31 julho 2021

A DIGITALIZAÇÃO DA REVOLUÇÃO SOCIALISTA

Por todo o lado, há bandeiras.  

Ruas e praças apinhadas de gentes. Bares, cafés e restaurantes, pubs e discotecas, o pessoal amontoado à porta, mesmo descontando a distanciação física, tudo desperto e expectante por mais um acontecimento, uma etapa necessária da transição anunciada e dada como determinante, para as vidas humanas. 

O autor destas linhas reconhece que estão criadas todas as condições subjectivas para a digitalização da Revolução Socialista.  Faltarão decerto ainda algumas condições objectivas e o fundamento deste artigo pretende precisamente significar uma decisiva contribuição para que tal aconteça. 

 

Sejemos, conjuntivamente, agentes digitalizadores!

A nova Revolução não será decerto 5 estrelas, mas sim 5G.

Nunca poderia ser em Outubro, mas no mês da Web Summit.

A Revolução Cultural será uma espécie de curso de formação de longa duração para reeducar para o pensamento dominante, reinterpretando a liberdade, na sua visão simplificada.

A ditadura do proletariado será substituída pela ditadura neoliberal em todas as suas vertentes, particularmente nas que dizem respeito aos direitos do cidadão, com a propalada “protecção de dados” e outras coisas que tais. 

O financiamento da Revolução Socialista sempre objeto de crowdfunding, ou seja de um financiamento colaborativo, embora obrigatório.

O exército vermelho passará a ser agora azul-celeste, para meninas e rosa-choque para rapazes.

 

Coisas que deixam de fazer sentido:

1. Digitalizar documentos uma vez que já está tudo digitalizado

2. Privatizar, diga-se de passagem, que também já não há nada para privatizar

3. Nacionalizar, que passa a ter como significado, Digitalizar.

 

Coisas que é preciso fazer com alguma urgência:

1. Digitalizar o que ainda não foi digitalizado, caso haja ainda algo para digitalizar (...)

2. Digitalizar a mobilidade terrestre, aérea e fluvial

3. Digitalizar o ar, versão leve de privatização que já não existe, porém.

 

Decisões:

1. O governo deixa de ser “Da República”, passando a ser “Da Rede”, simples e absolutamente virtual.

2. Os partidos políticos continuarão a existir, mas agora em versão PDF e revestidos de película transparente.

3. As comunas serão desinfestadas e, após a desinfestação, transformadas em centros de negócios virtuais.

 

Consequências: 

1. O governo, virtual, terá um número flutuante de ministros e de secretários de estado e eleito via facebook.

2. Os tribunais digitais julgarão os traidores à causa digital, que poderão ter, como pena máxima, a passagem de 5 para 4G.

3. As plataformas continentais passam a ser plataformas digitais

 

Finalmente, diga-se que a questão que hoje deve colocar-se não é decerto se é possível digitalizar a Revolução Socialista, mas sim como se deve fazer a digitalização da Revolução Socialista.

Apesar de haver quem diga que "Estamos a caminho de ser governados por Estados que sabem tudo o que há para saber das pessoas e sobre as quais as pessoas sabem cada vez menos"[i], a verdade é que já falta pouco para o fim da democracia...

A conhecida tese de Vladimir Ilyich Ulianov, "O socialismo significa os sovietes mais electricidade”, será reescrita e passará a ler-ser, “O socialismo do futuro será unplugged e completamente digitalizado”.

O que se determina e não foi determinado, jamais será alcançado!

 


[i] Arundhati Roy, Arquitecta, escritora, e activista indiana.

 


25 julho 2021

 ASSIM MORRE UM POUCO DE ABRIL...

 


 


























OTELO SARAIVA DE CARVALHO

 

Otelo partiu hoje.

Atrás dele está toda a preparação e execução do 25 de Abril. 

Com ele, estão aqueles que acreditaram sempre que era possível derrubar a ditadura fascista. Dele irão guardar a memória do golpe militar que se transformou numa revolução popular, pela liberdade, pelos direitos e pela transformação social.

 

Dele falou a Isabel do Carmo, com aquela autoridade que lhe reconhecemos, dizendo sobre a parte dita não-consensual do Homem de Abril, que nada é, na realidade, consensual, a começar pelo próprio 25 de Abril, com a imagem tão simples, que ele não é de todos, não é o Natal.

Sobre ele opinou, com alguma emoção, o Sousa e Castro, com o à-vontade de quem o prendeu naquele dia triste de Novembro 75, “...estou psicologicamente preparado para ver e ouvir os pulhas que, vivendo em liberdade, vão cuspir de forma grosseira no prato de quem tudo fez e arriscou para lhes dar a liberdade, a liberdade até de serem pulhas...”.

 

Otelo partiu.

Deixa um rasto de saudade, assim o disseram hoje homens e mulheres do meu País, que não esquecem a Revolução, por mais voltas que ela tenha dado, a maioria das quais, a desmerecerem-na. E que também lembram ainda os tempos em que a liberdade estava coarctada e o fascismo encarcerava, torturava e matava indiscriminadamente. 

Dele foi dito que era generoso e afável, até na altura em que foi preso, dizendo sempre que “estava bem”. 

 

Otelo partiu, mas é, sem sombra de dúvida, um HERÓI NACIONAL.

Que os pulhas se alimentem e, como chacais, que façam o seu papel, acicatando as consciências frágeis. Afinal, continuarão a existir e a cumprir o desígnio de encantar, elaborando fábulas sobre um destino que nada nos diz.

A melhor forma de lembrar Otelo, será hoje, defender os que a sociedade rejeita, com falas mansas, luvas e colarinhos brancos. Será, por exemplo, ocupar uma casa devoluta, para alojar um sem-abrigo ou uma família. Será defender sempre os trabalhadores, que tudo produzem e com pouco ficam. Será lutar pela integração, pela diferença, pela verdadeira igualdade.

 

LEMBRAR OTELO, SERÁ LEMBRAR SEMPRE O 25 DE ABRIL DE 1974!

 


19 julho 2021

ESBURACA TOUPEIRA

 

A toupeira saiu à rua num dia assim-assim, deu logo, à esquina do buraco, com merda de cão. E disse (sim, porque a toupeira diz), que merda! 

Óbvio, pois não podia ser de outra maneira. Mas por que raio havia de me calhar isto? Parvo será o dono, que não o cão, que naturalmente caga em tudo quanto é sítio. 

Eu esburaco, sim senhor e lá vou descobrindo alguma coisa. Para além da merda de cão, digo eu. Pois sim, a jogar com as palavras, disso a toupeira não sabe, não tem estudos, não encontra decerto a melhor forma de dizer as coisas.  Mas esburaca, sim senhor. 

Perdi o número de vezes que, ao esburacar, vem logo alguém tapar o buraco. Não sei porquê, mas acredito que há sempre algo a esconder, a tapar ou coisa assim. Toupeira sim, estúpida não, se assim fora, o Zeca não teria dito que queria ser como eu, que bem lembro aquele natal em 72, quando o disco dele saiu e haveria de provocar mais ondas de choque que qualquer buraco que eu possa fazer, mesmo com a ajuda de muitas colegas minhas.

Quem mais esburaca, mais merda encontra, podem crer. 

A melhor forma de tal não acontecer é seguramente deixar de escavar. Mas há tanta coisa que deveríamos descobrir e não conseguimos porque há sempre alguém a tentar desfazer o que, com alguma coragem e sacrifício, vamos fazendo, precisamente quando esburacamos, como a toupeira.

Sejamos então toupeiras, digo eu.

 

 


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