitos e de pessoas. De reflexão também. Bem hajas por isso Tozé!

03 fevereiro 2010

Foi bonita a Festa, pá….

"Foi bonita a festa, pá
fiquei contente…
Sei também como é preciso, pá
navegar, navegar…
Canta a Primavera, pá
manda novamente algum cheirinho de alecrim

“Tanto Mar” (extracto), Chico Buarque, 1976




Um dia pleno de alegria, um sentimento que nos atravessa, dificuldade de conter as emoções, elas que são o sal e a terra. O fogo também, que nos conforta e nos aquece por dentro. Afinal, os elementos estão connosco, é a solidariedade que nos convoca para a Festa. Não bastasse a satisfação por ver a profissional, com a dignidade, profissionalismo e respeito que nos merece, a ser eleita para um lugar que lhe assenta como uma luva, mas ainda o facto de reencontrar a Amiga, após mais de 15 longos anos, com a frescura que é uma marca da sua personalidade. Fiquei pois muito contente, é gratificante um dia assim e se a vida é feita de momentos uns mais e outros menos, que este o seja simplesmente, o momento em que o cravo de Abril que o Poeta canta, ganha de novo a cor que lhe pertence. É para ti, a flor que deixo, com o carinho que nos faz os olhos húmidos de sentimento incontido. Sabes, sabemos todos, os que estamos contigo hoje, o que vai ser preciso navegar. Mas, “navegar é preciso, viver não é preciso…”, lembras-te dos anos em que partilhamos ideais e espalhávamos confiança? Pois agora, neste barco navegaremos contigo, com a mesma confiança de outrora, com a mesma determinação e mesmo espírito de vencer Tanto Mar. E agora, que a Primavera não tarda, vamos trazer o tal “cheirinho de alecrim”, que pode ser o sinal da diferença, da inquietude dos livres-pensadores, da vontade e do empenhamento humanista. Que se reflecte, por exemplo, quando dizes que “ a participação cultural e social é também consciência dos direitos de cada um e dos outros – os Direitos Humanos como referência universal –, consciência crítica e solidária com outros povos, com o ambiente, com o desenvolvimento sustentado numa visão global e conectada do mundo, dos seus problemas e soluções”.

O barco, noite no céu tão bonito /Sorriso solto perdido / Horizonte, madrugada / O riso, o arco, da madrugada”. Pode ser o nosso compromisso, o teu compromisso “O compromisso comum, onde o sentimento genuíno de coesão se alicerça…”, ou ainda “integrar, sem exclusões, intervir na sociedade de forma sólida, sustentada e reconhecida…”. O barco vai de saída, mas tu não vais navegar à vista, mas sim com sentido de estratégia bem claro, definido e assumido. No barco, estamos contigo. Bem hajas, querida Amiga!

02 Fevereiro 2009
Alf

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Citações:
o Caetano Veloso
o Chico Buarque de Holanda
o Fausto Bordalo Dias
o Fernando Pessoa
o Rosário Gâmboa





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