23 agosto 2008


CRÓNICAS ANGOLA 6: Luanda de novo, a partida.


Quase 1 mês em Angola, deveria ter sido mesmo 1 mês, faltam sempre uns dias para completar o trabalho que fazemos, há sempre um ou mais contactos que gostaríamos de aprofundar, fica aquela sensação, que pena não poder ficar mais tempo, enfim tem mesmo que ser, o ultimo jantar com o Guido, o ponto de situação possível, momento muito agradável. Anacrónico, ou talvez não, está crónica está a ser escrita já em Maputo, com as notas de viagem, as ultimas impressões, as sensações da partida, o desejo de voltar, misturado com a expectativa de outras paragens, outros trabalhos, outras gentes, outras impressões. De volta à Pensão Invicta, uma injustiça não ter sido ainda referida, uma pequena residencial, muito modesta, mas muito limpa e … muito barata (para os preços correntes em Angola), entre os Combatentes e o largo do Kinaxixi. E como as palavras são como as cerejas, não quero deixar de dizer que presenciamos a queda de um autêntico mito em Luanda: o desmantelamento do mercado do Kinaxixi, que começou precisamente a 2 de Agosto; as acções de demolição do emblemático mercado causaram alguma polémica, muitos protestos e alguma confusão à mistura, o facto é que a 19 de Agosto já nada resta daquele que foi o grande centro de troca, um encontro de culturas, de cheiros e sabores, assim dizem ser o progresso, já se anuncia para o local um grande centro comercial, mais uma catedral do consumo, igual decerto a tantas outras por esse mundo fora. Luanda esvai-se assim entre impressões e sensações, aquela esperança de ver concretizados alguns dos nossos projectos, um balanço mais que positivo, os novos amigos com quem privamos de perto e que, como nós, partilham as mesmas preocupações, as mesmas causas. Voltar é assim um imperativo, quando não o sabemos, outros virão decerto continuar o nosso trabalho, ajudar a incrementar a rede que, pouco a pouco toma forma.


O 4 de Fevereiro espera por nós, partimos enfim, fica um pouco de Angola dentro da gente.

Luanda, 20 de Agosto 2008
Alf.

22 agosto 2008



CRÓNICAS ANGOLA 5: Finalmente Malange


5 da manhã de 6ª feira, 15 de Agosto, já estamos prontos, esperando a nossa boleia para Malange, partimos perto das 6 horas, já com um transito infernal nas entradas e saídas da cidade; táxis e carros particulares, veículos de todas as espécies enchem as faixas de rodagem e as faixas que o não são; sim, porque nas ruas de Luanda circula-se por onde é possível, mesmo fora dos sítios habituais, tudo vale, pela direita, pela esquerda, por onde calha. 2 longas horas só para sair do perímetro urbano da cidade, a passagem por Viana, com a confusão do costume. O todo-o-terreno faz-se à estrada da barra do Kuanza, os primeiros quilómetros prometem, mas a primeira impressão é enganadora, a estrada “desaparece” de quando em vez, dando lugar a pequenos troços de terra batida, com imensos buracos, impossível fazer aquilo num carro clássico, só mesmo os todo-o-terreno resistem a estas situações, o nível de solavancos é enorme, sobretudo para quem viaja no banco traseiro, chega a bater-se com a cabeça no tejadilho, enfim…

Entretanto e para completar o quadro acontece o pior: uma má disposição intestinal que só viria a ser minimizada dois dias depois, tem pelo menos a vantagem de nos aguçar a imaginação; na tentativa desesperada de dar resposta à necessidade fisiológica inerente a casos como este, descobrimos uma nova função “social” dos bancos: a de ter uma casa de banho à disposição do viajante, pelo menos da alguns, a nossa por exemplo; no Dondo e em N´Dalantando, lá fomos ao banco apenas para pedir autorização para utilizar a dita, para espanto dos funcionários, mas com a permissão, não sem um sorriso devido ao inesperado. Já agora umas palavras sobre as 2 cidades. Dondo fica a a cerca de 190 kms de Luanda e situa-se na província de Kuanza-Norte; N´Dalatando é a capital daquela província e até 1975 teve a designação de Vila Salazar, em homenagem ao ditador; esta cidade é sede da diocese de N´Dalatando, criada pelo papa João Paulo II, em 1990, pelo desmembramento da arquidiocese de Luanda.

A viagem é, apesar dos percalços, um regalo para a vista; as 5 passagens pelo Lucala, nem sempre com caudal de agua suficiente para as necessidades, as pedras negras de Pungo Andongo, uma formação rochosa com cerca de 200 milhões de anos, um “monumento” de imponência e de grande beleza. O regresso, na 2ª feira, também feito num todo-o-terreno do senhor Governador, confirma as expectativas da primeira, agora sem constrangimentos e com um belíssimo almoço do Dondo, com carne guisada, funche e cerveja bem gelada; para quem não sabe, o funche angolanoé uma mistura de farinha de milho, água e sal devendo, para uma preparação cuidada, pôr-se a água com sal a ferver, depois deitar a farinha em pequenas quantidades, mexendo com um garfo de madeira para não encaroçar; para aguçar o apetite, deve sempre acompanhar a muamba (de galinha ou de peixe); para as respectivas receitas, basta pedir aos amigos, ou procurar na net. As sucessivas mudanças na paisagem deixam antever, na subida para Malange o verde da vegetação que contrasta com a cor terra, constante da planície. Um realce muito especial para Kalandulo, conhecida pelas quedas do mesmo nome (antigas Duque Bragança) a ainda pelas quedas do Musselege. Na localidade, mora o grande amigo Joaquim Pedro, administrador com sabedoria e experiência e que tem promovido um desenvolvimento social notável a todos os níveis. Vimos pela primeira vez os cafezeiros, provamos o fruto, uma delícia.

Um fim-de-semana principesco, preparando a visita ao senhor Governador de Malange, que aconteceria na 2ª feira; um encontro fundamental para os nossos projectos, a coisa marcha e deixa antever uma colaboração mais estreita no futuro e um desejo de voltar em breve…

Malanje, 18 de Agosto 2008
Alf.

21 agosto 2008



O avião…

Céu, tão grande é o céu

E bandos de nuvens que passam ligeiras
Prá onde elas vão,Ah, eu não sei, não sei
E o vento que fala das folhas
Contando as histórias que são de ninguém
Mas que são minhas e de você também…”
Dindi”, António Carlos Jobim

Estava eu a perorar senão quando o aviltador lista de imediato as suas exigências, ficar parado durante 70 minutos, o fim como devem calcular, sem perceber a razão daquilo, enfim uma chatice. Nem me atrevo a levantar do sítio, tamanho é o peso da responsabilidade, aí uns 60 e tal quilos. Para trás e para o lado, nunca para a frente em pequenos passos, uma grande massa que mais parece um pássaro assustado com tamanho espaço pela frente, ganha forma com alguns ruídos à mistura deixando antever pequenos conflitos, pautados aliás num estrépito relativo, decibéis ligeiramente acima do socialmente aceitável, passo naturalmente ao lado, não sem algum esforço de síntese, dado que a antítese está completamente fora de hipótese. Parados somente, portanto. Simplesmente expectante, socorro-me de prefixos meditativos estribados em experiências recentes (com alguma ironia). Para já nada posso fazer, para além de reflectir na posição típica destas situações, o ângulo oscila entre o agudo e o obtuso, o que é manifestamente grave, esta uma geometria variável que deveria estar fora dos planos, não fora a perspectiva do próximo minuto (afinal como é?). Mais uma maçada, senta e levanta devagar, sem aquela certeza esperada, agora não há mais a música do costume que poderia embalar o ritmo dos minutos, que pena. Uma atitude é porem possível, a decisão está tomada, é realmente necessário, não digo passar à acção, mas talvez accionar o passado, recordando mas afinal onde estavas no dia tal, quando poderia ter tido hipótese de reflectidamente promover o acto, será que é desta? Já ouvimos as habituais parábolas diccionistas, que vulgaridade meu deus, mas pronto eles assim o querem. Não consigo apreender e é com alguma apreensão que desligo e passo à frequência seguinte, só agora me lembro que devo estar infringindo qualquer regra, isso deixa-me satisfeito, motivado até, será que é em frente ou para o lado? A cigarra fumadora não pode entrar, nem sequer naquela sala minúscula muito procurada quando as luzes se apagam e a cintura fica livre. Bem, nem vos conto (está bem, então eu conto) é uma correria, tudo fora do sítio, uma via que deveria ser só de um sentido, não o é na verdade e não há sinais que a coisa vá melhorar; entretanto a parada está agora alta, aí uns 20 mil pés (porquê pés e não mãos?), a frase assim é difícil de dizer, portanto não adianta insistir. Quando finalmente podemos descansar, eis que voltam as hipérboles, desta vez elípticas, em três metades, parece dislexia mas não o é, uma vez que as interjeições não se cruzam com o diâmetro da dita (enfim geometria…); nos preliminares até que a coisa promete, contudo nos finalmente há a prova provada que mais valera esquecer. Nesta altura (que como já se disse é mesmo alta…) está muito frio lá fora acreditem, para aí uns vinte e tal negativos (daquele senhor alemão que começa por “F”; nesta fase do campeonato não vamos fazer substituições que possam comprometer o resultado. A natureza da situação leva-nos a aceitar agora algumas oferendas, assim como dar de bandeja, estão a ver, agora é melhor ler tudo até ao fim, até para poder desancar forte no autor, agora refastelado noutro ângulo, mais uma vez a geometria à liça, sempre presente nos piores momentos. De folga com os tachos (lembro-me do programa do outro…), reencontro o gosto de um ponto de vista suficientemente alto para que o zoom actue e me deixe pensar. Na realidade precisamos agora de mais terra, mas temo que tal não seja viável, dada a rarefacção relativa e a despersonalização associada ao efeito.
Mesmo que nos encontremos de novo, vou mesmo fingir que não sei de nada, é bem feito Dindi…

No ar entre Luanda e Joanesburgo, 20 Agosto 2008
Alf.

13 agosto 2008



CRÓNICAS ANGOLA 4: A lua deitada…


Não é como estamos acostumados a ver, a lua está de facto deitada, parece estranho, mas é assim nos trópicos, a foto não engana é um pormenor como qualquer outro, deixa-nos contudo a olhar para cima e a pensar, será que a lua adormece ou simplesmente descansa no calor e na calma? Enquanto a lua se deita, ficamos a saber hoje que a esperança de vida aumenta em Angola, que o país já não está mais no fim da lista, quer da mortalidade infantil, quer na mortalidade materna (Filomeno Fortes, técnico da Direcção Nacional da Saúde Pública, ao “Jornal de Angola”). No auge da campanha, o Governo promete erradicar o analfabetismo até 2015, cumprindo desta forma o 2º dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODMs). E mais uma boa notícia, esta para a província de Huila, com a abertura hoje de uma grande superfície comercial, com 113 lojas e com a garantia de 500 postos de trabalho, um investimento avaliado em 7 milhões de dólares. E finalmente, no que parece ser um verdadeiro combate à poeira, a nota de que aqui se trabalha dia e noite na limpeza e arranjo das ruas.
Tristes com o que parece ser o desenlace final de Paul Newman aos 83 anos, ficamos olhando esta lua sobre a baía, pensando que enquanto ela se deita, há consciências que despertam. Será?

Luanda, 12 de Agosto 2008
Alf
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09 agosto 2008


CRÓNICAS ANGOLA 3: A Sociedade Civil em Conferência

Apenas 1 semana de Angola e tanta coisa para contar. Se calhar nem tanto assim, há coisas que não se contam, há outras que guardamos e partilharemos mais tarde, quando o relaxe nos permitir pesar melhor o que deve ser dito.
A sociedade civil angolana esteve em conferência nos dias 7 e 8 de Agosto, na Universidade Católica; pretendia-se, segundo os seus organizadores, “estimular uma alargada reflexão e discussão em torno das questões relacionadas com o potencial da sociedade civil para a mudança sócio-político-económica.”; serviu ainda para apresentação da obra Sociedade Civil e Política em Angola, contexto regional e internacional, da autoria de Nuno Vidal e de Justino Pinto de Andrade. As preocupações são as mesmas que em todo mundo, o combate à pobreza, a responsabilidade social das empresas, o papel da sociedade civil no contexto regional, o combate à discriminação, a defesa dos direitos humanos, o papel das organizações não-governamentais, enfim a participação dos cidadãos na construção de uma sociedade melhor. Curioso notar a tónica colocada no papel da comunicação social, num período especial como o que aqui se vive, em plena campanha eleitoral. E ainda, a forma completamente livre de preconceitos com que se abordou o tema, sempre actual em Angola, da “ligação” entre o poder e os cidadãos. Viveram-se 2 dias de amplo debate, franco e aberto, numa organização impecável, a que só faltou um pouco de rigor nas questões relacionadas com a documentação. Uma oportunidade única de marcar uma presença efectiva, éramos os únicos participantes europeus, marcamos alguns pontos, enfim.
O tempo afinal corre depressa também aqui, os dias são curtos para os europeus, anoitece cedo (que belos fins de tarde…), fala-se muito com as pessoas, muita cordialidade, muito interesse pelos nossos projectos, alguma dificuldade em gerir os contactos, a Europa está longe e perto ao mesmo tempo, aprendem-se costumes, cultiva-se a partilha. Interessante observar por exemplo, do lado de cá, como é vista a cooperação internacional, um tema sem dúvida a explorar quando estivermos de volta, a aprendizagem é de facto notável.
Já é fim-de-semana, prepara-se a próxima com aquela ansiedade do costume, mas já devidamente aculturada, relativizada e diluída na calma de Africa. O cacimbo atenua os excessos…


Luanda, 9 de Agosto 2008
Alf.

07 agosto 2008


CRÓNICAS ANGOLA 2: Abre a campanha eleitoral

Escreve-se de longe com a ideia de uma certa distanciação que acaba por não ser conseguida devido a factores variados, como por exemplo, o facto de não sermos de todo isentos, ninguém o é. Angola vive um momento decisivo, um acto eleitoral que tem a sombra de 92 por um lado e a perspectiva de futuro pelo outro; o lado sombrio não deixa de estar presente, enquanto os olhos de todos estão voltados para apelos e manifestações de intenção de dias melhores para o País. Luanda vive a campanha eleitoral com uma alegria calma, a limpeza das ruas, o anúncio de um grande projecto integrado de fomento habitacional do Governo, a intensificação da campanha para a alfabetização do País, com particular relevo para a TPA, que repete insistentemente spots apelativos; as vagas para o ensino secundário irão duplicar no próximo ano, enfim os apelos do MPLA à tolerância em algumas províncias, antevendo quiçá alguns excessos. São 14 partidos ou coligações para o 5 de Setembro.
Luanda é uma mulher bonita que, embora parecendo não cuidar muito da beleza, não deixa de mostrar o seu ar de encanto e de simpatia. As coisas vão correndo, há muito movimento nas ruas, muito pó também, já se disse, mas a repetição não é despicienda.
Sentimos que podemos ser úteis neste momento de viragem, quer na luta contra a pobreza, quer nas campanhas em favor da educação universal, há muito a fazer e é bom saber que a nossa acção pode significar uma mais-valia nessa áreas. Nos momentos mais difíceis, isso pode significar um incentivo; a doença de um amigo muito próximo enche-nos de preocupação, sem saber bem o que fazer, os telefonemos constantes para nos inteirarmos do seu estado de saúde, a esperança de melhores notícias no dia seguinte, enquanto fazemos conjecturas e traçamos cenários de trabalho, tendo a realidade por perto e conhecendo os riscos.
Acordamos sempre cedo com a claridade das 6 da manhã, a cidade espera por nós, estamos aí.

6 de Agosto de 2008

03 agosto 2008


CRÓNICAS ANGOLA 1: No princípio era…

As primeiras impressões, depois de uma atribulada viagem, com perda de uma mala à mistura, com as indefinições de quem viaja com muitas incertezas. Uma viagem de trabalho, com alguma nostalgia na bagagem, contudo na certeza de encontrar velhos amigos de há muitos anos, essa sim. O 4 de Fevereiro está na mesma, as mesmas filas, a mesma confusão nas entradas, mais simpatia talvez. Não sabemos bem para onde vamos, não temos alojamento garantido em Luanda, mas há sempre a “casa da família” em Viana, para lá chegar são sempre as 3 ou 4 horas, para fazer os 18 km da praxe. Muito cansaço, muito pó, a brisa suave do cacimbo, não mais que uns 22 graus, frio portanto, para quem gosta de sentir o bafo quente de África. É bom ver Luanda de novo, mais carros, muitos mesmo, aquela confusão toda, um caos que não dá para descrever, uma alegria enfim. Nenhum stress, esse ficou todo na Europa, aqui tudo funciona de outra forma, nem melhor, nem pior, apenas diferente; quem não acredita, só tem que ficar por cá uns tempos e depois habitua-se. Uma 6ª feira de arrasar, “apenas” para adquirir um cartão Unitel, mais um pacote de Internet móvel, tudo muito complicado, mas sempre com muita simpatia. Boas refeições, a preço digamos aceitável para estas bandas, em Viana come-se bem, com muito jindungo e boa cerveja (portuguesa). Um Sábado de relaxe completo, que bem sabe o direito à preguiça! No Domingo privamos com o grande amigo Guido Campos e sua família que é tão boa, tão fraterna, recordam-se outros temos, os amigos comuns, são 12 anos de distância, um almoço excelente em Viana, um passeio ao Bom-Jesus, nas margens do Kuanza, momentos inesquecíveis de grande prazer, porque nada há melhor que estar com os amigos. Planeia-se já toda uma semana que se avizinha com muito trabalho, alguns encontros decisivos, sempre com a esperança de resolver as questões que cá nos trouxeram, sem certezas nenhumas, apenas a de que amanhã é mais um dia, vai ser 2ª feira certamente, é um principio de alguma coisa e basta.

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