29 dezembro 2022

 PEDRO NUNO (SANCHEZ?)

Os dois Pedros são homens da mesma geração, com 5 anos apenas a separá-los, sendo mais velho o espanhol. Sem pretender qualquer comparação, em termos pessoais, respeitando a individualidade de cada um, poderá eventualmente falar-se em algumas similitudes, num momento particularmente delicado para o português.

Curioso será analisar em pormenor o percurso de cada Pedro, com natural vantagem política para o homem do PSOE, que lidera o Governo de Madrid com a coligação Unidos Podemos (Podemos, Esquerda Unida e outros partidos de esquerda).


Pedro Nuno sai do Governo de Costa depois de ter protagonizado muito de bom e algum de mau, neste e nos outros governos do Partido Socialista. Fora da análise o pormenor de cada uma das situações, o certo é que a personalidade e, de certa forma, o vigor, com que Pedro Nuno defendeu algumas medidas concretas, fazem dele um exemplo no panorama político nacional, havendo quem lhe vaticine um promissor futuro dentro do Partido Socialista.


Fica, entretanto, o devido registo de quem não tem qualquer simpatia pelos dois partidos, que de socialista apenas têm o nome e que praticam, em Espanha e em Portugal, a doxa europeia, que, no caso português, representa o neoliberalismo mais primário e de subjugação aos ditames da desastrosa moeda única que significa, no limite, o empobrecimento progressivo dos trabalhadores. Mas tem que se salientar, no caso de Espanha, algumas decisões positivas como a da Memória Histórica, na qual foram consagrados e ampliados direitos e onde se estabelecem medidas em favor de quem sofreu perseguição ou violência durante a Guerra Civil espanhola e a ditadura franquista. E ainda algumas medidas de apoio aos cidadãos carenciados e atingidos pela pandemia e pelas estúpidas sansões da guerra, que atingiram algum significado, no país vizinho, precisamente devido ao facto de a Esquerda estar no Poder, coisa que em Portugal nunca aconteceu.


Poder-se-á então falar num fenómeno Pedro Nuno “Sanchez”, sem qualquer desrespeito pela propositada adulteração do nome do Pedro português? A resposta possível apenas poderá ser dada dentro do Partido Socialista. Há quem sustente que o futuro de Pedro será o de um líder. Ainda que essa hipótese seja plausível, muita coisa terá que mudar, para que, um dia, o partido que ocupa o Poder, se transforme. Diria até, se transmute de um partido de interesses e de concluio de tudo o que rejeitamos, num partido que, no mínimo, consiga afirmar-se como de Esquerda, ainda que moderada e reformista.


Hoje, é ver toda a Direita a exultar contra Costa e o seu desastrado e incompetente governo. A coisa pública foi vilipendiada, de tal forma, que difícil será emendar ou corrigir. Atingiu-se porventura o limite no que reporta a uma gestão minimamente coerente e honesta. Mas a Direita devia estar grata ao Partido Socialista, por todos os “males” causados na economia e na política. A Direita faria tudo exatamente igual, ou ainda pior, se tal fosse possível (é sempre possível fazer pior). Por isso, salta à vista a hipocrisia, particularmente o PSD, um partido que não é capaz de apresentar uma única proposta digna desse nome e navega à vista para ver quando o Poder lhe cai na mão. Quem ganha mais é mesmo a extrema-direita, quer a arruaceira, quer a “civilizada”. O Partido Socialista irá um dia entregar-lhes o Poder, enquanto permite a degradação da confiança e o descrédito na Democracia.

Será Pedro capaz de inverter o rumo do seu Partido? A partir de agora, livre para outras tarefas, terá de demonstrar que é capaz. Mesmo quem à partida não lhe queira dar o crédito que precisa, ficará na expectativa.


28 dezembro 2022

 ALEXANDRA MILHÃO (ou meio)

 

O final do ano que se aproxima parece mais um precipício, onde alguém supostamente se irá afundar. As notícias relativas a Alexandra podem afundá-la, afundar alguém, por via dela. Ou todos, o que nem seria despiciendo. Saberemos agora o que nos diz respeito. Ou não.

 

Contemos a estória. Alexandra, Engenheira de Telecomunicações, 48 anos, não tem, que se saiba, qualquer filiação partidária, “apenas” mérito para integrar, em tão curto espaço de tempo, empresas como a PT, a REN ou a NetJets, sempre na área de compras. Seguiu-se a TAP, onde entrou em 2017, tornando-se um dos rostos da reestruturação da companhia aérea, que levou à saída de perto de três mil trabalhadores. Depois, no ano seguinte, a empresa NAV, Navegação Aérea de Portugal (sabiam o que isto era?), que assegura o controlo de tráfego aéreo, com um vasto conjunto de equipamentos e instalações em vários pontos do Continente e Regiões Autónomas. Aí desempenhou a função de presidente do Conselho de Administração. Alexandra esteve sempre na mira dos sindicatos da TAP, por força da função que ocupava, que era, simplificando as coisas, despedir o pessoal, nestas situações considerado descartável.

E, a este propósito, deverá falar-se porventura de uma certa bondade dos poderes constituídos, quando consideram que a casa está demasiado cheia e o espaço é exíguo, tentam aliviar o ambiente e, a forma mais óbvia de o fazer é convidar algumas pessoas a sair. Tudo isto tem uma lógica muito própria e, na verdade, só mesmo uma mente dura não a compreende, nem alcança. 

Alexandra fez isso, mas como se trata de uma pessoa empenhada, colocou todos os seus vastos recursos na tarefa e isso custa dinheiro. Também não será muito difícil perceber isto. Foram quase oitocentos mil, que se saiba, que reclamava do seu trabalho. Mas fica a dúvida, Alexandra demitiu-se, foi exonerada, foi despedida? Foi competente ou não? Executou as funções inerentes? Mas que interessa tal coisa? A quem interessa? Onde está a diferença?

Saber se a gestão da TAP, ou da NAV, ou outra qualquer é, ou não, transparente, é coisa que não deve perturbar as mentes do vulgar cidadão. Entende-se, pois, a atitude de absoluto silêncio, neste como em outros casos, dos administradores e governantes, para assim poupar o dito cidadão a preocupações escusadas. De nada serve a gritaria, o nosso Governo segue o caminho certo, ou melhor das “contas certas”, estejam assim descansados.

Mas, no entanto, há sempre gente demasiado ansiosa, dizendo mal, escarnecendo dos políticos responsáveis pelos cargos em que a República os investiu, para cumprirem a sua função. E nós, vulgares cidadãos, devemos dar-nos por satisfeitos por podermos votar, de quatro em quatro anos, pois trata-se de uma conquista de Abril. Há 50 anos, nem isso podíamos fazer. 

E quanto à ética republicana, que muitos vieram a evocar, não passa afinal de retórica barata e arma de arremesso contra o empreendedorismo, habilidoso ou não, típico da sociedade moderna europeia que já deveria, há muito, ter-se livrado de utopias falaciosas e desnecessárias.

 

Quanto ao milhão da Alexandra (exactamente, se querem saber, 1,47), que depois se viria a transformar apenas em meio, devemos apenas agradecer (de novo) aos poderes constituídos, porque afinal até poupamos na verba que ela pretendia. Medina, na sua senda de velar pela Pátria (e pelas tais contas), Costa, seu chefe supremo, que decerto que o terá aconselhado. E quando a Pedro, mesmo sem lhe conhecermos uma palavra sobre a matéria, se por acaso procedeu mal, irá apanhar um raspanete, com o da última vez e continuará a servir o seu chefe e a Pátria, por arrastamento natural. 

Se porventura estiverem interessados em saber mais, anotem que o vencimento mensal da jovem Alexandra era de 17.500 euro, já depois de aplicado o corte de 30%, devido ao processo de reestruturação. E ainda que este vencimento estava à margem do Estatuto do Gestor Público, pelo que não se aplicam as limitações de ordenado. Daí que a comparação aos míseros 5.792 euro do vencimento do primeiro-ministro, é simplesmente escusada. Tudo isto a TAP esclareceu, apenas não explicou bem o motivo da saída, coisa de somenos, deve dizer-se, afinal que temos nós com isso? Afinal, na parte final, a Alexandra teria um brevíssima passagem por uma Secretaria de Estado, tendo sido ora demitida. Que querem mais?

 

Voltando às “contas”, o meio milhão dividido pelos três mil trabalhadores, dá aproximadamente 167 euro. Deverá ser esse o valor de cada trabalhador despedido. Nada mau. E, se for entendido como prémio, até nem é grande coisa...


26 dezembro 2022

ERA UMA VEZ NO 2022 

Distraídos com o bolo-rei e as rabanadas, deixamos passar a propaganda habitual e chutamos para canto uma possível oportunidade de golo. O copo de vinho do Porto inebria-nos e faz-nos pensar em amanhãs que poderão cantar, não contando com o pio do galo, que, sempre atento, nos leva à missa do mesmo, nem que seja por um hábito antigo. 

Pois sim, um perú que, hoje assado, há muito havia deixado a capoeira, partindo para um qualquer Continente perto de nós.

Estamos invariavelmente felizes, “focados”, como ora estupidamente se diz, na esperança de um ano melhor. Pelo menos é o que desejamos à família e amigos. Mas não, provavelmente nem será melhor, mesmo que ainda não seja pior. E por que razão haveria de ser melhor, se nada fazemos para que tal aconteça? Antes pelo contrário, convivemos no marasmo invisível, com o fardo pesado da tal dívida que dizem temos que aliviar, ainda que sem saber de que dívida falam eles, sempre na mira da subjugação eterna a um sistema injusto e pérfido. Deixamos andar? Enquanto deixamos, há sempre alguém a lucrar, mais atento, sempre atento às “possibilidades” e nunca enjeitando nenhuma para engrandecer.

Distraídos com a bola, andamos às voltas a tentar justificar os desmandos e as birras de um sujeito mal-educado a quem convenceram que era o melhor do mundo e da Madeira também e a quem deram o estatuto de figura pública e o nome a um aeroporto, acrescentando que tudo lhe devemos. Aqui, como em outras situações mais ou menos parecidas, com a mão serena e virtuosa da mesma propaganda que semeia ilusões e que vende barato o que nos é mais caro. 

Passamos o tempo a perder tempo e, como dizia Saramago, “Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo”, afinal ele deve ser bem gasto, mesmo que seja a não fazer nada, um direito universal e inalienável. Por falar nisso, Costa pede confiança aos portugueses sem apontar o fim da inflação, uma incrível falta de gosto, para outra coisa não dizer. E, para cúmulo, pede a tal confiança para o país “...chegar ao pelotão da frente", sem dizer como, nem onde.  Será caso para perguntar de que país fala ele, quando se sabe que neste ano 2022, há cinco vezes mais ricos do que em 2014.


Pelo mundo anda uma certa acrimónia, o sabor da desonra e da morte gratuita. Um maquinista reformado mata a tiro três pessoas em Paris e, na vizinha Galiza, a queda de um autocarro faz seis mortos na noite de Natal. Mas o que parece ser mais confortante é saber que o presidente da Ucrânia, aquele que passa a vida a pedir mais dinheiro e mais armas, partilhou um vídeo com a árvore de Natal do Porto. Melhor seria impossível.

Entretanto morreu hoje um cidadão da minha idade, um Homem da cultura, jornalista e escritor, de seu nome António Mega Ferreira. Dele lembramos o remoto tempo da Expo e, entre tanta produção, o Roteiro Afectivo das Palavras Perdidas​, um dicionário de palavras que deixámos de usar, onde consta o trampolineiro, espécie em desuso apenas no que toca à antiga designação.


Há apenas três anos escrevíamos sobre uma teia que nos envolve e à qual parecemos estar presos, uma “...perigosa teia que alguém tece por nós, porque já não tecemos nada que não seja para oferecer a um banco, a uma empresa ou a um operador que leva couro e cabelo, com os preços mais caros da europa, por serviços de qualidade por vezes duvidosa, protegido por uma autoridade tão alta, que mal sabemos enxergar.”

De 2019 até hoje o que mudou foi sempre para pior. Dizem-nos que a culpa foi da pandemia e da guerra, há sempre um culpado próximo de nós que nos inferniza. As tragédias pesam mais sobre quem tem menos, nota-se e regista-se.


O melhor para 2023 é bem capaz de ser afastar este fardo que se chama resignação, apesar de outros lhe chamarem outra coisa. Nada melhor que libertarmo-nos do medo e da teia que nos envolve, partir a louça toda no final do ano e pensar.

Pensar faz sempre bem, ler um livro, ouvir uma melodia e plantar a revolta em qualquer lado.

Que dizem?


21 dezembro 2022

 



07 dezembro 2022

INICIATIVA BIDÉ

Ainda bem que temos uma iniciativa que cuida dos nossos interesses. Num dia em que se conhecem situações de crianças com graves infecções respiratórias que entopem urgências de pediatria, em que o preço dos bens alimentares regista uma subida de dois dígitos, em que as empresas de energia “ajustam tarifas” que prenunciam mais aumentos e em que. Se sabe que o ex-Ministro da Defesa e actual Ministro dos Negócios Estrangeiros promoveu um dos suspeitos, agora detido, já depois de saber da derrapagem das obras no Hospital Militar de Belém, a tal iniciativa, que é decididamente liberal, quer acabar com leis iníquas como a das banheiras e bidés.

 




Assinala-se aqui o devido respeito pelo objecto, que, nas nossas casas de banho, ocupa um papel de primordial importância e que ainda é uma das coisas boas da civilização ocidental, tão manchada de cenas muito pouco recomendáveis. Que nasceu em França, por volta de 1600 e morava no quarto onde se dormia, ao contrário de agora. Os salafrários que querem hoje acabar com o bidé desconhecem, por exemplo, que à época se pintavam quadros em que o objecto era senhor e que havia muitos que estavam inseridos em pequenos móveis de madeira, com pés curtos, e tapados com tampo de couro, fazendo parte da vida da corte, da nobreza e da burguesia. Aliás a difusão do adorno foi generosa em todo o Mundo, como excepção dos americanos que nunca entenderam para que servia, como ainda hoje não entendem muita coisa.

 

Mas a vida é assim e quem gosta de bidé irá, muito provavelmente, render a homenagem devida aos servidores da Pátria que, podendo não querer saber de mais nada, cuidam da higiene pessoal de forma tão atenta e oportuna, bem como dos superiores interesses dos cidadãos, preocupados com uma lei tão degenerada. Que cada casa tenha o seu bidé, isto claro, para quem consegue hoje ter um privilégio desses. De ter casa, que não de bidé.

 

Regista-se que, sem banheira e sem bidé, o prazer não é o mesmo. Estendendo assim o conceito conhecido do Miguel Esteves Cardoso, “Sem o prazer, é tudo uma estucha”.



04 dezembro 2022

 FORA O ÁRBITRO, QUE SAUDADE...

 

A imagem do indivíduo a quem atribuíram o estatuto especial de “estrela”, a roubar o golo ao colega de equipa, não é apenas o reflexo de uma atitude individual de quem não tem personalidade social relevante e que anda, há algum tempo, a arrastar-se em campo, porque é ele que parece mandar numa equipa de compromisso entre uma federação subserviente, um treinador que não quer pagar impostos e um empresário que detém os direitos da maior parte dos atletas . É sobretudo um sinal preocupante do mundo do futebol, um universo paralelo de milhões e hipocrisia, alimentado por uma comunicação social decadente e que pactua com ele, ao dar-lhe o tempo e a honra que não merece, patente em manifestações de ignorância e cretinice, como, por exemplo, a de um locutor de serviço dizendo “...agora vai ser tocado o hino da.… selecção nacional”.

O contraponto está nas bancadas, com figurantes pagos para apoiar as equipas, com políticos “ao mais alto nível” a deslocarem-se ao país organizador para apoiar a selecção, com dirigentes como o da execrável agremiação chamada FIFA, a ginasticarem um discurso miserável de submissão e corrupção. É a chegada, nunca tardia, do politicamente correcto ao mundo do futebol, com a proibição completa de uso de braçadeiras ou outros adereços “provocatórios” e o impedimento de filmar imagens de invasão de campo e mais ignóbil ditadura de cerceamento da liberdade de expressão, com ameaças expressas. Mas a coisa não fica por aqui, no que toca à destruição da beleza do futebol, com a mais que discutível introdução da tecnologia no jogo, uma intromissão na arbitragem que, ao invés de resolver problemas, vem avolumar as situações de eventual confronto.

É um desporto de privilegiados, eleitos no meio de uma mentira permanente, embora conveniente, que leva inclusivamente a medir as equipas, não pelo valor dos atletas, mas pelo seu eventual valor de mercado. A pessoa deixa de o ser para virar mercadoria, valorizada um ano, descartada no seguinte, negociada em função de dinheiro vivo que aqui nunca falta e de contratos milionários de publicidade.

 

O mundial da vergonha é cada vez mais uma vergonha generalizada de falsidade e de hipocrisia, típica de uma modernidade virada do avesso e na qual, um qualquer “infantino” dita leis e submete Estados, soberanos ou nem por isso, aos ditames de uma retórica estribada na ignorância, na mentira e na cretinice. O presidente-comentador, que fala sobre tudo e mais alguma coisa, diria, bem a propósito, “direitos humanos, sim, mas agora vamos apoiar a selecção...”.

 

Onde estão os eusébios, os pelés, os maradonas, tantos nomes e tantas “lendas” que espalharam em campo a sua classe e talento, mesmo que a “mão de deus” marcasse um ponto na baliza da memória? Onde está o desporto-rei que atraía pessoas e famílias, agora travestidas em figurantes e figurões que espalham o medo e a tristeza da arruaça e da agressão? 

 

O “melhor” exemplo, o mais esplendoroso sinal desta ignomínia é talvez a notícia que os estádios, onde morreram trabalhadores transformados em escravos de ocasião, irão ser deitados abaixo. Não será, entretanto, bem assim, uma vez que o país organizador é um “doador nato” e vai “oferecer arquibancadas desmontáveis a países com carência de infraestruturas desportivas”. E vai converter um deles (estádio) “num hotel de cinco estrelas e centro comercial”. E vai, imagine-se, transformar um outro em “uma escola e zonas comerciais”.

 

O esqueleto já não fica no armário, o elefante já está plantado na sala, o cenário é tão artificial como a máscara de um evento que hoje domina a atenção, ou que desvia esta, para a luz efémera da vaidade e da podridão. Teremos estrelas de lata a prenunciar um Natal de frio no Norte e de sol no Sul,  cheio de nortes de fome e de miséria. Mas claro que nada disto interessa, o var validou o golo e já estamos quase na final...


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