23 fevereiro 2007


... Águas das fontes calai
Ó ribeiras chorai
Que eu não volto a cantar

Balada de Outono - Zeca Afonso

Havias de escrever o País no pior e no melhor; atravessaste o deserto, irritastes o poder, cultivaste o desassossego permanente. Estiveste na resistência, na luta, foste uma voz de permanente inquietação. Proclamaste sempre os amigos, convocaste Poetas, cantaste como ninguém um Povo que resistia. Grande demais num país pequeno, atolado na mediocridade e amordaçado. Tiveste a coragem de denunciar a morte do pintor assassinado pela PIDE em pleno dia. Cantaste Coimbra e Lisboa, o Alentejo e a África de todos os ritmos e dilectas recordações.

Soubeste ainda cantar o Povo que acordava da longa noite; tinhas já, sem saber, na boca a senha da revolta, a Grândola de todos nós. Cantaste Abril que a 25 reencontrou Portugal. Lembraste o Maio Maduro Maio, que a voz não nos esmoreça, diremos decerto contigo. E assim seremos, com orgulho na liberdade os filhos da madrugada e contigo iremos pelas praias da madrugada à procura da manhã clara... Para mal dos nossos pecados, ficas a saber que 32 anos depois de Abril ainda há vampiros que comem tudo e não deixam nada.... Mas acredita, há por aíalgures muitos índios da meia-praia, que lutam enquanto há força...Vejam bem o que dá, quando um homem se põe a pensar...

Estejas onde estiveres, ouvirás baladas e canções que nos embalam porque podem roubar-nos tudo menos os afectos; ouvirás os amigos, venham eles de onde vierem, cantando as tuas músicas, as palavras a que deste o ritmo que as solta na medida exacta de uma arte que apesar da idade foi sempre um Canto Moço.

Embora esta ainda não seja a terra da fraternidade, a vila morena com que sonhaste...

09 fevereiro 2007

SIM, sem qualquer dúvida... 

S
IM, sem qualquer dúvida...

O referendo do próximo dia 11 tem um significado que considero particularmente importante no contexto actual, em que talvez por se tratar de um tema que atravessa a sociedade portuguesa de forma aliás dramática, assume uma dimensão especial. Trata-se de facto de uma questão de cidadania: a de mudar uma situação penosa para as mulheres que sofrem na pele as consequências de um poder dominantemente sexista; de facto, não sofrem só na pele, jáque a devassa da sua vida privada é talvez uma dor ainda mais forte. Por isso, o voto SIM para mudar esta situação é um acto de cidadania e de reforço da democracia.

É um momento muito especial ainda pelo facto de significar um corte com um passado que envergonha grande parte da sociedade; e só não digo toda a sociedade, porque realisticamente falando há uma parte que não se envergonha de nada! Tenho para mim que este dia pode ser um dos dias mais importantes depois do 25 de Abril: o corte com a intolerância, com a ditadura dos que pensam ter o poder para impor os seus dogmas ao resto dos cidadãos; acho que depois do dia 11, como se costuma dizer, nada ficará como dantes: o facto tão simples como votar para mudar uma lei injusta, irá de certo ter o reflexo devido na restituição de um direito negado às mulheres.

O Não já perdeu praticamente os seus argumentos principais quando apresentou nos últimos dias a tal solução mágica do crime sem castigo. Vendo bem, se não querem de facto a penalização, então que votem SIM. Tão simples quanto isto! Só que de facto, não é isso que querem e a circunstância de agora apresentarem a proposta (?) só significa quererem salvar a face... Todavia, é tarde demais!

Penso que uma grande maioria das pessoas, independentemente da sua ideologia, crença ou posicionamento político não vê com bons olhos a actual situação. Por isso deveriam votar SIM. Mas há as pressões, a desinformação permanente, a manipulação baixa, a baralhação constante e isso por vezes é determinante na altura do voto...

Por isso, vale a pena dizer: SIM, sem qualquer dúvida...

08 fevereiro 2007

Claro que SIM! 

Um estudo recentemente realizado pela Associação para o Planeamento Familiar (APF) com o apoio do Inovation Fund da Federação Internacional de Planeamento Familia, sobre a situação do aborto em Portugal, mostra algumas situações e realidades que convém situar, sobretudo para aqueles que tentam mistificar e confundir o eleitorado na hora da decisão. Eis algumas:
a) o aborto provocado é um problema que afecta centenas de milhares (cerca de 354 000 segundo o estudo) de mulheres portuguesas, ainda que seja praticado por uma minoria das mulheres (14,5%);
b) o aborto ocorre em mulheres de todas as idades e, tomando como indicador social o grau de instrução, acontece em mulheres de todas as condições sociais e sobretudo em mulheres casadas. Portanto o aborto não é um fenómeno que toca somente as mulheres mais jovens, sós, e mais pobres.
c) a sua grande maioria, em mais de 70% dos casos, os abortos foram realizados até às 10 semanas (89% até às 12 semanas) pelo que, mesmo em condições de clandestinidade, estamos perante uma situação de abortos precoces
d) a grande maioria dos abortos provocados aconteceram emPortugal (85%), em estabelecimentos ou locais não autorizados para a prática de IVG como casas, clínicas ou consultórios particulares;
e) uma em cada cinco mulheres que aborta teve complicações graves após o aborto.

Entre os argumentos mais significativos para votar SIM estácertamente o de acabar com a praga do aborto clandestino; quem fala contra dizendo que não se trata de despenalizar mas sim de liberalizar, devia pensar que liberalizado já ele estáagora! O argumento vira-se contra os argumentadores e se calhar percebendo isso mesmo vá de arranjar forma de confundir os eleitores...

Insistir no SIM significa pois que deverá competir ao Estado garantia de que as mulheres que necessitem de interromper voluntariamente uma gravidez, têm direito de uma decisão em segurança para a sua saúde e dignidade, de acordo com as várias recomendações das Nações Unidas e do Parlamento Europeu. Significavotar que acabe de uma vez por todas com o estado actual de penalização das mulheres. Significa ainda votar para que a AR seja capaz de legislar sobre as formas e acesso a um direito então consagrado.

E imperioso que dia 11 seja um dia de exaltação da palavra SIM; é um SIM aos direitos, liberdades e garantias, é um SIM à tolerância, é um SIM à solidariedade e é finalmente um SIM à cidadania e à democracia!

Por isso, Claro que SIM!!!

07 fevereiro 2007

SIM, claro! 

Decididamente não gosto de referendos... Considero que só em casos de extrema importância, digamos nacional, se justifica o uso desta forma de auscultação. É então na Assembleia da Republica (AR), o órgão legislativo por excelência, que as questões de leis devem ser tratadas. Relativamente à questão da IVG, considero (e escrevi varias vezes sobre isso) que o assunto da lei em si mesma (e da sua substituição) deveria ter sido tratada na AR. Como tal manifesto mais uma vez o meu respeito e admiração por todas(os) as(os) deputadas(os) que defenderam essa posição na AR. A actual maioria era perfeitamente capaz de legislar sobre a matéria.

Mas estamos hoje a agora durante a campanha do Referendo do dia 11 e é sobre a questão da pergunta em concreto que nos devemos pronunciar. SIM claro, sem qualquer dúvida, sem nenhuma hesitação: queremos que a lei mude e como tal devemos votar SIM. Mais, devemos insistir no único ponto em que não há dúvidas nenhumas: quem votar Não, estará a votar para que tudo fique na mesma.

Assunto velho, com os mesmos contornos de há 30 anos, que a democracia nunca consegui resolver, com a mais completa cumplicidade da grande maioria dos que hoje estão do lado do Não. É preciso dizê-lo com toda a frontalidade: eles querem que tudo continue na mesma, querem ver as mulheres sujeitas à maior devassa que se pode imaginar: a da sua vida privada, à da sua intimidade ameaçada por uma queixa mesquinha de um qualquer funcionário zeloso; do Não, claro. É preciso dizer mais ainda (outra vez com toda a frontalidade): eles querem impor a todo o País (pelo menos...) a sua vontade, as suas crenças, os seus dogmas, os seus sagrados princípios, enfim...as suas limitações. Nós defendemos a liberdade, a defesa dos direitos humanos, o direito à dignidade, se quiserem... o direito à vida! Não queremos obrigar ninguém a pensar como nós pensamos; apenas queremos que a lei mude; e, para a lei mudar só se pode votar SIM!
Por isso, a tentativa nos últimos dias de alguns sectores do Não de ressuscitar uma proposta onde se previa a não continuidade do processo por crime de aborto é da mais profunda hipocrisia. É uma vergonha vir, a meia dúziade dias da votação, propor afinal que os processos-crime não tenham seguimento, como se alguma vez isso fosse possível num quadro legal de penalização criminal. Aquilo que poderia ser encarado como uma recomendação aos juízes, num contexto de aplicação da lei actual é, como muito bem lembrou Rui Pereira no ultimo P&C da RTP, uma mascarada completa no momento em que está em causa um Referendo precisamente sobre a matéria. Para esses moralistas baratos o Estado consideraria (à mesma) criminosas as mulheres para todos os efeitos e depois na sua bondade iria dizer à mulher que o seu processo não continuaria...; isto claro se nada acontecer entretanto, que em caso contrario, cá estaremos para lhe aplicar a pena!
Tudo isto deve ser denunciado! Em boa verdade não acho que ninguém, em seu perfeito juízo, aceite tal coisa. Pode haver ainda, como certamente haverá, muita falta de informação sobre a matéria, muita ignorância consentida, muita manipulação ligeira e finalmente muita desonestidade politica (para não lhe chamar outra coisa...)

Iniciei a dizer que manifestava o meu respeito e admiração por aquelas e aqueles que até agora têm defendido a alteração deste estado de coisas. Quero agora dizer, numa sequência lógica de raciocínio, que não consigo játer qualquer respeito por aquelas e aqueles que têm utilizado o palco social, em toda a sua extensão para mistificar a realidade e para fazer valer os tais sagrados princípios e tentar impô-los aos outros. Não posso ter respeito pelas figuras públicas da direita tradicional, dirigentes partidários, personalidades responsáveis que, com cobertura jornalística de destaque, comparam o aborto ao tráfico de droga e ao tráfico de armas: sinceramente não lhes perdoo, tenha isso o valor que tiver! Também não perdoo (a esses muito menos, eles que têm o privilégio de perdoar...) aos membros da Igreja Católica e particularmente à sua hierarquia a campanhadesenfreada, descabelada e desesperada que uma vez mais fizeram e que vão ainda fazer nos últimos dias; não sei se merecem resposta, claro; pelo menos resposta escrita, não!
Não mais a Natureza ou o Estado, ou uma qualquer religião podem decidir sobre o futuro e a vida das mulheres. Só na realidade elas próprias e é precisamente por isso que a igualdade de género é uma questão de democracia e de cidadania. Aos que como eu votam SIM apelo então para uma mobilização geral ao voto no dia 11; para que seja possível passar uma mensagem muito simples afinal: votar SIM évotar para que a lei seja mudada; para que não fique de novo tudo na mesma, como querem os partidários do passado e das trevas...

Por isso, SIM CLARO!!!

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