13 maio 2009


CRÓNICAS CABO-VERDE 3: Sodade
Sodade invadi'm na peito
Sem consolo sem sossêgo sem um sonho
Ma pa mim um certeza
Bô é nha rainha Óh mulata cabverdiana
Tito Paris, “Ondas Di Bô Corpo”



Há silêncios que marcam momentos de sonho. Um olhar que baste numa qualquer esquina da vida. Enquanto os trópicos nos trocam as voltas, há um “Fogo de África” (1) que ninguém se atreve a apagar. A música das cordas, a disputa atrevida entre o violino e o cavaquinho, vai diluir-se no ritmo da morna. Há lugares assim, que alguns silêncios atestam e onde ficamos sem saber se a música nos transporta ao além como por encanto, ou se simplesmente ficamos encantados pela envolvente quente do lugar. Lembramos a tarde na Cidade Velha, nos penhascos agrestes, onde cada pedra é história de 6 séculos, com o seu vale atravessado por duas ribeiras que acabam por unir-se, formando um só curso de água e que criaram a paisagem luxuriante do vale e que lhe deram o nome de “Ribeira Grande”. Creio que alguém, lá do alto das ameias da fantástica muralha recuperada pelas populações, observa atentamente o mistério da música que brota das pedras antigas. Uma rota de sonho de ida e volta à Praia, mostra-nos pequenas aldeias lá em baixo. Provamos a deliciosa moreia frita (pela 2ª vez), saboreando o momento com os Amigos; e aqui é de toda a justiça que se fale no Abraão, no João Pedro, no Toy, guias, companheiros, camaradas das mesmas lutas, não há palavras que definam tanta simpatia, carinho e cumplicidade. Quase na partida, voltamos (tinha mesmo que ser) à música, a despedida ideal, com o sentimento das cordas, que nunca saberemos como e quanto nos apertam, há sempre um nome que nos fica, vá lá saber-se o significado de Eli, na terra do Fogo, uma inspiração de Aquário, uma saudade imensa, quiçá uma repartição de afecto e carinho que nos aperta, entre a partida iminente e o desejo de regressar aos ritmos, aos lugares, às pessoas, Transportemos então a música inesquecível das cordas, nos acordes e nos olhares que falam os mesmos sentimentos,



Simplesmente “sodade”……

http://www.youtube.com/watch?v=YFuRb7Fr5bQ
Praia, 7 de Maio 2009
Alf.
(1) Restaurante-Bar da Praia, com música tradicional de cordas de Cabo-Verde

CRÓNICAS CABO-VERDE 2:

APRENDER COMPENSA ou “Uma questão de Democracia

Assim mesmo, “Uma questão de Democracia” é entendida a proposta da E&O, constante do Projecto RVCC. Por essa e outras razões a Reunião de ontem (6 de Maio) com o Dr. Florenço Varela, director da DGAEA (Direcção Geral de Alfabetização e Educação de Adultos de Cabo-Verde), significou (mais) um passo importante para a consolidação do Projecto, quer do ponto de vista conceptual, quer nalguns aspectos operacionais que tivemos ocasião de abordar. Isto para além da enorme simpatia com que o senhor Director me recebeu; não nos conhecíamos ainda pessoalmente, apesar de termos contactado já diversas vezes por telefone e por mail; para mim foi um grato prazer contactar pessoalmente com o nosso Parceiro nesta grande aventura que irá ser decerto a implementação do processo, cujo pólo central será aqui, em Cabo-Verde, estendendo-se à Guiné-Bissau e S. Tomé e Príncipe. Trata-se de reconhecer, certificar e validar as competências dos adultos, adquiridos por via não formal ou informal, em diferentes contextos de vida e de trabalho e que, por qualquer razão, não tiveram acesso à escolarização. Trata-se de um instrumento para a melhoria dos níveis de qualificação da população adulta, para a elevação dos respectivos níveis de escolaridade e para a melhoria das suas qualificações, quer para o contributo que o mesmo pode significar para uma maior equidade no acesso à escolaridade, designadamente um maior equilíbrio nas qualificações de ambos os géneros.

É um Projecto da E&O, que há mais de 2 anos tem vindo a ser preparado, pelos nossos técnicos (alguns dos quais contribuíram para a implementação do sistema no nosso País), com os países referidos, com parcerias devidamente identificadas, todas elas empenhadas também no sucesso de uma experiência-piloto, cuja meta final é extensiva a todos os países de língua portuguesa. O principal impacto do sistema é o aumento dos níveis de escolarização da população a que se destina. Tratando-se de adultos com baixos níveis de escolarização e que abandonaram a escola precocemente, realizar com sucesso um processo deste tipo (isto é, obter uma certificação escolar) permite aumentar a sua auto-estima e criar o interesse em continuar em processos subsequentes de formação contínua, numa perspectiva de aprendizagem ao longo da vida. Para além disso, a obtenção de uma certificação traduz-se, muitas vezes, numa melhoria da situação profissional do adulto.

Decididamente pois “Uma questão de Democracia”, pelo cumprimento dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, nomeadamente o Objectivo 8: “Desenvolver uma parceria global para o desenvolvimento”. Uma questão de direitos humanos, pelo significado que enforma, no que reporta ao direito (e ao respeito) pela capacitação das pessoas e da sociedade civil.
O desafio está lançado ao Estado Português, nomeadamente aos responsáveis pela Cooperação Portuguesa, SENEC e IPAD, à CPLP e aos países que aderiram pela sua própria vontade na consecução desta iniciativa.

Praia, 7 de Maio 2009
Alf.


10 maio 2009

CRÓNICAS CABO-VERDE 1: a Intervenção


Sempre chegamos aos sítios aonde nos esperam
Do “Livro dos Itinerários”, citado por J. Saramago, in ”A Viagem do Elefante


De novo o calor de África, o estranho fascínio pelo Sul, pelos espaços de liberdade, ao menos espiritual. Cabo-Verde, das mornas e coladeras, que ontem saboreei no “Quintal da Música”, da calma da praia da Praia, da confusão completa do Sucupira (1) trazendo à memória o antigo Kinaxixi (2) da brisa dos fins de tarde. As habituais trapalhadas dos primeiros dias, misturadas com o apagão da Internet, mas sempre os Amigos que nos acolhem e nos fazem sentir em casa.
Desta vez para participar num Seminário de Formação Sindical, uma iniciativa da CPLP-SE (3) . E aqui de novo para falar sobre “Educação e Cooperação para o Desenvolvimento Sustentável”, para professores, sindicalistas do sector da educação e outros agentes de educação formal. Porque se tratava de um público especializado em questões de Educação, procurei ajudar a reflectir sobre as enormes responsabilidades do sector no que reporta aos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM), um incentivo à promoção de acções concretas, junto de colegas, alunos, formandos, famílias e comunidades locais. A adesão foi deveras significativa, até pela “novidade” do tema, já que só uma pequena percentagem dos participantes tinha ouvido falar nos ODM. E, para além disso, a perspectiva da maioria das pessoas, sobre as questões da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento era meramente assistencialista. Muito importante foi de facto, abordar o verdadeiro sentido (e significado) do conceito APD (4), em que consiste, como funciona, os programas e incitativas comunitárias (União Europeia) para os países em desenvolvimento, muito embora este País esteja colocado numa espécie de “limbo”, nas classificações internacionais. Também algumas questões operativas e ter em conta, neste contexto.

Um pormenor muito significativo que me foi dado observar tem a ver com o gosto e orgulho em ser Professor. Embora eu não seja (apesar de o ter sido em tempos) sei o que se vai passando no meu País, onde considero que a função (missão?) de professor está completamente desprestigiada; penso aliás, que chega a ser alarmante a situação no Ensino em Portugal, nas escolas, onde o Professor deveria ser respeitado, dada a responsabilidade que tem na formação das crianças e dos jovens, para uma sociedade mais justa, mais equilibrada, onde a problemática do Desenvolvimento Sustentável é uma questão transversal de enorme significado, para uma Cidadania Global responsável.

Assim, estes encontros muito nos ensinam. O discurso poderia eventualmente perder-se (tantas vezes acontece…) nas apertadas fronteiras da formação tradicional. Desta vez porém, o sentimento é outro: acreditamos todos, organizadores, formandos e formadores, ser possível uma transformação, se bem que por vezes difícil de definir e mesmo de concretizar: de atitudes, de vontades, de metodologias e estratégias visando resultados, a curto, médio ou longo prazo. Acreditamos que vale a pena, que pode realmente fazer a diferença, uma postura de confiança, num Mundo melhor, mais justo. E são as gerações mais novas que devem ser alertadas para as questões globais, como a luta contra pobreza e a marginalização de 2 terços do Planeta, da erradicação do analfabetismo, entre tantas outras, numa perspectiva de mudança; para tal, devem saber o que se passa no Mundo, conhecer o passado, analisar o presente e aprender a perspectivar o futuro. É uma Missão do Professor e, os responsáveis políticos devem entender, de uma vez por todas, que nenhuma “reforma” se faz contra os professores, mas sim com os professores.

No Seminário da Praia sentimos solidariedade, muita confiança, muito respeito e alegria de viver; de passar a palavra e espalhar a notícia, pelo menos nas 10 ilhas deste Arquipélago. Daqui partiremos para os outros países de língua portuguesa. Com algum sacrifício, diga-se de passagem, uma vez que representa um grande investimento, para o qual (para já) os organizadores não têm a sustentabilidade financeira que gostariam. Que sirva esta crónica pelo menos para chamar a atenção daqueles que têm a responsabilidade da repartição de verbas, em Portugal, mas não só, já que parece haver situações de desperdício noutros países da CPLP. Para todos, a mensagem é muito simples: provar na prática e no terreno a vontade expressa em apostar na Educação para o Desenvolvimento Sustentável.

Atenção CPLP, estaremos atentos!
Praia, 2 de Maio 2009
Alf.


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(1) Mercado tradicional da Praia
(2) Antigo Mercado de Luanda, demolido para construir um grande Centro Comercial
(3) CPLP-SE: Comunidade das Organizações Sindicais de Professores e Trabalhadores em Educação dos Países de Língua Portuguesa, Sindical da Educação.
(4) Ajuda Pública ao Desenvolvimento


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