21 março 2007

Um Dia de Poesia


Se poeta sou, sei a quem o devo

ao povo a quem dou os versos que escrevo …”
Fernando Miguel Bernardes


Um Poeta que fosse, com arma de amor e ironia
para pintar de cores vivas as palavras certas
seria mulher ou homem que tanto fazia
em português ou talvez não, soltando arestas
que vivas são quando apontam setas
Eu bem gostava de ter cá dentro a voz
que traduzisse um olhar de ver
soltando à má fila um outro eu, talvez atroz
sempre à espera para o que der e vier…

Ou se calhar não…
Alf.
21 Março 2007

18 março 2007

CRÓNICAS DE TIMOR-LESTE -6 AMIZADES...

Elas e eles Amigos que fiz em Dili; nem todos estão na fotografia, mas todos decerto ficam no coração. Em reuniões de trabalho, em amenas cavaqueiras pela noite dentro, no café, no restaurante, no Hotel Timor, aqui e ali, ficam as amizades acima de tudo o resto. Elas e eles portugueses e timorenses que trabalham, vivem e lutam em Timor-Leste, tão longe de Portugal e tão perto de nós, enfim que isto das tecnologias acaba por aproximar as pessoas, um bom sinal dos tempos que correm, depressa e devagar, conforme o ritmo dos orientes e dos ocidentes na era global que vivemos um pouco por todo o lado. Não esquecerei as semanas (uns breves momentos afinal…) que passei em Dili, em trabalho e no lazer das horas e minutos que, com uma certa sofreguidão, fui saboreando no calor dos dias e das noites, por vezes com uma certa ansiedade pelo correr dos acontecimentos nem sempre calmos é verdade, mas a vida é um pouco assim, ficam as saudades, as coisas boas, aquilo que vamos construindo a pouco e pouco, as pequenas vitórias do nosso contentamento, acima de tudo o calor humano daquelas e daqueles que connosco partilham momentos que ficam e que esperamos sempre se repitam.

Viemos para fazer uma obra, arquitectar um Projecto, tentar aproximar as pessoas com base na aproximação de culturas, na conjugação de esforços que possam significar para alguns a autonomia e os direitos a que todos aspiramos. Se conseguiremos aquilo a que nos propomos agora, o tempo o dirá. Por isso, contamos com todos os Amigos.

Bem hajam!


Iniciado em Dili, 12 de Março, ano 2007
Concluído no Porto, 15 Março, ano 2007
ALF.

CRÓNICAS DE TIMOR-LESTE -5





SONHO(S) E REALIDADE




Cada dia que passa em Timor-Leste aprendo uma nova maneira de ver as coisas. Para já, a comunicação com as pessoas não é fácil, um sim pode às vezes ser um não e vice-versa, depende um pouco como a questão é colocada. Entretanto, nos bastidores do Projecto, os contactos com as autoridades locais revelam sempre uma grande preocupação com “o depois”. E o que é isto? Nem mais nem menos que a perspectiva de saber como vão ser rentabilizados os espaços que vão ser construídos, como vão ser programadas e animadas as actividades previstas, qual a taxa de ocupação dos centros, quem e como os vai utilizar… Aqui, espaços como os que vão se edificados e equipados, significam paradoxalmente um perigo potencial de vandalização, dada uma certa instabilidade latente que se vai sentindo. Aproximam-se as eleições, a presidencial primeiro, a 9 de Abril e as legislativas, um mês depois e, a pretexto (ou não) desses factos, tudo pode acontecer. Torna-se para nós evidente que tudo tem que ser programado, definidas as responsabilidades, orçamentadas as obras, analisadas as alternativas, cimentadas as parcerias, enfim desenhados todos os cenários, para que a probabilidade de falhas seja a mínima possível. É para nós um dado adquirido que deve ficar assente desde já a futura direcção do Centro Comunitário.

Enquanto isso, o Presidente Xanana Gusmão com quem me encontro, dá conta de um sonho que persegue há anos: reactivar Soibada, por onde terão passado sucessivas gerações de timorenses que constituem até aos dias de hoje a elite cultural do território; o Colégio da Soibada, dirigido ate 1910 pelos Jesuítas, destinava-se à formação de professores-catequistas, incumbidos ao mesmo tempo da alfabetização e da instrução religiosa das populações rurais. A ideia, o sonho enfim, seria implementar aí um Centro de Estudos avançados para professores, formadores, académicos, com o propósito de consolidar uma “formação estruturante”, capaz de preservar a defesa da língua portuguesa e as tradições e costumes timorenses e de promover a cultura e o saber. Anoto as preocupações do Presidente e faço saber que o sonho pode transformar-se num grande projecto, desde que seja possível fazer um diagnóstico da situação a esse nível, identificar as vertentes-base e procurar os apoios que permitam avançar uma proposta de intervenção global para o relançamento da Coimbra de Timor-Leste, como é conhecida Soibada. O sonho pode vir a ser uma realidade, num futuro próximo. Aceito o desafio, naquilo que poderá significar uma resposta da sociedade timorense para a sua formação e enriquecimento culturais, uma aposta de futuro na sociedade do conhecimento onde nos inserimos.

É que “…sempre que um homem sonha, o Mundo pula e avança…”

Dili, 10 de Março, ano 2007
ALF.

07 março 2007

Ela (She)
"O valor das coisas não está no tempo em que elas duram, mas na intensidade com que acontecem..."
Fernando Pessoa


"
She, may be the face I can't forget
a trace of pleasure or regret
may be my treasure or the price I have to pay.
.."
Elvis Costello


Ela que preenche os nossos dias, povoa as nossas cidades, sofre e luta e cala não raras vezes. Ela que é Gabriela, cravo e canela, com samba e liberdade à mistura. Ela que é Luísa, sobe a caçada de um qualquer sítio, no peso de uma existência por vezes sem sentido. Ela que pode ser Marta ou Mariazinha, conforme a disposição do companheiro, amante ou patrão. Ela a quem por vezes oferecemos flores, mas também pisamos direitos. Ela que ésistematicamente descriminada, mas a quem rendemos homenagem se corre mais depressa na pista ou se desfila na passerelle. Ela que em remotos lugares é privada dos mais elementares direitos de cidadania. Ela que é violentada e amordaçada. Ela que nos acompanha e embala, que nos perturba, mas que muitas vezes nos ouve em silêncio. Ela que é paixão, o tal fogo que arde e que em tempos passados a queimou na fogueira, sempre em nome de grandes princípios, curiosamente ainda os mesmos que ainda hoje a diminuem e enxovalham. Ela mesmo, que é menina, com doce balanço e carinho do mar. Que pode ser deusa, princesa ou rainha, feiticeira ou puta, conforme vira o vento ou muda a sorte...

Ela que são muitas elas, elos de uma cadeia que faz nascer e girar o mundo. Ela, a quem dedicamos um singelo dia no ano, em memória da liberdade, da democracia e da igualdade.

É hoje!

05 março 2007

CRÓNICAS DE TIMOR-LESTE -4
TIMOR COM RUGAS...



Dili, 4 e meia da tarde deste dia conturbado que começa com a recomendação da Embaixada Portuguesa para a restrição de circulação; os professores não iriam dar aulas hoje, o hall do Hotel Timor povoa-se de gente que circula, sem saber bem o que fazer. Com uma reunião no Palácio do Governo às 9 da manhã, hesito em fazer a pé o percurso habitual, tomo um táxi, apenas um minuto e meio, por 1 dólar. Recebo convite do Instituto Camões para a apresentação, na Fundação Oriente, do livro (() Timor, as Rugas da Beleza, António José Borges, Garça Editores, Peso Régua, 2006) do TozéBorges, professor de literatura portuguesa na Universidade de Timor Lorosae. É precisamente ao título da sua obra que roubo a ideia para o nome desta crónica, segundo o autor uma homenagem aos velhos de Timor-Leste que perpetuam o mundo imaginário do Bei Lafaek (o Avó Crocodilo); serão eles, cada um desses velhos, uma autêntica biblioteca itinerante (() Referência do autor), de onde se soltam palavras silenciosas (() Idem, ibidem.).
Aproveitam-se os momentos de convívio, após a apresentação do livro do Tozé; a Mara (do Instituto Camões) faz as honras da casa emprestada, o ar condicionado avariado, as bebidas bem quentinhas, mas com todo o mundo bem disposto, bebendo o fim de tarde chuvoso e quente, com montes de soldados nas ruas.
A provar, se necessário fora, que este mundo é mesmo pequeno, o prazer imenso de reencontrar um colega de curso da FEUP; uma conversa técnica sobre energias renováveis e, ao fim de alguns minutos descubro o Cordeiro, não nos cruzávamos desde o já longínquo ano de 75, marca no tempo do final de curso para ambos.

Falo ainda sobre o que me trouxe por cá, apenas para dizer que o dia de hoje transportará toda a carga emotiva da satisfação do chamado dever cumprido. Após uma longa reunião que vai quase até às 2 da tarde, conseguimosdelinear o Projecto de construção do Centro Comunitário de Educação e Formação de Bidau Massau, mais um Centro Internet e ainda um pequeno Parque de Jogos. Os dados estão agora lançados, acertam-se os orçamentos, discutem-se os pormenores do início das construções, do envio da primeira tranche de dinheiro e claro da necessidade de apresentação de contas. O que significa esta obra, ou melhor estas obras, para os timorenses da aldeia, não tem palavras. Nós, do outro lado, tentamos aprender o significado do que é a cooperação para o desenvolvimento. Em Timor-Leste, o País das crianças, das mulheres silenciosas (silenciadas?) e dos velhos que mostram nas suas rugas toda a beleza deste Oriente com uma claridade imensa, apesar da sombra dos dislates dos últimos dias.

Amanhã, espera-se um dia mais claro ainda...



Dili, 5 de Março, ano 2007
ALF.

CRÓNICAS DE TIMOR-LESTE -3





A VISITA A BIDAU MASSAU








Às 10 da manhã deste Sábado já a comitiva do Primeiro-Ministro Ramos Horta se encontra no Hotel Timor, devidamente preparada para uma missão de reconhecimento de terreno. O destino é o Suco(() Suco: divisão administrativa que abrange várias aldeias) de BidauMassau, onde existe uma Associação de desenvolvimento local, em colaboração com a diocese de Dili.

Deslocamo-nos numa Microlete, o PM, a Chefe de Gabinete, dois assessores e mais 2 jornalistas. Atrás de nós um jipe com 2 seguranças, passando perfeitamente despercebidos na paisagem. Pelo caminho, muitas saudações da população, algumas paragens para cumprimentar as pessoas, muitos miúdos das escolas com os seus uniformes coloridos que se acercam da carrinha, sempre que dão conta que dentro viaja o próprio PM. Uma breve passagem pela residência oficial do Presidente Xanana Gusmão, com quem o PM tinha ficado de se encontrar. Andamos uns 20 minutos em marcha lenta pelas ruas da capital, afastando-nos do centro da cidade, por zonas habitacionais, sempre com as montanhas por fundo, uma imponente paisagem com tons de verde carregado e uma ligeira ameaça de chuva, que nunca se cumpriria, à excepção de umas pequenas gotas que amenizam o forte calor dos últimos dias. Entramos na aldeia de Bidau Santana, umas 500 famílias, num total de cerca de 1200 pessoas; a aldeia tem uma Escola Primária com 8 salas para 40 alunos e 10 professores. A Associação trabalha para a população da aldeia, com o objectivo de formar mulheres e jovens nas artes da costura, defende o património ambiental e projecta a formação desportiva dos mais jovens. Germano Brites apresenta-nos o seu Projecto que envolve a edificação de um pequeno Centro Comunitário e também de um campo desportivo multiusos. Fazem uma festa da nossa visita sobretudo quando Ramos Horta lhes comunica que eu trago apoio concreto para o seu Projecto, materializado numa doação dos professores portugueses.

No regresso, sempre em marcha lenta, com várias paragens, damos boleia por duas vezes a timorenses que aguardavam algum transporte e que são convidados a entrar na Microlete. Um almoço excelente oferecido pelo PM a toda a delegação, naquilo que em Portugal poderíamos chamar uma tasca, completa o cenário de um dia que marcará certamente todos nós.

É difícil explicar a satisfação destes momentos. Ficará na memória o contacto directo com as pessoas, a sua simplicidade, o seu empenhamento na melhora das suas condições de subsistência, no orgulho pelos seus valores, na defesa da sua terra. O pano de fundo do local onde a aldeia se reuniu para nos receber é uma imagem da santa, evocando os mártires do massacre de Santa Cruz...



Dili, 3 de Março, ano 2007
ALF.

CRÓNICAS DE TIMOR-LESTE -2

O HOTEL TIMOR (em Dili)

O Hotel Timor (HT) localizado no centro de Dili, mesmo em frente ao porto é o principal hotel da cidade e, de certa forma, um ícone da capital timorense. Muita história se fez neste edifício, antigo Makhota, designação original que remonta a 1972, funcionando entre 1976 e Setembro de 1999, data em que foi incendiado e abandonado durante o período conturbado da retirada da Indonésia do território. O actual edifício foi alvo de remodelação profunda no final do século passado a partir de um Protocolo celebrado entre a Fundação Oriente e o Governo de Timor-Leste; nessa altura, aquela Fundação realizou obras de total recuperação e equipagem do novo Hotel Timor.

Um símbolo da capital e palco de acontecimentos ligados à luta pela independência e mesmo após em momentos de crise, o HT é ponto de encontro permanente de trabalhadores da cooperação portuguesa, empresários, professores e demais visitantes da capital. À hora do almoço, ao final da tarde e no fim do jantar, o Bar do HT enche-se de pequenos grupos que simplesmente conversam, bem o seu copo. Há também os grandes grupos, sobretudo profissionais das Nações Unidas e da GNR portuguesa.

A realidade em frente ao HT é porventura bem diversa: grupos de barracas mais ou menos alinhadas, pessoas que na calada da noite procuram um pequeno jacto de agua no jardim fronteiro para se lavarem. Curiosamente chamado de
Jardim dos Heróis, o espaço é para todos os efeitos um dos vários campos que acolhe deslocados timorenses.

Com muita simpatia da maior parte dos funcionários, a começar pelo jovem director que está por cá há 1 mês e meio, o HT tem de facto um serviço de qualidade mais que rasteira. Na ingenuidade de viajantehabituado a pedir todo o tipo de informação no Hotel, descubro que não existe um mapa da cidade e só há jornal de 15 em 15 dias. Não existe promoção turística de qualquer espécie, mas há sempre um porteiro simpático para nos receber. Não é propriamente o Hotel Califórnia da canção, é simplesmente o Hotel Timor...


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Fontes
:
Sitio Internet HT, in:
www.hotel-timor.com
www.portugaldiario.iol.pt


Dili, 2 de Março, ano 2007
ALF.

CRÓNICAS DE TIMOR-LESTE -1



Conhecer DILI
(em TIMOR-LESTE, a NAÇÃO mais nova do Mundo)








Estou em Dili desde há 3 dias, respiro o ar quente e húmido destas paragens onde o tempo passa de uma outra forma. Aqui há, como em todo lado, pessoas que lutam por melhores condições, com a diferença que estão sujeitas a uma ameaça constante vinda dos vizinho australiano que, como diria o Manuel Correia está apostado em destruir tudo aquilo que foi construído pelos timorenses e também, por nós portugueses. Encontro todos os dias (ainda são poucos...) pessoas novas, novos amigos e amigas; trabalham na Universidade, na construção civil, na arquitectura, na produção de mobiliário, enfim na cooperação portuguesa que mantém viva a cultura lusitana neste Oriente misterioso, pelo menos para quem não o conhece ainda.

No primeiro dia, não me aventuro a sair do Hotel Timor sem o apoio de um motorista de táxi, recomendado pelo gerente do hotel. Apu assim se chama o meu guia, que cobra à hora, nem mais nem menos que 10 dólares, é simpático, não quer receber na primeira viagem, que dura exactamente (segundo as contas dele...) uns singelos 11 minutos; ficas com o meu número e chama de onde estiveres
..., diz ele, é simples, não tem que saber; conduz muito devagar (claro!) numa pequena selva de trânsito, que tem pouco a ver com a que estamos habituados, não têm contudoa mania fundamentalista dos portugueses que param em qualquer passadeira se adivinham que um peão se aproxima; nada disso, buzinam sempre que alguém atravessa a rua, que esta é para os carros, claro; mas não andam nem estacionam em cima dos passeios, respeitando assim uma delimitação geograficamente evidente. Por falar em passeios é curioso encontrar na sua maioria as raízes das árvores seculares a rasgar grande parte deles...

A partir de hoje e salva alguma deslocação para fora de Dili, Apu será dispensado. Descubro finalmente a cidade passeando a pé, única forma de as conhecer na realidade. Mercados, lojas impensáveis para um ocidental, casas com telha portuguesa (um orgulho para os timorenses, não se cansam de o dizer), as pessoas... Dili é uma cidade assim como perdida no tempo. As pessoas são afáveis, mas terrivelmente reservadas, querem falar português, mas têm medo de o fazer ao mesmo tempo, é estranho; são muito sintéticas, conversa fiada não é com eles, dizem o que basta e pronto. Um passeio a pé pela cidade,com as pausas da praxe para fotografia, demora umas 3 horas; fica tudo visto; a exploração de alguns sítios seleccionados fica para depois. Obrigatórios, o Palácio do Governo, o porto de Dili mesmo em frente, um passeio calmo e curioso pela Avenida Bispo Medeiros que tem tudo (ou nada?) para comprar; na zona do Hotel Dili há também muito comércio, pequenas lojas, supermercados, lojas chinesas, muitos miúdos de rua vendendo lembranças de Portugal, porta-chaves, bandeiras. Nos cafés, sempre muito movimentados podemos sempre encontrar grupos de portugueses, professores, técnicos da cooperação, policias, ou ainda funcionários das Nações Unidas. Estes aliás passeiam-se constantemente pelas ruas nos seus jipes topo de gama, aos montes, parece mais um território ocupado... Não esqueçamos ainda os vendedores de fruta, um espectáculo: transportam ao ombro uma vara de bambu de onde pendem das extremidades cachos de bananas, de milho, de laranjas esverdeadas (...), de mangas; abordam frequentemente as pessoas com uma interjeição esquisita e logo se afastam...

As primeiras impressões mostram uma cidade com muito movimento, com alguma alegria contida e muitos pequenos grupos que se juntam um pouco por todo o lado e que fazem qualquer coisa que ainda não dápara perceber, ignoram-nos pura e simplesmente, isso é mais que certo...


Dili, 28 de Fevereiro, ano 2007
ALF.

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