20 maio 2020

COSTA: ENCANTO E DESENCANTO


Era uma espécie de canto anunciado, um canto sem armas, que outros, entretanto iriam usar em sua defesa. Outros, em proveito próprio.
Desde os primeiros tempos, assim o penso, Costa haveria de revelar alguma intranquilidade, perante a maior parte das temáticas que envolvem aqueles que ao trabalhar, contribuem sempre um pouco mais, e mais, para a riqueza da minoria.

Nas situações concretas em que uma posição firme era necessária, acabaria sempre (ou quase sempre) por vacilar. Ou melhor, para se inclinar para o lado do mais forte. Senhor de uma oratória débil, Costa acabaria sempre por ser enrolar nas suas próprias contradições, sobretudo sempre que se trataram assuntos que exigiam posições claras e inequívocas.
Ancorado durante 4 anos por uma maioria parlamentar suficiente, embora enganadora, Costa beneficiaria sempre dos louros colhidos, pelas medidas que foram aliviando um pouco, a carga da ditadura da troika e do governo da Direita.

FOI SEMPRE ASSIM
O que lhe acabaria por granjear uma popularidade crescentemente positiva, que ia gerindo, nem sempre com a eficiência necessária, mas com alguma eficácia. 
Conseguiria levar a bom termo uma legislatura completa, com quatro orçamentos aprovados, sem sobressaltos dignos de registo. Nem sequer, na parte final, aquela atitude birrenta e chantagista para com os professores, iria abalar a tão propalada geringonça.
Durante a campanha eleitoral das legislativas, faria elogios mais ou menos convincentes à maioria parlamentar, jurando fidelidade a uma causa que nunca demonstrou verdadeiramente que era a sua causa.
Que não é, seguramente, a sua causa.
A esperada maioria absoluta acabaria por não acontecer. Apesar disso, viria a demonstrar alguma sagacidade, particularmente nos primeiros tempos do Governo, para conseguir aprovar o Orçamento de Estado.

HOJE, O COSTA QUE TEMOS
Costa é um epifenómeno, politicamente sustentado, por circunstâncias favoráveis, a nível interno e externo. 
Mais cedo ou mais tarde, haveria de se mostrar. Não sei se a verdadeira face, mas a face verdadeira de quem defende políticas públicas, com a ligeireza conhecida. Sem um programa, sem qualquer rumo visível. Apenas algum ruído, durante a crise pandémica, aparentemente contra as políticas desastrosas e até vergonhosas da dita “união europeia”. 
Mas, logo de seguida, elogia o presidente do eurogrupo, que bateu palmas às medidas escandalosamente enganadoras que o ordoliberalismo tinha (e tem) para “oferecer” aos povos oprimidos pelas suas arbitrariedades. 
Aliás, não deixa de ser curioso o bate-papo com Centeno, com os salamaleques costumeiros pelo meio, a propósito da injecção de capital no Novo Banco. Curioso sim, porque ambos pensam a “mesma coisa da coisa”. Apenas uns arrufos. O País sempre a pagar, ou melhor, sempre os “mesmos a pagar para os mesmos”.
Costa não tem propriamente um pensamento político estruturado.
Sabemos, entretanto, o que vai fazendo, “mesmo sem pensar”, quanto à continuidade das políticas rentistas, quanto ao seguidismo à dita “união europeia”, quanto às políticas de favorecimento das grandes empresas de energia e das telecomunicações, quanto à escandalosa vergonha dos baixos salários e das pensões de miséria, quanto à banca...

Não falamos, hoje e agora, da Saúde e do SNS, por respeito aos infectados. Por imenso respeito aos profissionais que lutam contra a pandemia. Por respeito a todos que corajosamente lutam contra as arbitrariedades de alguns empresários que se aproveitam da situação. Por respeito aos que perderam os seus empregos e que podem não os recuperar. Por respeito aos que perderam a vida.

Ao fim e ao cabo, Costa nem precisa de dizer qual, ou quais são, as suas propostas para todos aqueles sectores, como conviria (há que dizê-lo com frontalidade) a um Primeiro-Ministro.
E não precisa, simplesmente porque a sua prática é que conta. 
Mesmo aparentemente defendendo (cá está afinal a Saúde...) o SNS, como uma das conquistas de Abril, o não-investimento e a aceitação tácita da sua eventual desagregação, são a prova (prática) bastante.

UM SONHO (apenas, um sonho)
Que bem ficaria a Costa vir dizer que, ao invés de pagar ao fundo abutre que detêm o Novo Banco, o Governo PS iria estudar uma medida para compensar famílias e micro e pequenas empresas, por exemplo, aumentando desde já o Salário Mínimo (como eu detesto este termo...) para 800 euro.
Quem bem ficaria a Costa e aos seus Ministros afins, virem anunciar um plano de recuperação da economia nacional, para minimizar a dependência externa e não estar um País inteiro à espera que entrem mais uns milhares de turistas.
Que bem ficaria a Costa e ao seu Governo virem descansar os trabalhadores, aqueles que pagam impostos em Portugal, anunciar um orçamento rectificativo, dando incremento à produção e distribuição de bens alimentares de primeira necessidade, para minimizar as perdas daqueles que tudo perdem constantemente com as crises. 

CONTUDO, O QUE TEMOS É...
O episódio inacreditável do lançamento público de Marcelo, para o seu segundo mandato, é ao mesmo tempo, o encanto e o desencanto de Costa. 
Alguns dirão que foi uma falha, um lapso, uma escorregadela. Afinal o homem até já estará eleito, porque não apoiá-lo. Ele o disse, assim ou de outra forma. 
O encanto confunde-se então com o desencanto, misturando a aparente contradição, com a realidade de Costa, enquanto homem político.
Lembro Nietzsche, quando avisa “Se tendes, porém, um inimigo, não lhe devolveis bem por mal porque se sentiria humilhado: demonstrai-lhe, pelo contrário, que vos fez um bem” [i].
Costa é hoje (para mim, sem qualquer desencanto, sempre foi) a imagem da verdadeira aversão da social-democracia, pelas transformações sociais, que relevem a defesa da emancipação dos trabalhadores, do jugo do capital. Que estejam contra a dominação e o medo, que a corrente neo-liberal utiliza como arma de arremesso e contra a qual, é preciso tomar mesmo uma posição.
Não há nenhum encanto nisto. 
E, para quem se sentir desencantado, não deixa de ser uma autêntica lição política. 
Porque a aprendizagem sempre fez bem a quem pensa.




[i] “Assim Falava Zaratustra” (1885), Friedrich Nietzsche, I parte, pág. 75

18 maio 2020

OS SONSOS




























Os sonsos são o grande problema do mundo contemporâneo. Nunca dizem ao que vêm. (...) Adaptam-se a tudo. São omnívoros. Rastejantes. Sobreviventes puros. Para nossa desgraça - mas não só nossa - reproduzem-se com maior celeridade nos países pequenos, onde a tradição protege os cobardes.”[i]
Gosto particularmente desta “classificação”. 
Porque não gosto de sonsos.
É nesta categoria que enquadro diversos comentadores, politólogos e outros que pululam nas rádios e TV.

Um deles, chama-se Pedro Adão e Silva (PAS). É um comentador jovem, bem-falante, com um discurso fluente. Provavelmente muito apreciado por aquela faixa de público, sensível a conceitos, como “moderação”, “equilíbrio”, “sensatez”, enfim “sentido de estado”,...
Avesso a radicalismos, que sempre faz questão de referir, “nem de direita nem de esquerda”. Supostamente apoiante do Partido Socialista, PAS é bem preparado nos temas que aborda, é professor universitário, um académico, portanto, com todas a responsabilidade daí decorrente.
O problema de PAS, é que é incapaz de um rasgo de criatividade, um pequeno risco, uma tentativa de abordagem de uma perspectiva de mudança, pelo menos no que reporta a análise.
PAS é no fundo um conservador “moderno”. As suas análises giram normalmente à volta do mesmo. Que se pode resumir, em termos simples, no acordo com o respeito a todas as regras instituídas, quer a nível local, quer ainda a nível europeu. E se classifico de “simples”, é porque, na realidade, PAS defende basicamente para o País, embora sem o declarar, a santa aliança de bloco central, entre o Partido Socialista e o resto da Direita. Mesmo aparentemente discordando e por vezes até zurzindo na Direita tradicional, o certo é que essa atitude é uma das facetas do sagrado desejo de que o tal bloco volte a funcionar, com novos intérpretes, possivelmente muito melhor preparados, face à previsível falência de um processo (mal classificado) de preponderância da Esquerda, nos tempos que correm.  

Sobre este particular, PAS afirmou diversas vezes que a geringonça nunca seria repetível, nos moldes anteriores às eleições legislativas, reportando-se a uma possível estado de maioria de Esquerda. Certo no princípio, errado (uma vez mais) na análise. O facto é que a Esquerda nunca esteve no Poder em Portugal, mesmo nos tempos da chamada “geringonça”. O governo sempre foi do Partido Socialista, em exclusivo, muito embora existisse um “acordo parlamentar”, que permitiu a aprovação de 4 Orçamentos de Estado. Apenas e só, isso, nada mais. Mesmo que admitamos, terem existido algumas (poucas) situações favoráveis aos trabalhadores, fruto de muita luta e de muita pressão da Esquerda Parlamentar. 
Aqui valerá a pena falar de Centeno, uma das figuras mais apreciadas por PAS, ao ponto de o classificar como o Ronaldo do ecofin e do eurogrupo. Então digamos que o senhor Centeno sempre esteve do “outro lado” nas escolhas que faria. Sempre e em todas as situações, Centeno tentaria travar os pouquíssimos avanços conseguidos.

Mas PAS tem um fetiche particular por (ou com) Centeno. Porque é “cumpridor” e “seguro” e, acima de tudo, “rigoroso” e de “contas certas”. Na verdade é que, acima de tudo, é a “coerência” que preside às análises de PAS. Ora acontece, que, em política, o cumprimento escrupuloso das regras é uma cegueira como qualquer outra, que pode inclusivamente levar a adoção de critérios draconianos, em um país como o nosso, sem capacidade de ter uma política financeira nem orçamental porquê refém da moeda única. Mas que PAS defende, como os melhores conservadores da direita. Mesmo com discordâncias ligeiras de percurso, PAS deve ter aquela linha de pensamento, por um lado linear e, por outro lado, perversa, de que “...é preciso mudar aqui alguma coisa, para que tudo fique na mesma”.
Tudo certo, até nas tais contas, desde que não sejam colocados em causa contratos, tratado e convénios.
Diga-se na verdade que a obsessão de PAS por Centeno e pelo chamado “rigor orçamental” é do mesmo jaez daquele que o levou a propor Ferreira Leite, como candidata à Presidência da República, em 2015, argumentando que “...os próximos anos vão exigir uma enorme cultura de compromisso (...) estando o PS eventualmente no Governo, não há vantagem de ter em Belém uma personalidade que partilhe do espaço político representado em S. Bento.

Por todas as razões e mais uma, PAS assume uma posição “radical”, na farsa montada acerca do Novo Banco(NB) e de mais uma injecção de capital.  Não interessa mais nada a PAS, se Centeno avisou ou não Costa ou o Conselho de Ministros, nem sequer que lhe deveria uma singela explicação, para ter decidido unilateralmente, numa situação de crise pandémica, pagar a conta ao NB. O que interessa a PAS (atenção, não é só a PAS...), é cumprir e pagar. Está no orçamento e é para cumprir. Ora, acontece, como é do conhecimento geral, que não poucas vezes o orçamento é corrigido e alterado inclusivamente. Aliás, é o que vai acontecer forçosamente em breve, neste contexto. Diria que é mesmo obrigatório que assim seja, por força da pandemia.

Mas para PAS, nada ou pouco conta. Na realidade, há o “sublime” argumento da “credibilidade do País”. E mais outro ainda, que é a asserção “...a falência de um banco desequilibra o sector financeiro de um País”. Ambos estão ligados e servem, e serviram, para a prática dos maiores desmandos, desde o governo de Passos Coelho, até aos governos de Costa. A mesma análise, os mesmo erros.
Aquilo que PAS entende sobre economia e finanças é um vazio. Diz sobre o NB aquilo que é o vulgar nestas situações: era (e é) obrigatório salvar o banco, sob pena de uma instabilidade do sistema financeiro. Para PAS é mais importante a inevitabilidade anunciada de um eventual risco sistémico (continuamos a falar do NB) do que os erros sucessivos cometidos pelos governos e pelo Banco de Portugal, na avaliação de risco que existia, à altura do problema. Ou seja, o que PAS diz é a vulgaridade mais vulgar possível. Nada de novo, a não ser (uma vez mais), a repetição das fórmulas conhecidas e que levam sempre aos mesmos resultados.
A propósito deste tipo viciado de linguagem, Gilles Deleuze diz que “talvez a fala, a comunicação estejam apodrecidas, estão inteiramente apoderadas pelo dinheiro: não por acidente, mas por natureza...”

PAS é um comentador político.  Até poderíamos considerar o sujeito, como minimamente preparado, para falar de tudo, no geral e, de tudo também, em cada particular. 
Mas não. PAS é um comentador “parcial”. Porque manifesta posições pró-sistema, de forma acrítica, excluindo possibilidades (a desobediência ao cumprimento é ou não uma possibilidade?). E não é, como normalmente lhe é atribuído um “comentador da Esquerda”, longe disso. PAS é um conservador, que exprime muito bem, as posições de uma social-democracia europeia, que já mostrou o seu papel pernicioso, na defesa e na prática de políticas que provocaram (e provocam) o desencanto completo dos cidadãos, entregando-os, por falta de respostas, nas mãos da extrema-direita. Uma realidade assustadora, deve dizer-se.
Quando, por exemplo, PAS faz tábua rasa de toda a política desastrosa que conduziu a entrega do NB a um fundo abutre, com o comportamento relacionado com os prejuízos sucessivos do banco, nos dois últimos anos, bem como dos dividendos distribuídos aos accionistas mesmo contando com os prejuízos citados, está forçosamente a ser, como afirmado atrás, parcial. 
Apesar de, nas suas análises, por vezes recorrer a alguns jargões considerados de Esquerda, PAS engana os que o ouvem. Daí a classificação de “sonso”, um “grande problema do mundo contemporâneo.”
Permiti-mo deixar a PAS e a todos os sonsos, as palavras de Bento de Jesus Caraça[ii], escritas, há mais de 80 anos atrás (mais exactamente 81, feitos a 1 de Maio de 1939):
·      O grau de civilização de um povo mede-se pela quantidade e qualidade dos meios que a sociedade põe à disposição do indivíduo para lhe tornar a existência fácil; pelo grau de desenvolvimento dos seus meios de produção e distribuição; pelo nível de progresso dos seus meios de produção e distribuição; pelo nível de progresso cientifico e utilização que dele se faz para as relações da vida económica. A aquisição da cultura significa uma elevação constante, servida por um florescimento do que há de melhor no homem e por um desenvolvimento sempre crescente de todas as suas qualidades potenciais, consideradas do quádruplo ponto de vista físico, intelectual, moral e artístico; significa, numa palavra, a conquista da liberdade.

cultura integral do indivíduo é uma arma contra os sonsos.




[i] Excerto de um texto de Inês Pedrosa, publicado no Semanário EXPRESSO, a 27 de Fevereiro de 2010, a propósito da passagem por Portugal, do ensaísta Christopher Hitchens.

[ii] Bento de Jesus Caraça (1901-1948). Matemático e pensador, foi professor universitário e deixou-nos uma pequena obra, notável, “A Cultura Integral do Indivíduo - Problema central do nosso tempo”, (de onde extraímos a citação) Ainda estava para acontecer a II Guerra Mundial que, até 1945 fustigaria a Europa, com os factos e as consequências que hoje bem conhecemos. O Autor, aproveita esse pequeno livro, para esboçar um resumo de um autêntico programa de intervenção cultural, científica e pedagógica.

10 maio 2020

A CENSURA ESTÁ ENTRE NÓS!!!


Caros Amigos,

Pensei que tal não fosse possível, em pleno século XXI, no ano sem graça de 2020.
Hoje, dia 10 de Maio, coloquei uma mensagem no Facebook, por volta das 3 da tarde.
Havia sido desafiado para colocar 10 capas de livros que me houvessem tocado de alguma forma: a regra era apenas colocar 1 capa por dia, sem qualquer comentário.
Hoje terminava a minha prestação, como a aposição da 10ª obra.
Que era “O Amor Louco”, de André Breton, uma obra (de 1934) que li nos anos setenta do século passado. A edição antiga que eu tinha, “...já se foi há muito tempo, por tantas mãos (loucas) deve ter andado”, como tantas naquela época, como eu dizia na mensagem.
A capa, que aqui vos deixo é da Editorial Estampa, edição de 2006:



Resultado: para cumprir o que me pediram, andei á procura de uma outra capa, de outra editora, com uma imagem diferente, uma vez que a imagem original, foi CENSURADA.
Imaginem só, é a capa de um livro que está nos escaparates de qualquer livraria do País.

Mais tarde, por volta das 5 e meia da tarde, recebo isto:



E, de imediato, publico na minha página, não sem alguma indignação, mas foi o que saiu.

CENSURA!
ABAIXO A CENSURA!
Acabo de receber esta “simpática” mensagem dos CENSORES desta aplicação.
AINDA HÁ CENSURA NESTE PAÍS!
Tentei publicar uma capa de um livro que está no mercado, das Edições Estampa, datado do ano 2006, intitulado “O Amor Louco”, de André Breton, ISBN 972-33-2311-7.
A fotografia da capa mostra uma mulher nua deitada, com um dos mamilos (é mesmo só um) à mostra.
Daí, os CENSORES me terem impedido e eu ter sido obrigado a escolher uma outra capa, da mesma obra, de um outra editora.
A incrível ESTUPIDEZ e ALARVIDADE de quem quer que seja que se atreveu a fazer isto, só prova que afinal temos CENSURA no nosso País.
Gostava de me encontrar com o anormal que fez isto e dizer-lhe, cara a cara, o que penso.
E, já agora, para ver se (como) sou reincidente, deixo o link da Editora, com a obra em questão:
https://www.bertrand.pt/livro/o-amor-louco-andre-breton/188418
E assim que desafio a CENSURA IDIOTA DO FACEBOOK!

Alfredo Soares-Ferreira




07 maio 2020

ESTAMOS CÁ


Para além de todas as vozes que por vezes nos parecem tão distantes, que até parece que vivem noutro planeta, há ainda aquelas do antigamente, que pregam por aí, disfarçadas de qualquer coisa. Podem continuar a disfarçar-se, todavia irão, na devida altura, mostrar as garras e atacar.
Há uma carta do José Castro [1], de tal forma transparente, que nos faz pensar como ainda seria se aquela ditadura ainda existisse. Releio a sua descrição com olhos, ouvidos e o resto do corpo, sentido a realidade da época “...boçalidade, selvajaria e brutalidade da máquina repressiva do regime de Salazar e Caetano, com mais de 20.000 inspectores, sub-inspectores, chefes de brigada, agentes, funcionários e informadores.”. E, já agora, pensando que existem ainda lugares, por esse mundo dentro, onde cidadãos sofrem o que muitos sofremos à altura.

Hoje, não é assim, passado que é quase meio século, ninguém no seu perfeito juízo seria capaz, por exemplo, de vir propor o isolamento da comunidade cigana. Ah, é verdade, aconteceu mesmo, com proposta para o Parlamento. Precisamente há 2 dias a esta parte, vejam só...
Na realidade e, apesar de todas as mudanças que a sociedade enfrentou, de todas as aprendizagens que fizemos (e vamos continuar fazendo), parece que as velhas ideias estão de volta, os velhos hábitos tentam reposicionar-se, as velhas “soluções” aí estão.

Dentro do tanto que há para fazer, contaremos connosco. Decerto que sim. Não podemos (nem devemos) esperar que aqueles que fizeram tudo mal, nas crises anteriores, apareçam agora, disfarçados de mentores, a vomitar propostas e soluções que nada têm a ver connosco, nem com o País.
Descubro, por exemplo, nos últimos dias, a propósito da pretensa concepção de “salvar” ou “recuperar” a economia e “ajudar” as empresas, a verdadeira intenção que lhe subjaz. E digo isto, depois de ouvir dezenas largas de profissionais de pequenas e médias empresas contarem os seus dramáticos casos, das suas dramáticas situações, das suas idas ao banco, para saber do andamento dos seus processos, e depararem com um muro de silêncio, ou de indiferença (tanto faz). Aquilo que precisam (ou precisavam), falavam de 3 a 5 mil euro, para “acudir” e tentar ficar de alguma forma resistir, tudo é recusado, ou, pura e simplesmente ignorado. Entretanto vai-se sabendo que, de novo, há cerca de 10 ou 20 dias a esta parte, há bancos que estão (de novo) a escrever e a ligar directamente a pessoas, para saber se querem aderir a uma linha de crédito de 5, 10, ou mail mil euro, sem que essas pessoas tenham feito rigorosamente nada, para tal (eu posso testemunhar isso, directamente!).
E depois não querem ouvir que há entidades que se estão a aproveitar da situação de crise para cometerem os exageros do costume, num desrespeito imenso para com a comunidade, apenas para se “acomodarem” e marcarem posição na conjuntura.

Porque, meus caros, o capitalismo tem uma relação muito particular com a fome e a miséria. Ao invés de as tentar minorar, alimenta-se delas, fazendo delas a sua bandeira negra. Alguém lembrava [2], há 4 anos atrás, que estava em re-ascensão uma “nova” doutrina, “... com raízes ideológicas no neoliberalismo e que tem sido pouco analisada, apesar de ser responsável pelo autoritarismo na Alemanha e de ter deixado uma "marca indelével" na fundação e construção da União Europeia”. Sim, o chamado Ordoliberalismo, responsável pela tentativa de estabelecer uma “nova ordem económica”, baseada nos mercados e na sua preponderância relativamente a políticas de desenvolvimento sustentado dos Estados (na realidade, a sua génese, remonta ao pós-guerra, anos 50 do século passado). Na prática, uma (re)construção europeia, onde aqueles (Estados) abdicam da sua soberania e “aceitam” ser comandados pelo medo e pela submissão a tratados, convénios e regras que não foram, na sua grande maioria, ratificadas por quem quer que fosse.

Temos agora já uma pequena noção do que se poderá passar, depois disto? O meu Amigo, Manuel Correia Fernandes coloca, avisando antes que as pessoas estão (ainda)  “...confinadas a um território e aprisionados num espaço físico, arquitectónico e urbanístico que são a cruel expressão da sua falta de liberdade no espaço que é seu.”, têm sentido? A resposta quase cruel, parece clara de tão evidente: por mais sentido que façam, e fazem muito, nomeadamente para quem luta diariamente com um salário de miséria, sem habitação condigna, sem aquecimento, sem dinheiro para alimentar os seus, sem, sem.., aquelas questões são apenas (se é que são) colaterais, para a grande parte das “cabeças pensantes” deste País. Não porque não pensem nelas, não porque não concordem, não que pessoalmente não as defendam também, não porque as não subscrevam até nalguns dos seus Programas, não que conceptualmente, não as apreciem e até façam delas bandeira, quando convém.
Nada disso. Apenas, “não estão na agenda”, muito simplesmente. 
Talvez um dia, quando a situação estabilizar (mas quando???), talvez quando todos, na dita Europa, estiveram de acordo. Por exemplo, até estamos de acordo em acabar com os off-shores..., quando todos os outros assim o fizerem.

Por favor, digam-me tudo, menos que “somos todos iguais” e que “a crise afectou-nos a todos por igual” e que “temos que ter respostas conjuntas” e sobretudo que “temos de dar as mãos” (não, não é lavar as mãos...), para reconstruir. Apesar de (quase) ninguém acreditar em tais conceitos, há sempre uma voz a sussurrar-nos cá dentro, simplesmente porque o tipo da televisão disse, porque o comentador opinou que assim, porque o jornal garantiu que assado. 
Projecta-se aparentemente, na sociedade contemporânea, uma linguagem sem sentido, que fala muito sem dizer nada e que se espalhou de forma vertiginosa. Aqui há uns anos atrás, Umberto Eco, alertava, em uma conferência proferida na Universidade de Columbia, a propósito de uma celebração da liberação da Europa, para o risco das “novas formas de linguagem”, nos “novos fascismos”. Estávamos em 1995 e, desde então não parou de crescer, aquilo que o pensador italiano Igor Sibaldi classifica agora como uma verdadeira epidemia real. Chama-lhe “Rumorese”, que é afinal, “falar muito sem dizer nada”, articulando termos feitos (fabricados) que não têm significado real, mas que, pela sua aparente ambiguidade, acabam por entrar no vocabulário corrente, fazendo escola e tomados como “verdades absolutas”, são utlizados de forma contínua e continuada, para produzir o efeito desejado: o Medo.
Poderíamos dar exemplos variados. Fiquemo-nos por estes, sobejamente conhecidos: “reformas estruturais”, “interesse nacional, acima do interesse partidário”, “medidas impactantes”, “políticas de ajustamento”,...

Acima de tudo, devemos (temos de...) lutar contra o medo. E contra a exclusão também, no mínimo para que as pessoas sejam vistas como cidadãos e não como números. Lembro apenas aqui uma declaração curta de Martin Scorsese, no ano de 1973, a propósito daquele filme perturbante que foi (que é, aliás) “Mean Streets” (“Os Cavaleiros do Asfalto”, em português): “...uma certa sensação de exclusão, de viver nos limites da sociedade, ou à margem, melhor dizendo. As pessoas não contam, supostamente não contam. Mas, mesmo assim, estão lá

Estamos cá!

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[1] “Do confinamento sanitário às prisões da ditadura”, in: https://www.esquerda.net/artigo/do-confinamento-sanitario-prisoes-da-ditadura/67574           
[2] Francisco Louçã, no livro "Segurança Social", uma obra colectiva

03 maio 2020

A HORA É DE O GOVERNO DECRETAR REQUISIÇÃO CIVIL AOS HOSPITAIS PRIVADOS


A ler com atenção esta opinião do Richard Zimler.
Todas as considerações que faz, são sensatas e pensadas. 
Para não haver qualquer injustiça social, resultante de resoluções apressadas e sem qualquer base científica, da “teoria da imunidade de grupo”.
De qualquer forma e para prevenir futuros “entupimentos” do SNS (não vale a pena o Governo vir de novo com ideia de que está tudo bem, quando nada está bem, está apenas por um fio...).
Quem está bem, sempre bem e mal pago é o pessoal do SNS, médicos, enfermeiros e outros técnicos de saúde.

Nesta altura talvez seja importante, para não dizer URGENTE, recordar o dia 24 de Março passado. Costa disse, nesse dia, em plena AR “Requisição civil aos hospitais privados? Se for necessário”. O PM disse na altura, estar “... a ponderar abrir um piso do Hospital das Forças Armadas, mas, se se justificar, Costa admite avançar com requisição civil, perante a sobrecarga do SNS.”
Para a imagem ficar completamente focada, nesse dia 24 de Março, convém lembrar 2 coisas:
1.     o registo nesse dia, era de 30 mortes e 2362 infetados pela Covid-19.
2.     em resposta a Catarina Martins, o PM garantiu que "até agora não houve necessidade de recorrer a nenhuma requisição civil". Porém, admite também que, "se for necessário", o Governo irá "recorrer à requisição civil de hospitais".

Este Governo anda sempre a reboque de qualquer coisa e não tem (é preciso dizer isto, sem rebuço!) estratégia alguma, a não ser a navegação à vista, patente na maioria das situações: máscara e não-máscara, abre e não-abre, fecha e não fecha, multa e não-multa, e etc... Não há qualquer segurança efectiva na maior parte das resoluções, a começar pela falsa opção, que parece estar sempre em cima da mesa, entre saúde e economia, uma afirmação de quem não tem mesmo nada para dizer, a não ser que estamos continuamente manietados, por continuarmos a ser um protectorado do Império, na chamada UE.

Ora aqui está uma boa oportunidade para o Governo tomar uma resolução: 
ler o artigo do Zimler e DECRETAR REQUISIÇÃO CIVIL AOS HOSPITAIS PRIVADOS, em defesa dos cidadãos e do Estado Português.
  

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UMA IDEIA IMPRUDENTE
1 de Maio de 2020
Richard Zimler

Advogar a imunidade de grupo como política a seguir nesta altura seria na minha opinião extremamente arriscado.

Tem vindo a ser divulgada por alguns meios de comunicação, por políticos e cientistas, a ideia imprudente de que a imunidade de grupo é a única maneira viável para nos salvarmos da covid-19. Ainda recentemente, esta teoria foi exposta na imprensa portuguesa pelo virologista Pedro Simas. De acordo com o Expresso, Pedro Simas “defende que o próprio vírus é a solução, que o único caminho é a imunidade de grupo e vê na sociedade um ‘excessivo medo de morrer’”. 

A meu ver, esta ideia é não só contrária à lógica como é praticamente impossível de atingir, pelas seguintes razões:
Primeiro, porque não temos absolutamente nenhuma prova de que os infetados com este vírus em particular desenvolvam qualquer tipo de imunidade a longo prazo. Aqueles que sobrevivem à covid-19 tanto podem adquirir imunidade por uma semana, como por um mês, um ano ou dez anos. Ninguém sabe. E sem imunidade de longo prazo, não é possível assegurar a proteção generalizada da sociedade. Além disso, tal como acontece com outros vírus, surgirão indubitavelmente variações individuais. Algumas pessoas manter-se-ão imunes durante anos, outras apenas algumas semanas. Em resumo, advogar a imunidade de grupo como política a seguir nesta altura seria na minha opinião extremamente arriscado.

Em segundo lugar, os especialistas que estudam este problema consideram que, para que a imunidade de grupo pudesse oferecer uma proteção significativa, seria necessário que 70% da população em causa fosse infetada e desenvolvesse uma imunidade forte. Se sete milhões de portugueses fossem infetados, quantos de nós poderiam ficar seriamente doentes e exigindo hospitalização? Neste momento, ninguém o sabe. Porquê? Porque não dispomos de estatísticas fiáveis sobre a percentagem de pessoas que ou não apresentam sintomas ou cujos sintomas são tão fracos que passam despercebidos e não são registados.
Consequentemente, nem cientistas nem políticos estão habilitados a fazer qualquer previsão fiável sobre quantos daqueles sete milhões de pessoas sobreviveriam e quantos morreriam.
Deveria Portugal e outros países pôr termo às suas políticas de distanciamento social e de quarentena – substituindo-as por uma política de imunidade de grupo – com base nesta situação de quase total ignorância em que nos encontramos?
Tudo me faz crer que não. 
Outro problema que teríamos de defrontar é que, mesmo que apenas uma ínfima percentagem das pessoas infetadas viessem a ficar seriamente doentes, os nossos serviços de cuidados intensivos ficariam rapidamente sobrecarregados. Imagine-se, por exemplo, que apenas 1% desses sete milhões de pessoas infetadas com o novo coronavírus em Portugal necessitassem de hospitalização: teríamos mesmo assim 70 mil pessoas a recorrer aos hospitais.
Com 70 mil pessoas exigindo cuidados médicos urgentes, todas as unidades de cuidados intensivos do país ficariam rapidamente sobrelotadas. Vários milhares de pessoas apresentando sintomas de risco de vida teriam de ser enviadas para casa, por ser impossível admiti-las nos hospitais. Além disso, teria igualmente de ser negado acesso a cuidados médicos a pacientes com outras doenças e problemas de saúde graves: vítimas de acidentes rodoviários, mulheres apresentando complicações de gravidez constituindo risco de vida, vítimas de ataques cardíacos e AVC, por exemplo.

A não ser que queiramos ter de criar órgãos de especialistas para decidir quem vive e quem morre, mais vale pormos de parte a ideia de que a imunidade de grupo é uma maneira viável e lógica de resolver o problema que nos é colocado por esta pandemia
A quem caberá decidir quem é autorizado a entrar para uma unidade de cuidados intensivos e quem deve voltar para casa e possivelmente morrer?
Teremos de dispor de uma estratégia para recusar assistência a milhares de pessoas. O que significa que os órgãos hospitalares terão de estar preparados para decidir quem será admitido ou não admitido no hospital. E quem fará parte desses órgãos? Médicos? Administradores hospitalares? Quais serão os critérios por eles adoptados? Será que tais órgãos poderão decidir que as pessoas com mais de 70 anos não deverão ter acesso a cuidados médicos? Os cegos ou os surdos? As pessoas em cadeiras de rodas? Os imigrantes?

01 maio 2020

1 MAIO 2020

























Afinal quem somos?
Somos terra, somos gente 
Somos vida de uma forma 
Que quer ser diferente

Somos assim?
Saberemos porventura o que somos 
quando a guerra nos bate à porta 
Acreditamos no que já fomos?

Afinal somos herdeiros de uma terra sem amos?
Ou apenas nos conformamos 
e simplesmente aceitamos 
e concordamos?

Somos guerreiros e combatentes 
Devemos isso às nossas gentes 
Não somos menos, nem mais 
Lutamos por uma terra onde todos sejam iguais 

Não, não é um sonho
nem uma miragem 
É luta 
para quem, como tu, 
Tem coragem!




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