14 agosto 2015
MOURÃO – ALENTEJO (2)
O PROPRIÉTARIO DAS SOMBRAS
Símbolos de um poder que oprimiu o País e ofuscou
a liberdade e a criatividade das pessoas, diz-se dos que habitaram o reino das
sombras. Tardava a luz que inundou o País no 25 de Abril, não sem deixar as gentes
do Alentejo prisioneiras de uma espécie de castigo pela sua pesada
interioridade e quiçá pela… Dela sobraria um Alentejo ansioso da sua pujança,
que poderia ter algum significado no pensamento e nos escritos dos que haveriam
de ilustrar na sua prosa a bravura e a honra do Povo alentejano. Que o diga,
por exemplo Aquilino, que haveria de ser julgado e condenado por ter tido a
ousadia de denunciar as arbitrariedades sobre as gentes do Alqueva no seu épico
“Quando os Lobos Uivam”[1].
Ou Saramago, um “homem como os outros,
que sonha(va) e cujo sonho foi o de poder dizer do livro, isto é o Alentejo”,
fazendo do seu “Levantado do Chão”[2], um
retrato da vida dos trabalhadores rurais e da opressão dos latifúndios e da
forma como um Povo se pode e deve levantar. Ou ainda o Zeca, dizendo ao cantar,
“…oh Alentejo esquecido/inda um dia
hás-de cantar…”[3].
E agora é o Cante Alentejano alpendorado justamente a património da Humanidade,
fazendo justiça a um Povo que sobreviveu a ditadura e impôs as suas tradições,
a sua tenacidade e a sua glória.
Nos arquivos da Biblioteca da Luz, regista-se
simplesmente “Alqueva, paisagem que muda,
Povo que espera”. Embora a luz tenha sido mudada geograficamente de lugar,
uma exigência imposta pela construção da grande barragem, o certo é que a nova
Luz está bem viva e quiçá representa, pesem todas as contradições, o farol de
um novo tempo, para um Alentejo que há-de ser lembrado também por isso.
Regressamos exaustos de mais um dia de exploração
dos sinais que fazem esta rota de Mourão, alargada agora mais para Norte. A Casa
dos Sentidos, onde passamos bons momentos com a família e os Amigos, não foi
somente um ponto de encontro, foi também uma oportunidade de conhecer um
refúgio de simpatia. Um tributo especial para a Ana, uma anfitriã e agora mais
uma Amiga, com ela privamos e ficamos a conhecer a terra, as pessoas, os
cheiros e os sabores, a história rica de tradições e costumes.
A luz do final da tarde esfuma-se, quase que cai a
noite sobre Mourão quando voltamos, mas a outra (luz) há-de perdurar pela noite
dentro, lembrando outros tempos que nos parecem agora tão perigosamente perto.
09 agosto 2015
MOURÃO – ALENTEJO (1)
Nobre e mui digna
vila, com cerca de 1800 habitantes, Mourão tem a particularidade de, em tempos
idos, ter existido fora do sítio geográfico em que hoje se situa. Razões históricas,
ligadas a guerras e disputas com os vizinhos espanhóis, ocasionariam a dita
desconstrução territorial. Os ocres e os azuis, por vezes também os verdes e o
rosa, fazem as cores desta terra que tem, nas águas do Alqueva o complemento
natural de uma paisagem rica de matizes, de percursos, de gentes que sabem
receber, acolher e demoradamente conversar pela noite dentro, com aquele copo
que deleita o corpo e liberta o espírito. As estórias de um Alentejo esquecido,
mas sempre renovado. Haveríamos pois de conhecer a lenda da oliveira que,
plantada no centro da vila, fornecia a quantidade de azeite suficiente para
iluminar a Senhora das Candeias e que seria um dia, alvo da fúria dos elementos,
ao ser atingida por um raio que a partiria em 5, visível ainda hoje.
Aqui o tempo é
seguramente diverso de outros locais, se é que estes conseguem força suficiente
para determinar a sua definição. Lembro a reflexão de Thomas Man[1], “É o tempo uma função do espaço? Ou
vice-versa? Ou são ambos idênticos? O tempo é activo, traz consigo. Que é que
traz consigo? A transformação”[2],
sábias interrogações, bem ao sabor do inquieto autor. E transporto o tempo para
Dª Catarina de Bragança[3]
que um dia, arrebatada pela devoção exacerbada à Santa, haveria de a “deslocar”
para Londres, mesmo a contragosto das gentes da terra.
A visita a Adega
Velha inclui, entre o espanto e o júbilo de conhecer coisas novas e diferentes,
uma espantosa colecção de rádios e gravadores antigos, dos tempos da
electrónica a válvulas, que ostentam uma parede inteira de uma das belas salas
de repasto daquele que é seguramente um dos ícones da Vila.
Aprendemos sempre,
com gentes, culturas e terras, por toda parte. Hoje sabemos desencapersionar,
que é o mesmo que desafiar. Aceitemos então o desafio e vamos por estas terras
do Alentejo a procura do sossego e do recato que a grande cidade tantas vezes
nos retira.
[1]
Escritor e ensaísta alemão, (1875-1955), Nobel de Literatura em 1929
[2]
Citado de “A Montanha Mágica”, (1924) pag. 256
[3]
Filha de D. João IV de Portugal, da
Casa de Bragança, e da rainha D. Luísa de Gusmão (1638-1705)).
02 agosto 2015
SEALY SEASON 1
“Nem todas as verdades são para todos os ouvidos.”
“O Nome da Rosa” (1980), Umberto
Eco
Entre
as coisas menos importantes dos últimos dias, estará certamente o comentário de
Tsipras sobre as camisas de Varoufakis, de qualquer forma um elogio daquele ao
seu ex-ministro, não propriamente pelas camisas, mas sim pelo carácter. O
tédio provocado pela história da composição das listas a deputados pelo
centrão, confunde-se eventualmente com a promessa do despedimento de Edson
Atayde, da campanha de Costa. Afinal quem é PAF, quem é? Todavia, é ele (Edson)
que nos deixa, nas páginas do jornal[1],
através do tio Olavo, uma bela mensagem, “Se
o precipício é lindo, caia. Se a queda é longa, voe. Se o autocarro atrasa,
cante. Se a solidão aperta, durma. Se a insónia atrapalha, dance. Pare, olhe a
avance. Entre dois destinos, escolha o mais distante. Entre dois desígnios, o
mais interessante. Saia na chuva sem chapéu, não tenha medo da água, você já não
é feito de barro. Se a companhia é chata, desande. Se for boa, faça-a
constante. Se há mar, mergulhe. Se há montanhas, mova-as. Se há desertos,
regue-os, nem que seja de lágrimas ou de sangue. Só não fique eternamente
parado á espera, do comboio, do avião ou do Godot”.
Aparentemente,
o maisnstream desapareceu,
eclipsou-se. Nada é mais comum, ou usual, viva a surpresa e a novidade, é bom. Notícias
vindas do Reino Unido, enquanto o idiota do 1º Ministro coloca arame farpado
para não entrar a escumalha (com a ajuda do Holande), dão conta de Jeremy
Corbyn, catapultado para líder do Labour, com o jubilo natural dos
revolucionários e toda Esquerda que se preza, o homem parece interessante e
charmoso e ficou conhecido como opositor a intervenção no Iraque. E o execrável
Blair até aconselha os que irão votar com o coração, a …fazer um transplante.O
jornal[2]
avança com a notícia de um folhetim de verão versando, como convém na
conjuntura, “A Eleição Que Ninguém Quer
Ganhar”, slogan bem criativo e às tantas com alguma razoabilidade,
disponível a partir de 3 de Agosto, e 2º a 6ª feira, passe a publicidade.Volta
Lionel Richie (Hello!) e um Pátio das Cantigas renovado, quem é que vai querer
ver, quando o antigo é que tem piada? Os títulos dos livros em escaparate,
revelam insondáveis mistérios, desde “Cidades
de Papel” a “Ansiedade, Como
Enfrentar o Mal do Século”, passando pelo mais que sugestivo “Insurgente”. Voto claramente e vou
comprar (como faço todos os outros) no “Número
Zero”, do Eco, leitura certa, inteligente e segura.
Lisboa
acorda na Tapada da Ajuda para o Piknic
Electronik, uma anunciada mescla de música e de sol, aconselhável a todas
as idades, com entradas baratas e de borla para as criancinhas. Nós que
gostamos da noite, curtimos um copo no Cais do Sodré com os Amigos, “brindando”
a sealy season que ora “ameaça”.
Pensemos
entretanto sobre que verdades eventualmente não queremos ouvir. Estamos aí!
[2]
Idem, ibidem