23 outubro 2016
O IDIOTA FUNCIONAL
“Sou da geração sem remuneração
E nem me incomoda esta condição.
Que parva que eu sou!...”
E nem me incomoda esta condição.
Que parva que eu sou!...”
“Parva Que Eu Sou”, Pedro Silva
Martins, Porto 2011
Assim se define, assim se apresenta.
Ele faz parte do mobiliário urbano, das cidades onde passeia a sua existência
efémera. Tratado e preparado nos laboratórios da pretensa inovação, polvilhado de
lugares-comuns, etiquetado à maneira, preso por fios ténues de uma esperança
que raramente encontra. Receita normalmente a doxa, ilustrando termos e frases, fora do contexto, que captou e interiorizou,
em sessões contínuas de powerpointes com cores berrantes e setas e setinhas
para baixo, para cima e para o lado e estrelinhas a pulsar. Os mentores falam,
exultando as virtudes do empreendedorismo, como tábua miraculosa de salvação universal,
nesta sociedade em que se perderam os valores e já não faz sentido (para elas e para eles) distinguir
direitas e esquerdas, patrões e trabalhadores, ricos e pobres, a classe média é
tudo o que resta. Viver na mediocridade, para um sucesso prometido, mas tão
distante como a Terra da Lua.
O idiota funcional é culpado de tudo, incluindo o de não ter lugar onde,
de não ter emprego, e claro, de sempre se confinar a sua zona de conforto, seja
lá o que isso for. Culpado, sujeita-se ao rigor invernoso da conformidade e à
canícula sufocante da prevalência.
Millor Fernandes disse um dia que “quando
um técnico vai tratar com imbecis, deve levar um imbecil como técnico”,
ironia suprema que poderia ilustrar os montes de sessões de preparação para “jovens
empreendedores”, onde a insignificância é directamente proporcional à dose de imbecilidade
do discurso da classe dominante e da camarilha de actores que constantemente manipula
e oprime.
Os perdedores deste mundo são todos, com raríssimas excepções,
empreendedores. Que são paridos para implementar, um termo tão idiota, mas
sempre e sempre declaradamente funcional. Do outro lado emergem “empreendedores de palco que vendem palestras
e enchem salas de congressos, com um discurso que está normalmente mais próximo
do de um pastor evangélico do que de um professor de economia” [Soeiro, 2016].
Se ao menos de autonomia das pessoas se tratasse. Bem pelo contrário, a
teoria da subjugação e da impotência contra o sistema, floresce num pretenso imaginário
económico e social, criando o idiota funcional, um triste retrato que pretendem
pintar os seus perigosos ideólogos.
As papas e os bolos que enganam os tolos, do saber popular, terão neste
particular a lição máxima que a vida acaba por ensinar.
Ouve a canção, fica atento e (se puderes) muda de figura!
14 outubro 2016
“Hey, Mr. Tambourine Man, play a song for me”
Longe vão os tempos da revolução cantada, tocada e
brandida pela animosidade de uma burguesia acomodada, mas firme no seu posto. As
guerras do Vietname e da Coreia traziam os vozes, no vento, do protesto e da
insubmissão.
Dylan foi, provavelmente sempre, um insubmisso. A sua voz
foi mudando ao longo de um tempo que mudava também. Mas como se sabe, mudam-se
os tempos, mudam-se as vontades, assim como a vontade de mudança parece mudar
também. Dizia ele que os tempos estão a mudar, antecipando quiçá a adaptação
que o tradicionalismo burguês ia fazendo a novas formas de conhecimento e de
discurso formal.
Agora Dylan é Nobel de uma literatura, que vai conhecendo
novos e improváveis intérpretes. Se soubesse cantar, Dario Fo, que recentemente
nos deixou, talvez conseguisse melhor “questionar
a autoridade e o apoio à dignidade dos caídos”.Ou que a voz sempre surda
dos oprimidos fizesse chegar à Academia Sueca mais e melhores intérpretes da
Revolução inacabada, mas sempre e cada vez mais, Permanente. Se pudera falar
dela sem lhe dizer o nome, diria o grande Mustaki.
Misturaram-se em Dylan todas as contradições sociais. Todos
cantávamos nos anos loucos, algumas das suas canções, sabíamos as letras de cor
e salteado, ao som dos acordes da viola que nos acompanhava para todo o lado, “Knock, knock, knockin' on heaven's door”,
as portas de um céu em que não acreditávamos e que a outros parecia então
sorrir.
Sentados agora as portas de um outro céu em que todas as
respostas estão soprando no vento, sentimos que se calhar também fomos
laureados. Tenho para mim, lembrando o “Em Órbita”, que passava as 7 da tarde
no antigo Rádio Clube Português, no final dos anos 70 e onde Dylan passava à
margem das classificações para os melhores do ano, que a nomeação vem
precisamente desses anos.
Para o Poeta vai a glória. Para nós, a secreta lembrança,
a cumplicidade assumida.
08 outubro 2016
PIRELIÓFERO
Nome pouco comum, que evoca o “pir” de fogo e o “hélios” de sol e liga “forus” que conduz. A máquina que conduz o fogo do sol.
Em quatro fantásticos dias, dos Arcos de Valdevez a Sorède, atravessando a
Espanha, calcorreando a Catalunha e os Pirenéus Orientais, tanta gente boa que
conhecemos ou simplesmente reencontramos. Fizemos a homenagem ao Homem que
desde finais do século IXX até aos anos trinta do século XX, de Portugal a
França aos Estados Unidos da América, haveria de levantar bem alto a bandeira
do Conhecimento. E ainda, as bandeiras do Desenvolvimento e da
Sustentabilidade, da Ecologia, da Ecosofia, enfim da Ciência, da Técnica e da
Tecnologia no espírito do Humanismo.
O dia 29 de Setembro 2016 ficará marcado pela inauguração do Pireliófero.
As intervenções desse dia haveriam de lembrar como foi possível chegar até aqui
e ter diante de todos, não só a máquina, mas também aquelas e aqueles que
contribuíram para que tal fosse agora possível.
Jacinto Rodrigues, o académico português que há muitos anos vem pesquisando
e divulgando a obra do Padre Himalaya, brilhou em Sorède, como só ele sabe,
historiando e contando estórias. Filosofando sobre a sustentabilidade, rebuscando
a vida do MAG Himalaya, trazendo para o sol do dia, o sol da energia aplicada
mesmo ali na sua frente.
Estivemos em Sorède em homenagem ao Homem, ao cientista e a sua obra. Uma
réplica da máquina, que haveríamos de apreciar, na sua imponência majestática e
na sua tremenda presença. Todos os que estiveram na manhã de 29 de Setembro
puderam testemunhar a figura incontornável daquele que bem poderia figurar como
o Leonardo Da Vinci português, dada a sua capacidade de antecipar questões
ligadas ao Desenvolvimento, nas mais variadas esferas do conhecimento, da
química à electricidade, da mecânica à termodinâmica. Mas ainda, da
arquitectura dos territórios à hidrografia, das questões económicas e sociais.
O denominador comum de todas as intervenções centrou-se no paradigma "Usando o passado para construir o futuro, " tendo por base as energias renováveis e
naturalmente, o forno, como precursor para o meio ambiente e desenvolvimento
sustentável, a natureza, elemento do nosso planeta.
No dia seguinte, subimos a 750 metros de altitude para ver o local onde o
Padre Himalaya construiu o primeiro forno solar. Caminho de pedras, caminho de cabras,
sempre a subir, tal como o encanto e a emoção. Imagino o Manuel Gomes a subir,
quiçá com um burro carregado de espelhos e outras peças de maquinaria. Tudo
para conseguir captar ou capturar um sol que nunca o abandonaria e que ele
“perseguia” com o intuito de poder desvendar a sua enorme força energética,
ainda para mais ao alcance de todos, de uma forma sustentável. Pedras e mato,
no caminho da energia, esta a espreitar por entre a imensa floresta, escondida
no mais recôndito sítio. Ela que se oferece a quem a quiser entender, a quem a
quiser aqui buscar. E usar, a bom proveito para os fins que se entender.
A natureza a funcionar, sim. Sobes e sentes oxigénio a mais, num ar mais
difícil de respirar, as pernas a tremer. Lá em cima o sítio exacto, onde no ano
longínquo de 1900, o Padre Himalaya haveria de construir a primeira máquina que
conduz o fogo do sol.
Vale sempre a pena lembrar a Obra e o Homem. O evento de Sorède foi um
exemplo vivo da Ciência, Técnica, Tecnologia e Humanismo. Face ao já previsto esgotamento
dos bens naturais e das energias convencionais ou fósseis e ainda a destruição
alargada da biodiversidade, é imperioso abordar todas as questões ligadas ao
Desenvolvimento. Sob os seus mais variados ângulos como a que reporta à
contaminação tóxica e à poluição global do ar, da água, da terra e dos
organismos vivos. Um desenvolvimento sustentável, ecologicamente sustentável,
social, ambiental e politicamente empenhado, na construção de um novo modelo
global para erradicar a pobreza, na promoção da prosperidade e o bem-estar de
todos, na protecção do ambiente e no combate às alterações climáticas, seguindo
assim o compromisso da cimeira das Nações Unidas de Setembro de 2015.
Aquilo que possamos fazer pela Natureza e pelo Homem, nela enquadrado e
cúmplice directo da sua sustentabilidade, decerto determinará o futuro do
planeta.
Padre Himalaya!
03 outubro 2016
A ENTREVISTA
Na entrevista ao Jornal Público de hoje (3 Outubro) ao PM do Governo de
Portugal, existem várias “armadilhas” montadas pelo jornalista de serviço. Nada
que seja incomum. Apenas para registar a enorme manipulação de grande parte da
comunicação social e particularmente deste periódico.
A primeira questão e a forma como é colocada são assaz paradigmáticas. O jornalista
David Diniz (DD) afirma “…sem dinheiro e
com Bruxelas a condicionar a política orçamental”. O chavão “não há dinheiro” é um (apenas um) dos
pontos de convergência entre os chamados “jornalistas económicos” e a Direita
radical. Trata-se de uma invenção que enforma a propaganda mediática para assustar
a população menos avisada, que constitui, a acreditar nas sondagens, a massa
votante nos partidos do centro partidário. Tal propaganda acaba mesmo por
funcionar, fundamentalmente por duas ordens de razões, sendo a primeira o
simples facto de que a forma como é exposto ser de tal forma redundante a
positiva que parece mesmo verdadeira. A segunda razão é do foro psicológico e
funciona exactamente da mesma maneira que a asserção passista[1] “vivemos acima das nossas possibilidades”,
punitiva e castradora de consciências. De tal forma são as pessoas massacradas
com este tipo de publicidade enganosa, que acabam por a interiorizar.
A organização da entrevista obedece a um formato ardiloso. Começa por perguntas
e respostas a ocupar o lado esquerdo, páginas 2, 4 e 6. E no lado direito,
páginas 3 e 5 são apresentados textos onde são inseridas afirmações do PM, mas
onde não existe contextualização a não ser a “verdade” discursiva do autor da
peça. Um evidente exemplo é a forma como a questão das pensões é abordada. Na página
3 é elaborada uma pretensa posição do Partido Socialista, ou neste caso
particular do António Costa (AC), que o Jornal tenta “opor” às posições concernentes
do PCP e do BE. Todo o texto, a 3 colunas, é uma montagem abstrusa, com uma única
finalidade (sempre a mesma) de tentar mostrar à opinião pública eventuais discrepâncias,
neste caso concreto chamam-lhe “dissabores”, entre os partidos da Coligação.
Na página 5, a mesma situação, agora acerca do famigerado “índice de crescimento” da economia. Este
é aliás um tema (mais um) recorrente e que integra um discurso catastrofista,
afinal o “cântico” da Direita. Uma vez mais. O título “Economia deverá crescer pouco acima de 1% este ano” é da autoria de
DD. É o que se lê quando se olha a página 5. O restante, o que diz o PM, acaba
por não-se-ler, no sentido do condicionamento do que o artigo “obriga” a ler. O
exemplo do que pensa AC e toda a Coligação está de facto lá, “o que vai permitir às nossas empresas serem
mais competitivas é terem pessoal mais qualificado”. Tal é porém ofuscado
pelo citado título.
Na página 6 há uma questão que, da forma como é colocada, não passa de uma
vulgar provocação. Ao PM e ao país inteiro. Vejamos, relativamente a uma
putativa posição de P. Passos Coelho (PPC), “…tem medo que as contas não batam certo no fim de 2016 e que ele tenha
razão?”. E, no final da resposta de AC, DD ataca “…não vale a pena repetir”, soberba arrogância. Mesmo ao lado, a
montagem do Jornal coloca uma foto de PPC. E a investida de DD continua, depois
de AC explicar o seu ponto de vista sobre a forma como tem sido construída uma
imagem negativa do País, o jornalista volta á carga, “…a verdade é que a economia não está propriamente em aceleração, o
investimento…” . O restante conteúdo da página 6 é, segundo a “cartilha
Gomes Ferreira[2]”,
não propriamente uma entrevista, mas sim a afirmação constante da “verdade”,
segundo DD, ao bom estilo do outro (o da cartilha). O que parece (…) é que a DD
não interessa propriamente ouvir o que pensa o PM, mas sim afirmar a sua
posição própria, punitiva e passista de toda a Direita. Brilhante.
A contribuição do Jornal Público para o esclarecimento da população é
rematada, de forma redundante, com a publicação de “cinco gráficos para perceber como está a economia ao fim de um ano”,
sem qualquer referência a uma fonte. A “verdade” está sempre nos gráficos,
interpretados aliás de forma grosseira. A posição do Governo aparece sempre
como contraponto, desmontada pelo autor Sérgio Aníbal, presumível autor dos
gráficos (?) que encimam a página 8: “1,1%
para o crescimento de 2016 e 2,8% para o défice público durante a primeira
metade de 2016”.
O Jornal Público nem se dá ao trabalho de disfarçar a sua simpatia (e
apreço?) a PPC, ao dar-lhe mais de metade da página 10 (Política), uma bela
foto “institucional” a entrar para uma viatura que se presume “oficial” e ainda
as habituais afirmações rascas que o caracterizam, menção especial para a “acusação ao Governo e dos partidos que o
apoiam de quererem construir uma sociedade mais pobre e mais injusta”. É mesmo
preciso muita lata…
Como bem disse António Barreto, “Quase
não há comentadores isentos, ou especialistas competentes, mas há partidários
fixos e políticos no activo, autarcas, deputados, o que for, incluindo
políticos na reserva, políticos na espera e candidatos a qualquer coisa!”[3].
E assim se faz Portugal. Ou o querem fazer…
[1] Passista, de Passos e C&a
[2] Do autor José Gomes Ferreira, jornalista de “análises económicas” da SIC, licenciado em Comunicação
Social pelo ISCSP da Universidade Técnica de Lisboa, onde se “notabilizou”
como um aluno mediano a Matemática e com dificuldade em perceber equações
(informação Wikipedia)
[3] In “As notícias na televisão”, artigo de opinião, DN, 25 Setembro
2016