21 janeiro 2011

Manipulação, aldrabice, descaramento…

Por vezes a mentira
exprime melhor do que a verdade
aquilo que se passa na alma


Do Livro dos Conselhos

Ultimo dia de campanha, marcado pela desfaçatez de Cavaco ao propor um imposto extraordinário sobre os rendimentos e ao dizer que havia outras soluções que não os cortes de vencimentos. Criar um imposto para os ricos, ele que patrocinou sempre a defesa dos interesses daqueles é, para além de um exercício rasca de demagogia e de caça ao voto dos incautos, um descaramento só possível de um homem que mente, que engana, que insulta aqueles que julga representar. Envolvido, se sabe hoje, em mais uma data de ilegalidades e de fraudes fiscais relacionadas com a moradia do Algarve, o homem tem ainda a ousadia de ameaçar o País com o fantasma patético de uma subida das taxas de juros da divida soberana, caso haja uma segunda volta.

É bom que saiba que alguma comunicação social o leva ao colo. O grupo Marketest fez, uma vez mais, a encenação para a montagem de uma putativa vitória. E logo à primeira volta. Numa sondagem do inicio da semana, a empresa, aliada à TSF e Diário Económico atribui a vitória a Cavaco, com mais de 70% dos votos. Esta sondagem é feita com base numa ficha técnica onde, por exemplo, são inquiridas 155 pessoas no Litoral Norte, sem inclusão do Grande Porto, quase no mesmo número que em Lisboa, onde existem 2,5 milhões de eleitores e onde o Interior Norte tem 181, ou seja mais 25 que a Grande Lisboa. Isto não é uma sondagem, mas muito simplesmente uma fraude montada por quem de direito (!) para manipular o eleitorado e condicionar o seu voto. Aliás, o “parceiro” TSF tem vindo a desenvolver uma insidiosa campanha de manipulação da opinião pública, desde há muito tempo, valendo-se do estatuto que julga ter, de maior rádio do País. Diz a Marketest “Desenvolvemos Estudos para fornecermos aos nossos clientes Informação com Qualidade, Rigor e Independência prestando assim, um serviço de reconhecido valor acrescentado(a) . Nota-se mesmo o Rigor, com maiúscula e tudo! Em sucessivas eleições, as suas “sondagens”, nunca sequer se aproximaram da realidade. “Aldrabice pura e dura(b) , assim o classifica hoje, de forma clara, António Vilarigues. Nem mais!

Estes são os agentes dos donos de Portugal. Desmascará-los é pois a palavra de ordem. Bem vistas as coisas, num estado de Direito, esta empresa e os seus aliados deveriam ser avaliados pelo mau serviço que fazem e que prestam ao País. Estamos no direito de presumir por quem são pagos para emitirem tais desmandos. A forma como transmitem as notícias, a interpretação que delas fazem, a forma como as apresentam (Cavaco chega aos tantos por cento, Alegre não consegue mais que…, Francisco só atinge…), sem o mínimo de rigor e imparcialidade, com toda uma carga intencional onde se discorre um único objectivo.

Uma vergonha!
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(a) Site da Marketest, in: http://www.marktest.com/wap/a/q/id~c7.aspx
(b) Jornal “Público”, 21 Janeiro 2011, página 38

18 janeiro 2011

Ele e Ele…



De todas as coisas seguras,
a mais segura é a dúvida


Do Livro dos Conselhos





Fez a desdita que um dia subisse das profundezas do País obscuro, o personagem cinzento que, a propósito da rodagem de um vulgar automóvel e encalhasse algures na Figueira da Foz, para salvar o partido e, quem adivinharia então, a pátria. Saber-se-ia depois o seu apego às coisas singelas da vida pequeno-burguesa, quiçá retrato de um País ainda mal refeito de uma revolução, cujas marcas por ele não teriam eventualmente passado. Do pouco que dele se conhecia, ficariam entretanto tristemente célebres os registos do tabu, do homem que não tinha dúvidas e raramente se enganava, que não lia jornais. Professor de Finanças, 1º Ministro, um caminho curto e rápido, para meter o país na ordem, dos desvarios revolucionários, radicais e extremistas. Expressão firme e hirta, fala contida, tremeliques de palavra, algum desdém pelas regras democráticas, desprezo quase constante pelo contraditório, termo que aliás não caberá no seu parco vocabulário. Após um interregno sabático, em que se terá dedicado ao aprovisionamento de alguns duvidosos títulos da banca, eis que o homem consegue a Presidência, fruto de uma dádiva confucionista da esquerda maioritária, num arremesso de autoridade que, no final do mandato era por demais notório, Se tivessem ouvido os meus conselhos


Do outro lado, enterrado pela História, o outro ele poderia segui-lo com alguma expectativa, se a natureza não fosse o que é. O mesmo percurso, a mesma contenção, os tiques mais ou menos autoritários, uma assustadora réplica que, podendo parecer desajustada, não o é contudo na forma e quiçá no conteúdo. Dois exemplos porventura significativos. A forma como ambos se referem à Mulher e à Pobreza. Que bem que ficaria Maria, nos chás de caridade do Movimento Nacional Feminino, a recitar banalidades e a arranjar madrinhas para os soldados. O ele da direita poderia fácilmente dizer da governanta, “Esta é a minha senhora. Esta senhora trabalhou praticamente a vida toda. Sabe qual é a reforma dela? Não chega a 800 euros por mês. Foi professora em Moçambique, em Portugal, nunca descobriram a reforma dela. Portanto depende de mim, tenho de trabalhar para ela. Mas como ela está sempre ao meu lado e não atrás, merece a minha ajuda(a) . As palavras valem o que valem, não merecem qualquer comentário, mostram porém a pequenez de espírito e a moral de quem as profere.


Do ele da esquerda, salvo seja, diria Defensor porventura a frase mais emblemática da campanha, “Não suportou que eu o olhasse nos olhos…” (b) . Desconcertante constatação, o homem de facto não olha para nós, aliás não é capaz de sorrir, apenas de um esgar de tédio mal disfarçado. Gosta de mandar, pois pensará, como o outro, que é um desígnio dos homens providenciais, “Se soubesses o que custa mandar, gostarias de obedecer toda a vida(c) .


Num gesto incontido, como na imagem, a mão direita levantada poderia, talvez um pouco mais esticada, assemelhar-se à saudação preferida do outro, num arrebato típico do palhaço Strangelove (d) . A distância que os separa, que nos separa, não permite devaneios destes, que nos perdoe a asserção, fica somente o registo, só para se saber que a gente não esquece.
O ele que já foi, quando confrontado, mandava-nos para a PIDE, o ele que existe, quando acossado, manda-nos para o site. Sublime diferença, típica da era digital, da sociedade dita da informação. Sobre ela, e nela, tudo é aparentemente viável. Tudo é virtualmente possível. Até fabricar e manipular sondagens que, desde muito antes do início das campanhas, orientam o dito eleitorado, figura suprema da democracia representativa, guindada aos píncaros da bondade do voto directo e isento. Nada mais falso, há agora, muito mais que no tempo do outro ele, todas as possibilidades de eleger um macaco para presidente, se essa for a vontade dos donos de um qualquer poder.


Num exercício de liberdade criativa o ele vivo decerto iria subscrever, como muitos já o fazem e não pensam nisso, a sentença fatal do ele já morto, “Quem se coloca no terreno nacional não tem partidos, nem grupos, nem escolas...” (e).


Alguma coisa de válido neste ele que ora se perfila para mais 5 anos? Nada encontro, por mais que procure. Fez roteiros para a inclusão, pois sim, só se foi para nos incluir no seu pensamento retrógrado e retorcido. Com ele, Portugal ficará decerto mais cinzento, mais injusto e mais desigual. Haverá quem nele encontre algo de interessante? Claro que sim, o termo não é pacífico sequer, uma vez que deriva de interesse; e ele defende mesmo interesses, só que nenhum dos interesses que lhe interessam, me interessa particularmente. De todo.

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(a) Discurso de Cavaco Silva, Ponte de Lima, 14 Janeiro 2011
(b) Revista “Visão”, 13 Janeiro 2011
(c) Referência a uma das “máximas” da A. Oliveira Salazar
(d) Referência à obra co-escrita, dirigida, produzida e realizada por Stanley Kubrick , “Dr. Strangelove”; filme, EUA, 1989
(e) Salazar, A. Oliveira, "Discursos”, Lisboa, 1935


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