24 abril 2015


Não bastam as palavras cândidas da deputada Inês Medeiros a descansar quem outra coisa possa pensar sobre a medida tomada ontem e divulgada hoje, pelo arco do poder que domina o País há 40 anos. Na data simbólica em que celebramos o 25 de Abril, eis uma reedição do 24 de Abril. Nem mais. Exame prévio é a realidade que conjecturaram para as condições especiais a observar para a cobertura da próxima campanha eleitoral. Que a direita aproveite este dia (o 24) para se reafirmar perante um eleitorado que ainda sonha porventura com um salazar em cada esquina, nada a estranhar. Que o Partido Socialista venha renegar mais uma vez os conceitos e princípios que levaram a sua constituição, já soa esquisito para um eleitorado que ainda acredita numa alternativa, ou seja que ele possa ser uma alternativa à direita. Que o cravo seja sempre vermelho e não se transforme na rosa que vai continuamente murchando, dia a dia, hora a hora, uma mutação completa, uma máscara assustadora, que veste pele de cordeiro e até parece ser simpático, falando para as pessoas, a cidadania no discurso pretensamente diverso de uma direita conservadora, castradora e socialmente devastadora.
Há agora, ou sempre houve mais ou menos disfarçado, um machado que quer mesmo cortar a raiz ao pensamento. E porque este é livre como o vento, “…não há morte para o vento, não há morte”, assim o diz o Poeta, “…Nada apaga a luz que vive num amor num pensamento”.
Quis saber quem sou, o que faço aqui…”, penso e canto baixinho a canção que anunciava a alvorada há 41 anos. A revolta de um povo, de um País amordaçado. E revoltado fico, sem encontrar resposta que não seja a permanente inquietação que o Moustaki tão bem relatava, mesmo sem lhe dizer o nome, mas que só podia ser um: Revolução.

O estado de indefinição constante do partido que quer o Poder, para manter as coisas mais ou memos na mesma, deveria merecer melhor atenção. Pelo menos aqueles que nele acreditam ainda, mas que pensam o mesmo que nós, que partilham em sucessivas eleições o mesmo desejo de mudança, um futuro diferente para o País que é o seu, que é o nosso. É mesmo triste que, não sendo capaz de proclamar, nem muito menos promover, a necessária ruptura, se veja constantemente a navegar nas águas turvas da consensualidade forçada, perigosa e enganadora. Não é austeridade, mas austeridadezinha, não é corte de salários, mas somente um pequeno congelamento, não é aumento da dívida, apenas uma ligeira adapatação, não há corte nas pensões, mas apenas pensões congeladas. Não são palavras duras para as pessoas, apenas um discurso mole, outrora devastador, agora muito mais simpático, com um rosto sorridente e pretensamente terno e enlevante.
Mas, de um momento para o outro, surge um ultra rápido consenso que mais parece uma medida de Marcelo Caetano. Uma tremenda provocação aos ideais da Liberdade consagrados pelo 25 de Abril. É com imensa tristeza lembrar desta forma o dia em que nos livramos da opressão. O centrão partidário mostra mais uma vez a sua verdadeira face, um acumular constante de submissão aos asfixiantes aparelhos que suportam, reféns dos grandes interesses e que alimentam personagens de baixo recorte, feitos à medida, uma tremenda mentira ao povo que os elege.

Quando mais logo, pela noite dentro, cantarmos “… o Povo é quem mais ordena, dentro de ti, oh cidade!”, sentiremos decerto um grande aperto na garganta, uma imensa mágoa. Que ao menos, ela se transforme em raiva e fúria e nos leve a agir. Em nome da Liberdade, da Democracia verdadeira, da Cidadania, do nosso 25 de Abril!

 

17 abril 2015




Seria a 28 de Maio de 1969 que a Academia de Coimbra decidia em Assembleia Magna a Greve aos Exames. Seriam mais de 5000 estudantes a votar favoravelmente a proposta da Direcção da Associação Académica de Coimbra. Os acontecimentos seriam precipitados, dia após dia, num frémito constante, num desafio a Salazar e ao poder de uma ditadura castradora e anquilosante. Dizer quando tudo começou seria eventualmente um exercício possível, historiando factos e acontecimentos que o ano de 69 deu à política portuguesa. Mas para muitos, como eu, significou a entrada na Universidade, na cidade onde tudo aconteceu, numa dimensão épica. Costumávamos dizer que só nesse ano viríamos a descobrir que havia ocorrido o Maio de 68 em França. Sim, exactamente 1 anos depois, tal era o nível de conhecimento das coisas naquela época.

Poderíamos então recorrer ao 17 de Abril. Já lá vão 46 anos e havermos de o recordar como se fosse hoje. A mobilização da malta para o edifício das Matemáticas seria trabalho de muitos dias e muitas noites. Sabíamos que viriam os odiosos Hermano Saraiva e Américo Tomás. Um como o outro representavam o pior de um regime caduco e podre. O primeiro, à época Ministro da Educação, era pela Academia chamado “Hermano I, o Firme”, título que obteve de uma famosa intervenção na Televisão, onde declarava “firmeza”, perante a luta estudantil. Seria uma manhã fantástica, com a imensa turbe a dirigir-se para as Matemáticas, mesmo ao cimo da escadaria monumental, um símbolo da Universidade. Tanta gente, tanto empenho, tanta e tamanha luta, um desafio à temível polícia e um regime que agonizava e ao qual demos um valente pontapé. A chegada da comitiva, primeiro em silêncio, depois na tremenda pedrada no charco, quando o Celso Cruzeiro incentiva a nossa entrada no edifício das Matemáticas. Depois lá dentro, os discursos pífios de sempre, a tremenda provocação de ver um estudante levantar-se e muito respeitosamente pedir para falar. Era o Alberto Martins, o nosso líder, o Presidente da Associação Académica, a cara de parvo do Tomás a dizer, “Bem, mas agora vai falar o senhor Ministro das Obras Públicas”. E, quando nos preparávamos para a provocação seguinte, eis que toda a mesa se precipita para a porta, sem qualquer explicação, fugindo dos estudantes, naquela que seria a suprema humilhação do regime. Lembro bem o sítio onde estava, ao pé da porta, eles passaram bem ao lado, uma revolta imensa que não tem descrição em palavras.
Deixamos sair a fantochada de governantes, pides e congéneres. Reentramos na Sala 17 de Abril e aí “inauguramos” o novo edifício. O dia continuaria depois nos jardins da Associação Académica, com intervenções, convívio, um mar de gente, uma imensa onda de solidariedade e ao mesmo tempo de revolta contra a situação.

Bertolt Brecht dizia “Apenas quando apreendemos a realidade é que seremos capazes de a mudar”. Naquele dia percebemos muita coisa. Hoje, 46 anos depois compreendemos o quanto falta mudar…

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