17 outubro 2010

O post do desassossego
Um post do desassossego
O desassossego de um post





Imagem: http://blog.umfernandopessoa.com/




Tenho em mim todos os sonhos do mundo…”

In “Tabacaria”, Álvaro de Campos


Do livro fez um filme. Do filme nasceu este post. O João dizia que é um filme bonito, que não sabe se será um filme bom, que serão precisos 20 anos para saber isso. Talvez. O que conta é a obra. E essa dá para ver, para pensar, para inquietar. Para desassossegar, como convém, em tempos de calmaria, de recusa ao acto de questionar, porque é mais fácil deixar andar, deixar de pensar. "Benditos os que não confiam a vida a ninguém", dizia o Bernardo Soares. Como o Filme é actual, a asserção é mais actual ainda, um sinal de inconformismo, tens que ser tu o dono do teu próprio destino, tens que ser tu a viver, muito embora “Viver não é preciso, navegar é preciso”. Naveguemos pois como fez o João, pela arte do cinema, pela democracia da luz, no contraste com as sombras. Sombras de um tempo difícil, mas sempre necessário para a descoberta, quanto mais não seja de si próprio. É na sombra que descobrimos a luz que outros nos parecem querer subtrair. Bernardo “encontra” Fernando e entrega-lha o texto. Do desassossego. Da ironia ou da utopia? Ambas e uma só, transportadas para uma actualidade “Irrita-me a felicidade de todos estes homens que não sabem que são infelizes. Por isto, contudo, amo-os a todos. Meus queridos vegetais!”. João transporta Bernardo á Lisboa actual, do restaurante da lagosta à sopa dos pobres, colocando nas vozes a democracia da palavra, a ironia do gesto, a utopia dos sonhos: “Alguns têm na vida um grande sonho e faltam a esse sonho. Outros não têm na vida nenhum sonho, e faltam a esse também." E depois, "Deus quer, o homem sonha, a obra nasce". Coragem é a OBRA do João, sublime protótipo do desassossego!

Fica bem Amigo, eu aprendi a lição! "Claro em pensar, e claro no sentir, / e claro no querer".
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Citações e referências:
o “Mensagem”, Fernando Pessoa
o "Livro do desassossego"‎, Fernando Pessoa
o “Tabacaria”, Álvaro de Campos
o “Poesia”, Fernando Pessoa
o "Vidas", Plutarco

05 outubro 2010

VIVA A REPÚBLICA I.R.C!



Uma república sem cidadãos de boa reputação
não pode existir nem ser bem governada;
por outro lado, a reputação dos cidadãos
é motivo de tirania das repúblicas…”
Maquiavel











Quero também celebrar os 100 anos da República em Portugal, de uma forma especial. Que pode ser apenas a minha interpretação. Que espero não seja só a minha interpretação. Que sirva para passar uma palavra de ordem. Estranha que seja á primeira vista, tem uma razão de ser. E não é aquela que pode transparecer da sigla que levará a interrogações legítimas a quem lê. Insubmissão, Radicalismo e Cidadania poderá então ser o lema, para lembrar as mulheres e os homens que a 5 de Outubro de 1910 tiveram a lucidez e a ousadia de derrubar a monarquia e proclamar a República em Portugal. 100 anos é tempo suficiente para pensar pelas linhas tortas. Pensar e agir. Penso agora, imagine-se, nas palavras “sensatas” de Cavaco Silva: “é preciso rigor, bom senso e contenção verbal”. E ainda na unanimidade entre Cavaco e Sócrates, recolhida na comunicação social de hoje: “As comemorações oficiais do Centenário da República ficaram hoje marcadas pela convergência do Presidente da República e do Primeiro-Ministro em torno da necessidade de "coesão nacional", para enfrentar as dificuldades que o país atravessa.” (1) Contraponho:


Insubmissão; o ser crítico, atento e não confortado com a realidade, que é para transformar e não para aceitar como inevitabilidade; o ser livre de espírito e corpo, o querer participar e intervir como agente de transformação; o “ser realista, exigir o impossível(2); quando Sócrates se “revolta” contra a “agitação irresponsável e demagógica”, está a dizer precisamente que nos acomodemos, que sejamos submissos; é contra tal, que somos contra!

Radicalismo; ser radical, defender as suas ideias, mesmo que sejam aparentemente contra o pensamento dominante, único, tão perigoso nos tempos que correm; eram assim os pensadores da República; lutar contra a demagogia “moderna” que tenta confundir radicalismo com fundamentalismo, sabe-se bem porquê.

Cidadania; o ser cidadã(ao) de pleno direito: exigir direitos, sem esquecer os deveres; contra quem quer impor deveres e esquece sistematicamente os direitos; direitos a que temos direito: um salário digno, a igualdade perante a justiça, a inclusão social, a educação e a saúde para todos, uma vida plena de satisfação, numa sociedade igualitária e global.
Para os que pensam que os desmandos da I República contribuíram para o golpe fascista de 28 de Maio, diremos simplesmente a verdade: o golpe não foi feito contra a situação, mas sim contra os ideais e os conceitos. Essa a verdade.

Viva pois a REPÚBLICA I.R.C!
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(1) Jornal Expresso, in: http://aeiou.expresso.pt/cavaco-e-socrates-querem-coesao-nacional=f607440
(2) Pensamento de Herbert Marcuse (Maio 68)

01 outubro 2010

A ignóbil ameaça
Parte2: onde se fala de comoção, submarinos, insónias e FMI


Foi muito comovente ver o PM de Portugal “de coração partido” ao anunciar as Medidas de Consolidação Orçamental para o Orçamento de Estado (OE) 2011. Igualmente confrangedor foi a revelação do ministro Teixeira dos Santos ao afirmar que tinha dormido mal, mas que não era capaz de dormir (…) se não tomasse as ditas medidas. Adensa-se a nuvem negra que sobre este Governo cai, ao ver o seu principal parceiro, “o principal partido da oposição”, um “partido responsável”, insensível á comoção e a insónia. Cairá então em saco roto o pedido patético de Almeida Santos “não se pede ao PSD que concorde e ou que se responsabilize pelas duríssimas medidas que o Governo anunciou, apenas que viabilize o OE”? É uma pena, uma dor de alma tremenda ver tamanha insensibilidade da parte do parceiro privilegiado. Uma injustiça, portanto.

Sabemos bem o quanto o PSD se preocupa com os trabalhadores e as camadas mais desfavorecidas da população portuguesa. E o CDS também, ao glorificar a “lavoura”, ao penalizar os malandros que auferem subsídios para não trabalhar, eles que tanto trabalham para o povo, a começar pelo glorioso líder Paulo Portas que se preocupou em adquirir submarinos, que tanta falta fazem ao povo trabalhador, a ponto de ter endividado o País, em mais de 1.000 milhões de euro, só para proteger a costa portuguesa dos ataques mais que prováveis dos perigosos comunistas que andam por todo o lado a destabilizar e a fazer greves. Eles, todos juntos, aliados, coligados ou simplesmente amigados, que há 34 anos a esta parte determinam o futuro do País, sempre em nome do “interesse nacional”, do “sentimento patriótico”, colocando sempre “o interesse nacional acima do interesse partidário”. E que dizer do seu dilecto presidente, esse homem que foi ao Congresso da Figueira da Foz apenas para fazer a rodagem do carro e, por lá ficou durante dois mandatos e que, com a autoridade de grande economista, apesar de não ser executivo, ainda dita os seus pareceres, na defesa da pátria?

Algumas curiosidades, apenas para lembrar, para recordar, ou simplesmente para acordar consciências, quiçá menos atentas.
1. O custo dos tais submarinos, um valor aproximado de 1,3 mil milhões de euro, equivale à poupança contidas nas “medidas” nos cortes de salários e benefícios sociais, 1.000 milhões de euro. Contudo, àquele valor deveremos acrescentar a despesa operacional estimado neste tipo de navio de guerra em 10% do custo em estaleiro por ano, ou seja, em 20 anos, 1,8 mil milhões de euros, o que daria 3,75 mil milhões, quase sem impostos porque é tudo feito no estrangeiro.
2. Idem para a receita prevista com o aumento de 2 pontos percentuais da taxa normal do IVA, 1.040 milhões de euro. Todavia, este valor poderá ter efeitos recessivos no consumo das famílias e no aumento da evasão fiscal.
3. Com os cortes sociais anunciados, 383 mil crianças e jovens vão ficar sem abono de família. 4. A transferência do fundo de pensões dos trabalhadores da PT para o Estado permite um encaixe imediato na casa dos 1.600 milhões de euros, com a vantagem de assegurar a descida do défice deste ano de 9,3% para 7,3%. Claro que tal não é senão um truque contabilístico usado in extremis por um partido que sempre criticou Manuela Ferreira Leite ou Bagão Félix por causa da "manigância" das receitas extraordinárias. Quem se lembra ainda da titularização da dívida fiscal ao CITIBANK?
5. Em 2009, 9,5% do PIB português foi transferido para o estrangeiro para pagar juros e lucros, a banca financia-se a 1% e cobra uma taxa de juros 6 vezes superior. Segundo o Prof. Jacinto Numes, antigo governador do Banco de Portugal, “a dívida da banca portuguesa ao Banco Central Europeu (BCE) deverá corresponder a 30% do PIB, ou seja, a cerca de 50.000 milhões de euro”. O grande negócio actual da banca a operar em Portugal é o seguinte: financia-se junto do BCE pagando uma taxa de juro de apenas 1%, e depois empresta aos portugueses e ao Estado esse dinheiro cobrando uma taxa de juro muito mais elevada.
6. O digníssimo FMI afinal não concorda com as “medidas”, porque considera que vão no sentido da recessão económica, ao invés do que era (é?) pretendido. Então em ficamos? Não era esta uma das imposições?
7. A redução do défice orçamental traduz-se no seguinte: em cada 10 euro, 7 são pagos por cidadãos e empresas e os outros 3, resultam de poupanças do Estado. No total, a diminuição dos gastos de funcionamento será de 0,6% do PIB - o corte nos salários, do qual resulta uma redução de 5% na massa salarial (cerca de 435 milhões de euros só contando com Administração Central) é a maior fatia.

Para aprofundar a situação das famílias, em termos do que terão que pagar a mais, daqui por diante, temos a notícia de 30 de Setembro, relativa aos aumentos previstos nas taxas Euribor, no valor de 0,16%. E já agora, a nota do IEFP (mesma data) que dá conta do aumento do período que os desempregados levam a encontrar emprego: 13,4 meses, contra 12,5 meses em finais de 2009; a nota do IEFP acrescenta que existem neste momento 90,4 mil pessoas sem emprego há mais de 2 anos. Qual a resposta a estas (e outras mais) situações? Cortes no subsídio de desemprego e redução das prestações sociais, ou seja: atingir precisamente as vítimas da crise.

A ironia será porventura uma das formas que poderemos utilizar para demonstrar (se tal é necessário…) a incoerência militante deste Governo e ainda mais a hipocrisia da direita que temos em Portugal. Uns e outros irão um destes dias acordar mais um orçamento de miséria que penalizará os mais desfavorecidos e que, pelos vistos, nada irá resolver, em termos substantivos.
A ignóbil ameaça, entretanto, continua.
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Fontes:
Portal do Governo: http://www.portugal.gov.pt/pt/GC18/Governo/Ministerios/MF/Documentos/Pages/20100929_MFAP_Doc_OE2011.aspx
Banco de Portugal, “Indicadores de conjuntura”, pág. 6: http://www.bportugal.pt/ptPT/EstudosEconomicos/Publicacoes/IndicadoresConjuntura/Publicacoes/ind_set10_p.pdf
Eugénio Rosa: http://www.eugeniorosa.com/Page/1050/ÚLTIMO-ESTUDO.aspx
Luís Ferreira Lopes, Editor de Economia, SIC
Bruno Faria Lopes, Jornal i
Sandra A. Simões, Semanário Económico

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