30 dezembro 2019

A TEIA


Notícias que nos vão dando conta de avanços e recuos (mais destes que daqueles), com o aproximar do fim de um ano que fecha uma década, parecem estrelas num céu cinzento, que de tão azul que o queiramos pintar, depressa lhe foge a cor, para o pardo mais condizente. Parda é a cor que melhor ilustra a situação social e política de mais um ano, o último da década. Muitos avançam já, a (ou as) personalidade (ou as) do ano, da década, numa voragem mediática intensa. Quem lê as notícias? Quem tem hipótese de lá chegar? Quem entra (ou não) na tal voragem? Quem é engolido por ela? Quem é trucidado? Quem?
Mas isso importa mesmo?

Tantas perguntas e mais se poderiam fazer. E mais haveria para colocar, ao tal “quem de direito”, da asserção comum. Parece, ao ler o jornal do fim de semana (um semanário muito caro para 20% da população), que existe um problema que, no dizer da autora[i] “ganhou nova centralidade nas análises políticas e económicas após a crise financeira”. De que se trata afinal, apenas isto, coisa tão simples, tão aceite, parece tão natural que passamos por ela, convivemos com ela, apenas “desigualdade na redistribuição do rendimento”. Passando à exploração da notícia, pode ler-se, aquilo que vamos aceitando, com que vamos convivendo afinal, é apenas, “Ricos mais ricos, pobres mais pobres, classe média a aguentar-se. Esta é, em traços gerais, a grande conclusão que se retira da análise a 4 décadas de distribuição de rendimentos em Portugal”.
Chegamos às mesmas conclusões, aceitando e convivendo com elas.
Triste realidade.
Parece que o País se reduz (sempre) ao limitado número de quilómetros quadrados em volta de um terreiro que se chama do Paço. Passo tanto tempo a dizer isto que até acredito que é mesmo assim. Quem tem mesmo de ser assim. 

Recuamos 7 anos, ainda estamos nesta década...
No natal de 2012, conhecíamos o Álvaro, de seu nome completo, Santos Pereira. O senhor até era ministro, naquele emaranhado em que o País sofria uma invasão, não de marcianos como na ficção, mas de uns senhores mandantes, cuja função era simplesmente reduzir-nos a uma colónia, coisa que acabaria mesmo por acontecer, com a colaboração do governo da época, pleno de cabeças pensantes, que apenas orientavam a sua acção, para corroborar e amplificar a sentença de morte mais mortífera que existia, “vivíamos acima das possibilidades”, coisa que não se podia permitir, numa europa civilizada e temente ao império. Queria então o Álvaro esburacar o País, entregando mais de cem autorizações para prospeção e exploração de minas em Portugal.
Ninguém iria decerto vaticinar que uma réplica do Álvaro viria, 7 anos depois, com um discurso diferente, todavia certeiro e tão dirigido quanto o outro. De lítio falamos e temos ora um governo de cor distinta e falamos uma outra linguagem. Falamos?
Diríamos decerto que sim, não fora a realidade madrasta, sempre a trair o coração e o sentimento. E o resto. De facto, a mesma asneira, travestida agora de roupagem nova, muito “mais democrática”, com pinturas de uma Esquerda, que se autointitula reformista e europeísta. Lá está.

Andamos para a frente ou para trás?
Questão de somenos, se atentarmos ao consenso que dizem existir na “sociedade civil” e que vai buscar ao imaginário do chamado “interesse nacional”, o arcaísmo conservador menos rebuscado, pelo simplismo e pelo anedótico. O “é a economia, estúpido”, vale tudo e mais ainda, o amor inconfessado às contas certas e à redução do défice. Tudo sempre, em nome do País e das reformas, não as estruturais do passado, mas as que os poderosos pretendem e determinam. Eles, a banca, os patrões, o euro. Onde está a diferença? 
Queremos impedir que a Direita tome conta da situação, ela que agoniza num mar imenso de contradições, de dúvidas (ainda que pouco) sistemáticas, de guerrilhas pouco dignificantes, até dizer “chega”. Queremos? E afinal, o que fazemos?
E a realidade é demasiado dura e mostra, por exemplo, que a taxa de pobreza dos adultos em idade activa aumentou 0,2 pontos percentuais (em 2018, era 16,9%), a taxa de risco de pobreza da população empregada aumentou para 10,8% (em 2017 era 9,7%) e a taxa de pobreza dos desempregados aumentou para os 47,5% (em 2017 era 45,7%). Quem lê estes dados? Quem se preocupa com isto? Quem?

Estamos simplesmente envolvidos
Na perigosa teia que alguém tece por nós, porque já não tecemos nada que não seja para oferecer a um banco (sem dinheiro, sempre apesar das “injecções”...), a uma empresa que quer vender as barragens, a um operador que leva couro e cabelo, com os preços mais caros da europa, por serviços de qualidade por vezes duvidosa, mas que está “protegido” por uma autoridade tão alta, que mal sabemos enxergar. 
Temos sim opinião livre, votamos ou não? Falamos à-vontade ou nem por isso? Mas será que nos vamos auto-limitando, porque às tantas vamos favorecer algo que não estamos a ver? Afinal quem somos nós, para enfrentar de caras tanta hipocrisia?
Teremos então mais saúde, porque há mais dinheiro para ela, ou para a cuidar, não sabemos bem para onde ele (dinheiro) vai, mas decerto que vai para algum lado, não resta quedo e mudo, tem mesmo que servir algo ou alguém. E se duvidamos, em algum momento, que poderá ir para os bolsos dos privados que dela se sustentam, poderemos estar a cometer uma heresia, de tal forma grave, que pode ser mesmo herética (...) e depois não há remédio que a valha. Haja, pois, saúde.
Valha-nos os aumentos. São de tal forma significativos que o País nem sequer “se mexe”, nas estatísticas internacionais. Mas claro que o dinheiro não dá para tudo, há que abater à dívida. E se quisermos saber, afinal dívida a quem e de que montante, lá estamos a desenterrar de novo o mesmo discurso esquerdizante, que a nada leva, a não ser, ao mesmo de sempre, questionam tudo e não têm solução para nada. Pois.
Negociar para quê, se tenho mais votos que os outros? Mas, já viste que não chegam para as contagens? Sim, mas há sempre um “limiano” à esquina da História, é sempre bom lembrar a recente, que nos ensina a fazer igual, ainda que de forma diferente. Confusos? Ainda bem!

E, podemos dizer que não falamos de flores[ii]?
O Chile, sim, o regresso da repressão fascista a torturar e a matar indiscriminadamente? E o derrube de Morales, com o regresso do fascismo nem sequer encapotado, mais os índios que cheiram mal? E as provocações no Brasil, do fascista investido em presidente? E o americano de cabelo amarelo, que todos criticam e as diplomacias assistem e tacitamente aceitam? Está tudo tão longe, não me afectam afinal, isto é a europa, na qual a NATO nos defende. Espera aí, defende de quem?
Fazemos flores, não falando delas, como saber a flor que nos calha? Somos afinal flor que se cheire? 
Estamos no meio da tempestade e fingimos que nos abrigamos, porque há chapéus de chuva, mesmo fora de Cherburgo...[iii]

Caminhando contra o vento/Sem lenço e sem documento/no Sol de quase Dezembro/Eu vou...”[iv]
E com a Alegria que o Caetano nos brinda, sabendo interpretar no fundo o que ele quer dizer, o que nós queremos (e ainda podemos?) dizer.
Repara que podemos assimilar qualquer coisa da canção que tem a ver com tudo, “Sem lenço, sem documento/Nada no bolso ou nas mãos”, entraremos no Novo Ano, pensando que é “novo”, mas tendo a certeza de muito pouco ter no bolso, apenas a migalha prometida, a benesse possível que entretém, mas que pouco acrescenta à condição. Resistir? Pois sim, talvez, mas agora vem a mensagem do Ano da nova década, somos todos irmãos, ainda que uns mais que os outros, “...E uma canção me consola/Eu vou”.
Temos então (ora sim) o devaneio, que por aqui não é atacado à bomba, na “porta dos fundos”. 
Que felizes que somos. Continuamos a ter “...fantasmas tão educados, que adormecemos no seu ombro[v], um sintoma nada bom para a década que se avizinha. E se pensas que é assustadora a afirmação de Yuval Harari[vi], “Em breve alguns governos e empresas poderão saber o que cada um de nós está a pensar e a sentir”, então trata de te libertar da TEIA!




[i] Elisabete Miranda (Jornalista Expresso), no artigo “Portugal Desigual”, 28 Dezembro 2019

[ii] Jogo propositado com a célebre canção de Geraldo Pedrosa de Araújo Dias, mais conhecido como Geraldo Vandrè, "Pra não dizer que não falei de flores", escrita 1968, para o Festival Internacional da Canção Popular do Rio de Janeiro, inserida no álbum “Geraldo Vandré no Chile”, gravado em Santiago do Chile, em 1969. Proibida durante os anos da ditadura militar, foi sempre um hino de resistência do movimento civil e estudantil.

[iii] Diz a internet que o filme "Os Chapéus-de-Chuva de Cherburgo", foi Palma de ouro do Festival de Cannes, no ano 1964, e que ...”é um dos mais belos filmes do cinema francês, com a sua atmosfera de mágica melancolia onde os apaixonados se cruzam e se perdem. Um filme totalmente cantado, sobre o efémero e a eternidade do amor

[iv] Extracto livre da canção “Alegria, Alegria”, de Caetano Veloso. Um single que foi lançado em 1967 e que integrou o álbum “Caetano Veloso”, do mesmo ano.

[v] Extracto do poema da Natália Correia “Queixa das Almas Jovens Censuradas” (1957), inserida na obra “Poesia Completa”, 1999

[vi] Yuval Noah Harari é um jovem historiador israelita (24 de fevereiro de 1976), autor de obras publicadas em Portugal, como “Homo Sapiens: Uma breve história da humanidade” (2014), “Homo Deus – Uma Breve História do Amanhã” (2016) e “21 Lições para o Século 21” (2018).


02 dezembro 2019

NÃO, “NÃO VAMOS BRINCAR À CARIDADEZINHA” (1) !!!




A jonet galopa mais uma campanha, com o patrocínio do Pingo Doce e do Continente
A jonet vive da cretinice e da parolice alheia, qual figura do Movimento Nacional Feminino e leva atrás dela não sei quantos mil voluntários, para mitigar os pobrezinhos, que não podem nem devem comer sempre bife, palavras dela, na altura em o nosso País foi sequestrado e invadido pela agressão estrangeira da troika e do passos coelho.
A jonet quer transportar-nos para a caridadezinha, qual “senhora de não sei quem/ que é de todos e de mais alguém/ passa a tarde descansada/ mastigando a torrada/ com muita pena do pobre/ coitada...”  (1), assim cantava o Zé Barata, há tanto tempo, lembrando o tempo nefasto do fascismo, em que o pobre era objecto da “pena” e da caridade alheia.
Passaram já tantos anos e a desgraçada da mulher, com o apoio do capital e do mestre sousa, lá anda a falar para as rádios e para a TV, engando o incauto, que pensa que uma sacola de arroz e um pão resolvem os problemas do capitalismo selvagem, responsável por quase 20% dos cidadãos portugueses viverem abaixo do limiar da pobreza.
A jonet é (mais um) rosto da hipocrisia humana, da estupidez e de alguma ignorância, da qual se alimentam as grandes cadeias de distribuição, enriquecendo de dia para dia, mais e mais e explorando os trabalhadores. 
A jonet é um bicho daninho, asqueroso e malformado, um aborto da sociedade idiota em que vivemos.
Pagar para a jonet é contribuir para que a miséria se perpetue.
Acreditar na jonet é acreditar no pai natal da burguesia e nas falas mansas dos patrões.
Acabemos de vez com essa miserável figura, qual supico pinto(2) dos tempos que se dizem modernos, mas em que a modernidade não passa da beatificação da mais pérfida imagem de um passado que muitos gostariam de recrear.
Quem apoia de alguma forma a jonet está a afundar-se na lama podre do fascismo e dos seus apoiantes.
Saberemos esta execrável “fada do lar”,  algum dia terá “...ao peito uma comenda”, porque “...neste mundo de instituição/ cataloga-se até o coração/ paga botas e merenda/ rouba muito mas dá prenda...” (1)
Vamos tirar o tapete à jonet, o seu verdadeiro lugar é o caixote do lixo que cheira mal e é impossível de reciclar.
ABAIXO A JONET!

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(1) extractos do tema “Vamos Brincar à Caridadezinha”, inserto num LP do ano 1977, autor José Barata Moura
(2) referência à “Cilinha” (Cecília Supico Pinto) figura grada do fascismo, líder do Movimento Nacional Feminino, entre 1961 e 1974, que serviu a propaganda da política colonial do regime e responsável, reprodutora e garante da continuidade cultural beata, o principal sustentáculo ideológico do regime deposto no 25 de Abril de 1974.



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