21 novembro 2019

COISAS QUE (se calhar) NEM SE DEVIAM ESCREVER..


Devo confessar que nunca gostei muito de polícias.
Uma afirmação que, admito, pode até gerar algum desconforto a quem me lê (se é que existe esse alguém...).
Contudo, vou até amplificar a minha asserção. Nem de polícias, nem da polícia. Fui habituado, desde a tenra idade dos tempos da Faculdade, em Coimbra, no Porto, em Lisboa, a fugir deles e dela. 
Assim como que um destino, quiçá fatal, que me leva a uma estória, que remonta ao dia 26 Abril de 1974. Descíamos a Rua dos Clérigos, cidade do Porto, até que vindos nem sei bem de onde, uma boa vintena de polícias PSP se preparava (digo eu) para nos reprimir. Ainda não deviam ter acordado bem, na véspera do dia glorioso, e vai de querer bater na malta, uma coisa que lhes estava no sangue (e que provocava sempre bastante sangue...). Até que, ao cimo da rua, mesmo ao pé da Igreja, vem descendo a tropa. E então surge a (tal) bela imagem: os polícias, recolhendo os bastões, desatam a fugir para todos os lados e nós, rindo e festejando o insólito acontecimento.

Então se começa a compreender...
Depois desses dias, melhor, durante esses dias e muitos dias depois, uma das palavras de ordem da Esquerda era “Polícia Fascista, Assassina!”. E uma outra, bem mais ponderada, “Dissolução imediata da PSP e da GNR”. Creio que havia ainda uma outra, completamente reformista à altura, que se ficava por “Desarmamento imediato da PSP e da GNR”.

Uma polícia democrática?
Nada do que se pedia, ou exigia, foi feito. Entendeu o novo regime, que lidar com uma nova versão das polícias, seria a melhor forma de “integrar” as ditas “forças” na novel democracia, dando de barato que era sensato “educar” os profissionais daquelas “corporações”, para servir as populações, no limite até de os considerar como uma segurança de proximidade.
Mas, com todo o respeito pelas pessoas que decidem ser polícias, quem poderá dizer que nunca foi incomodado por um tipo qualquer de farda, que multa à má fila? Que chateia, por aquelas pequenas coisas que a gente sabe?
Alguém poderá dizer que a polícia está sempre (vá lá, às vezes...) no sítio certo para reprimir quem merece? 
E já agora, a pergunta marota, acham mesmo que a Democracia educou as polícias?

Em que ficamos?
Agora se “lamenta” que as polícias estejam infiltradas (creio ser este o termo) por perigosos grupos de extrema-direita, nazi-fascistas e epítetos do género. Embora não seja crente, admito tudo e mais alguma coisa, a saber, a deriva autoritária e repressiva das/dos polícias. Coisa espantosa, mas não sabíamos já disso? Porventura podemos esquecer as múltiplas agressões de agentes policiais (como eu adoro esta designação...) a cidadãos aparentemente inofensivos, mas com um “pequeno pormenor” distintivo, a cor da pele mais ou menos bronzeada, a “raça” que não é caucasiana, a forma ousada de vestir, enfim, aquele ar de culpado antecipado, que é um perigo imediato para o burguês bem-comportado e para a autoridade engravatada e/ou fardada?

Poderíamos (eventualmente) aventar...
Que as polícias existem para justificar, defender e preservar a autoridade do Estado (mesmo que seja democrático), para legitimar a dominação da classe tal e qual, para reprimir todo e qualquer acto que atente contra a segurança do dito (Estado). 
Mais, poderíamos até defender que os apelos à violência vêm normalmente do lado dos que se dizem defender o contrário, ao fim e ao cabo entidades cuja estrutura determinante é impor lógicas de silenciamento daqueles que são e foram historicamente marginalizados e que ensaiam normalmente movimentos de rebeldia que não devem ser tolerados.

Mas até podemos não dizer isso...
E então, a segurança das pessoas? E os ladrões, que assaltam e roubam a propriedade (mesmo que seja um pão). E o crime organizado, que desfaz completamente o tecido social, a droga meu deus? E os violadores (violadoras, também?), os assassinos de criancinhas, de mulheres indefesas, de velhinhas e velhinhos, enfim, quem nos protege dessa marginalidade que desfeia qualquer sociedade bem-comportada e crente em qualquer divindade?

Acreditam mesmo que é a polícia?
Acreditam mesmo que são os polícias?
Àquelas e àqueles que assim pensam, sugiro delicadamente que vão hoje mesmo tentar subir a escadaria da AR, trepando o tal muro com 2 metros de altura.
Estão à espera de quê?



20 novembro 2019

PARA TI!



No dia de ontem, que marca a minha tristeza, não consegui escrever mais do que estas palavras, que deixei no Facebook:
Se uma morte custa aceitar muito, uma morte destas deixas-nos arrasados.
“Qual é a tua, oh meu”, partires assim, sem estarmos preparados?
Tu, que escreveste a melhor definição para essa coisa tenebrosa que era (é) o FMI!
Lembro-me como te conheci, no longínquo ano de 1975, em reuniões partidárias, tu na tua UDP, eu na minha LCI: num primeiro impacto, achei que eras o tipo mais antipático do mundo.
Hoje, com uma terrível sensação de perda irreparável, penso que és o maior artista do mundo.
Lembrar-me-ei sempre de ti, assim, como nesta bela foto!
Adeus Camarada!












Hoje, ainda que não refeito da perda, quero deixar a inquietação, porque “Há sempre qualquer coisa que está pra acontecer/ Qualquer coisa que eu devia perceber”, eu sei que sei, mas se calhar não sei. 
Morre o Homem, não morre a ideia, uma frase feita, por quem espera sempre um mundo melhor, que só o será, pela mudança, pela transformação, quiçá mesmo pela Alegria, que o Zé Mário queria já e agora. Subscrevo também que, “Com tantas guerras que travei/Já não sei fazer as pazes”, já não tenho sequer paciência para ouvir certas coisas, tantas que passam por mim e me tentam impingir sei lá o quê.
Tantas “partidas” nos últimos anos, cansam-me, não sei dizer como. Pois se calhar, algum egoísmo, é mesmo difícil ultrapassar, a gente diz que sim, mas fica cá dentro aquela sensação que as “almas jovens”, mesmo as “censuradas” se foram e não voltam, pelo menos a frequentar o mesmo espaço que nós ainda pensamos que é finito. 

O pouco tempo (muito pouco) com que privei contigo, leva-me (nostalgia, pois) para trás, quando quero andar para a frente, que fizemos nós para assim ser, como ultrapassamos?
Quem mais seria capaz de confessar, “Neste cais eu encontrei a margem do outro lado, Grândola Vila Morena. Diz lá, valeu a pena a travessia? Valeu pois”. Olho para a outra margem e vejo apenas a sombra da tua inquietação. Porventura minha, nossa, que arrepio imenso, diz-me que continuas, vá lá, preciso mesmo.

Numa das últimas entrevistas dizias, sobre a política, que “O capitalismo é que vai conseguir levar à prática aquele apelo do Marx do século XIX: "Proletários de todo o mundo, uni-vos". E os capitalistas de todo o mundo já estão unidos há muito tempo.” Apesar de tudo, continuavas a ser um político.  Andavas por aí a incomodar consciências, ora bem.

Apanhas agora outro barco, sequer sabes do rumo, mas que importa? O que conta é que “Entre a rua e o país/ vai o passo de um anão/ vai o rei que ninguém quis/ vai o tiro dum canhão...”E, claro, o trono é de quem? Pois, e a propósito, farias um “inocente” comentário, “Esta coisa podre em que a gente vive agora faz com que não me sinta bem a cantar as coisas do costume”.

E agora? Olha, eu também “...não meti o barco ao mar/p´ra ficar pelo caminho”, ora porra!

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(*) Imagens escritas de “Inquietação”, “FMI”, “O Charlatão” e entrevista de 2018

10 novembro 2019

A TAL CIDADE (sempre) MARAVILHOSA 

A Favela da Rocinha
10 minutos a descer, vinte minutos a subir
Podia ser a imagem, de tantas vezes repetida pelo nosso guia Leopoldino, um local, morador na Favela da Rocinha. Ele e a nossa recepcionista do Hotel, que só mostra um sorriso quando lhe manifestamos satisfação, perante um passeio tão maravilhoso, quanto a Cidade onde mora.
Nas restantes cidades do mundo, quem tem dinheiro mora no alto, aqui na Rocinha é mais ou menos o inverso, quem mais tem que subir é quem tem menos hipótese de pagar uma renda, que pode oscilar ente 100 ou 500 reais. Mas, quem pode pagar 500 reais, quando ganha isso, ou pouco mais? Ou menos, ainda haverá casos desses, ou que não conseguem um emprego. Leopoldino é parco em palavras, ou melhor, apesar de dizer muitas palavras, parece falar apenas o suficiente. Todavia, quando tivemos oportunidade, a meio da tarde, de tomar uma caipirinha e falar com o homem do boteco, de uma forma aberta e franca e o ouvimos falar contra o Governo, então a partir daí, o nosso Guia começa outro discurso, a fala de uma homem que vive dos expedientes do turismo, mas que habita a favela, com os irmãos que sobem e descem. O homem da agência fala agora de como era, antes de Lula e como é agora. Leva-nos a ver as ruas novas que foram reconstruídas e a quantidade enorme de habitações que foram atribuídas aos cidadãos. É que acontece que sua avó também recebeu uma, precisamente aquela onde ele vive, porque os pais já se passaram. Diz, “...vê como é rua, dantes era quase nem metade, mal passava um carro”, agora pelo menos há uma (ainda que pequena) mudança.
Um pouco antes, Leopoldino, havia de nos abrir as “Portas do Céu”, onde mora um ancião que tem a chave. Diz que devemos contribuir com 2 reais (45 cêntimos) para a “abertura”. Uma porta que é um bocado de chapa, e que uma vez aberta, nos irá presentear com uma das paisagens mais belas que a Natureza pode oferecer, o Rio a nossos pés, os morros, a Lagoa no seu esplendor, as praias, o mar.


E diz ainda, “o que quer e pode este homem, um ex-capitão, realmente com o mesmo pensar dos antigos coronéis?”. Mesmo admitido que alguns dos da Rocinha, tenham votado (enganados) nele e nos seus capangas. Cedo irão perceber o que ele é e o que representa. 
Mostra-nos com orgulho algumas obras de Oscar Niemeyer, o homem de Olinda e de Brasília, o arquitecto comunista, aquele que sofreu na pele na Ditadura e que foi obrigado ao exílio pelos fascistas, durante 16 anos e que morreu no seu Brasil, com 104 anos.

As visitas
As deambulações pelo Rio levam-nos ao Real Gabinete Português de Leitura , fundado em 1837, situado num edifício meio escondido do século XVIII,  mesmo por trás de um teatro de arquitectura duvidosa e que ostenta uma biblioteca fabulosa.
Uma rua perigosa onde não se deve circular depois do entardecer, segundo consta e aconselha o bom-senso local. Mas era ainda relativamente cedo e decidimos arriscar um pouco e percorrer a rua que leva à praça da estação de metrô Uruguaiana.  Onde vive uma das mais famosas feiras do rio e onde se compra tudo e mais alguma coisa pelo preço da uva mijona. Na rua surge então uma porta que ostenta o significativo o nome de Letra Viva.  Era obrigatório entrar fotografar e curtir mais alguns minutos os livros as revistas novos e usados, de onde aparece um “Assim Falava Zaratustra”, do Nietzsche, por apenas 25 reais, ou seja, mais ou menos, 5 euro e meio.
A biblioteca do Real Gabinete Português de Leitura conta com 350.000 volumes, sendo a mais valiosa biblioteca de obras de autores portugueses fora de Portugal. São centenas de prateiras de madeira, distribuídas por 3 pisos, num edifício de indiscutível beleza e elegância, de um gótico tardio português do século XVIII (neomanuelino) e que incorpora muitos motivos marinhos e, no exterior, as estátuas de Pedro Álvares Cabral, do Infante Dom Henrique e de Vasco da Gama que alimentam a pedra da fachada exterior do edifício em 1935. Para além do fantástico vitral, envolvido pela abóboda, o nosso olhar queda-se nas prateleiras em castanho e em umas escrivaninhas simplesmente deliciosas.  
Os livros misteriosos, objetos que fascinam e enriquecem a nossa imaginação, como que dançam sem sair do sítio, um desafio permanente para serem tocados e desvendados.

O Tom Jobim
Copacabana princesinha do mar /Pelas manhãs tu és a vida a cantar/E a tardinha o sol poente /Deixa sempre uma saudade /na gente”, é um perturbante esplendor de 8 km, entre Ipanema e Leme. 

O Tom está (ainda) presente neste Rio de Janeiro, qual o mestre que, de qualquer ângulo, ensina a cantar e canta a ensinar. Ele, como as outras e com os outros que neste momento resistem contra a besta que mora no Planalto, vivem no dia a dia sonhando com dias melhores, para sua terra, para suas gentes. Elas e eles que são hoje perseguidos, como no tempo dos coronéis, até mesmo assassinados, como Marielle ou  Anderson Gomes. E mesmo que não tenha sido o Poder a matar, ele é o primeiro responsável, pelo ódio que espelha e que espalha.

E eu vou...
Sim, eu vou, talvez com Caetano,” Caminhando contra o vento /Sem lenço e sem documento/ No sol de quase dezembro...”, pensando em quase nada, a não ser o tal sol (ainda em Novembro, quase Dezembro), vendo os meninos da rua, os sem-abrigo que dormem encostados a qualquer prédio, vendo os fortes gradeamentos nos prédios perto da praia, cheirando os fortes odores a mijo, isso mesmo, no centro da cidade e na praia de Copacabana. Apreciando as muitas e muitas feirinhas de rua, quase tudo nos parece barato, depois da desvalorização do real, comendo fruta que por cá assusta de tão cara, bebendo sumos e água de coco, que cá não há.
Pensando, “Tanto Mar” que nos separa, tanta simpatia das gentes que nos fala, que nos atende, que nos guia, que nos orienta, sempre com aquele sorriso, sempre com o tal sotaque, apesar de, para eles, nós é que temos sotaque. 
Nós, sempre a aprender. Ceto dia, ma praia um carioca explica a duas argentinas, “não se diz eu vou no metro, metro é uma medida, deves dizer, eu vou no metrô”. E não é que tem razão?

Registo devido
Tantas e tantas que falaram e disseram de suas vidas, que poderíamos escrever, nunca mais acabaríamos. Mas mal ficaríamos sem deixar de citar o Leopoldino da Rocinha, a Eliane e o André, com quem trocamos mensagens e sempre ficarão no nosso coração. Eles são tão queridos como este Brasil, esse Rio de Janeiro que nos fascina, que nos aperta, tentamos não moralizar. Daquelas e daqueles que não sabemos o nome de quem lembramos um rosto ou um singelo sorriso, que ficarão sempre connosco.
E de novo eu vou, “... Por entre fotos e nomes /Os olhos cheios de cores...”





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