15 dezembro 2020

O CLUBE DAS PALAVRAS PERDIDAS
(para o meu Amigo Fernando Alves)


 

 




















Esta escrita, mais ou menos errante, vem do fundo do coração, num impulso momentâneo, incontido desejo de soltar palavras, agarrando particularmente as que se perdem.

O Fernando é o Homem da rádio, que nos inquieta há tanto tempo, como os seus “Sinais” e que mais recentemente inventou, para nós, uma “Rede Social”, onde as malhas, apertadas ou largas, são tecidas com mãos de veludo, na passagem das horas.

Uma maravilha de desassossego.

Aqui se fala com o João Pimentel[i], e da sua obra “Cancioneiro de Rua[ii], recentemente editado. O João é livreiro, músico e professor de história. Um livreiro esquisito, “eu gosto é de comprar livros e não de os vender”, mas é, como professor que gosta de se dizer, “é sinal de que estou sempre a aprender”.

Não se poupam as palavras, assim não há risco de se perderem. 

Mas, se perdidas forem, lá está o Clube para as resgatar. Aqui não se fala de transição digital, mas ganha-se uma nova dimensão ao ouvir a Ana cachuchar e assim se “transita” para aquela Lisboa, que se calhar, não passa de um mito, existe ainda? 

Resgatamos “publicista” e “cacharolete”, procurem se faz favor, elas andam por aí escondidas. Lembra-se o “sonoro”, e vem á liça talvez o Teodoro, que era convidado, na cantiga, a não ir lá, “Se fores ao sonoro não gostas de mim...”[iii].

Irrompendo pela sala dentro, da livraria que fecha, em Lisboa, uma facada na cultura, são já tantas que não têm conta, na voragem impune, na fúria de um turismo sem alma, nem virtude, possivelmente o outro diria, é sinal dos tempos, estúpido!

Devera alguém escrever uma cantiga como a outra, pedindo ao amante para não ir, por exemplo, ao centro comercial, podia ser que desse resultado e que não se perdesse o tempo das palavras, de uma cultura verdadeira, que para o ser, diz o João, implica educação.

Já lá dizia Pessoa, “Quem faz quadras/Portuguesas comunga a alma
do povo, humildemente de todos/nós e errante dentro de si próprio
”. O Fernando soltou as palavras do João, que afinal acabam por ser de todos nós. Possivelmente deste Povo.

Pensando bem, vou alistar-me no Clube das Palavras Perdidas, pode ser que me encontre...

 


[i] João Pimentel, escreveu música para teatro e cinema, e participou em diversas gravações como guitarrista e arranjador, acompanhou, nos anos 70, grandes nomes da música popular portuguesa, como, Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Francisco Fanhais, Francisco Naia, Pedro Barroso e Manuel Freire,

[ii] Edição Fabula Urbis, propriedade do Autor, capa e ilustrações de Pierre Pratt, (2020). O trabalho é uma contribuição para a divulgação de cantigas de rua dos séculos XVII e XIX, interpretadas pela soprano Ana Baptista.

[iii] O tema “Teodoro não vás ao sonoro”, foi escrito e deitado em 1932, por Fernando Carriedo, cantado por Corina Freire, com orquestração de Resende Dias e edição da Sassetti, e fez parte da Revista “O Mexilhão”, em 1932. 

 

 

 


11 dezembro 2020

OS DIREITOS
OS DIREITOS HUMANOS – lembrados a 10 Dezembro


 





















Haverá porventura melhor dia para recordar o que se passa à nossa volta?

Bem perto de nós, os ataques contra os DIREITOS, sucedem-se a um ritmo alucinante. 

Falamos do que sabemos, do que ouvimos dizer, do que sabemos que acontece, aqui e ali, pasmamos como é possível, mas consentimos, sempre consensualizamos, sempre desmerecemos, por omissão, ou simplesmente por não ser directamente connosco.

Claro que ficamos perplexos, ao saber do cidadão ucraniano, assassinado pelo Estado português e que foram precisos 9 meses para a responsável se demitir e, ainda por cima, saber que o fez para poupar um ministro.

Claro que ficamos a saber um pouco do que se passa nessa dita “união europeia”, na forma abjecta como trata pessoas, no campo de refugiados da ilha de Lesbos, um campo, com capacidade para 3 mil pessoas, onde viviam cerca de 13 mil (!), em condições precárias, num espaço sobrelotado. Soubemos um pouco mais, por força de uma catástrofe, a 9 de Setembro, um incêndio de grandes dimensões, que acabou por trazer, para o mundo inteiro, as deploráveis condições de vida que os “campeões europeus” dos DIREITOS humanos criaram dentro do “espaço europeu”, o tal que quer ser um exemplo, sabe-se lá para quem.

 

Sabemos tanto e tão pouco que acabamos por banalizar o mais sagrado dos DIREITOS, o direito à vida, em segurança e com dignidade. Mas banalizamos mais. Porque aceitamos as desigualdades, as injustiças, a exclusão. Aceitamos que, bem perto de nós, existam quase 2 milhões de pessoas que vivem abaixo dos limiares mínimos de subsistência. Aceitamos que nos falem de coisas como, por exemplo, a “transição digital”, quando alguns dos nossos concidadãos ainda não “transitaram” da sua situação de miséria potencial.

 

No futuro, quando ouvirmos falar, de coisas como, por exemplo, o aumento do salário de um trabalhador poder significar desemprego para outro trabalhador, e não formos capazes de soltar um grito de revolta, estamos a contribuir para um futuro negro de dependência e de submissão.

E, para que esse futuro possa ser melhor do que a actual situação, precisamos de lembrar os DIREITOS, e do respeito que nos merece a pessoa humana, particularmente quando não tem voz, nem força para se defender das arbitrariedades.

E, claro está, que não é decerto com atitudes convencionais, como a caridade e a compreensão para com as desigualdades (porque, como alguns infelizmente proclamam, sempre existiram...), que modificamos a situação.

 

A defesa dos DIREITOS HUMANOS passa seguramente pela luta constante, diária e persistente contra todas as formas de discriminação, de injustiça e de desigualdade, sem tibiezas e sem a hipocrisia habitual que conduz ao esquecimento e à desresponsabilização. 

Veja-se, a título de exemplo, a posição da Comissão Europeia, ao aconselhar, em Março passado, “cautela” perante as últimas imagens da violência na fronteira entre a Grécia e a Turquia e a recusa em censurar o comportamento das autoridades gregas, e a sua política de dissuasão dos migrantes que procuram aceder ao território europeu. 

 

A melhor forma de lembrar este dia é fazer da luta pelos DIREITOS HUMANOS, a nossa LUTA! 

 


01 dezembro 2020

 O HOMEM DO NAVIO-NAÇÃO

 














Nunca mais irá reflectir sobre o seu País, seria precisamente no dia da Restauração que se lembraria de morrer, ele que via o além como uma projecção do aquém, com imagens idênticas. A morte que o veio literalmente buscar, tal como ele dizia, “não vale a pena pensar na morte, porque a morte vem ter connosco.”[i]

 

Vivemos hoje, dizia, “...tempos melhores do que os que conhecemos no nosso passado recente, e só quem não passou por eles pode desvalorizar esta evolução. Não podemos ser tão pessimistas, talvez tenhamos de reconhecer que os intelectuais, e eu também, sofrem por vezes de um excesso de espírito sonhador, até com uma carga utópica. Depois desiludimo-nos porque a realidade não desaparece e está onde está para nos tirar as ilusões.[ii]

Sempre e agora, as ilusões.

 

Que bem falava e escrevia sobre o seu Portugal, de que esteve afastado, por exílio, durante tantos anos, mas que pensava e descrevia: “Mas a classe historicamente privilegiada é herdeira de uma tradição guerreira de não-trabalho e parasitária dessa atroz e maciça «morte de trabalho» dos outros. Não trabalhar foi sempre, em Portugal, sinal de nobreza e quando, como na Europa futuramente protestante, o trabalho se converte por sua vez em sinal de eleição, nós descobrimos colectivamente a maneira de refinar uma herança ancestral transferindo para o preto essa penosa obrigação. É mesmo essa a autêntica essência dos Descobrimentos, o resto, embora imenso, são adjacências. Seria de uma provocação sem alcance exaltar o trabalho em si ou a ética do trabalho (dos outros), independentemente do contexto social onde se insere, tal como a ideologia puritana do liberalismo a cultivou. Colectiva e individualmente, os Portugueses habituaram-se a um estatuto de privilégio sem relação alguma com a capacidade de trabalho e inovação que o possa justificar, não porque não disponham de qualidades de inteligência ou habilidade técnica análoga à de outra gente por esse mundo, mas porque durante séculos estiveram inseridos numa estrutura em que não só o privilégio não tinha relação alguma com o mundo do trabalho, mas era a consagração do afastamento dele.”[iii]

 

Disse, no distante ano de 1997, que os portugueses se haviam perdido “...no mundo e refluíram ao seu território de origem, tantas vezes de modo trágico e sem glória, nação-navio que regressa ao cais[iv]

 

Julgava-se, “...em dívida para com a humanidade inteira”, ele que fez tudo pela Humanidade e pelo Humanismo, ao simplesmente existir. Ele que pensou, como poucos, o seu País e a sua gente, a este Homem se devolve o que ele próprio escreveu um dia: 

CUMPRIU-SE O MAR E O IMPÉRIO SE DESFEZ. SENHOR FALTA CUMPRIR-SE PORTUGAL.”[v]

 



[i] Fonte: TSF, “Pessoal e Transmissível”, de Carlos Vaz Marques, Maio 2003

[ii] Fonte: Jornal Público, entrevista de J. M. Fernandes (Público) e Graça Franco (Rádio Renascença), Outubro 2008

[iii] In: “O Labirinto da Saudade”, Eduardo Lourenço, Pub. Dom Quixote, 1978, pág. 130

[iv] In: “Nós Como Futuro”, Eduardo Lourenço, Ed. Assírio & Alvim, 1997, pág. 28

[v] Idem, ibidem, pág. 2


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