31 julho 2015

APÓS A CAPITULAÇÃO (2)


A paz é uma trégua para a guerra
V.I. Ulianov (Lenin)
Os acontecimentos de 12 de Julho continuam a marcar a agenda política, na Grécia e por toda Europa. Analisam-se e discutem-se algumas teses, que vinculadas por uma comunicação social prisioneira dos interesses económicos instalados, parecem condenar aqueles que tentaram mudar o curso da história europeia, atribuindo-lhe ainda por cima a responsabilidade e o ónus da culpa, sempre a culpa e, como se não bastasse, ainda a traição ao povo e a consequente irresponsabilidade política e também social. Erram aqueles que pensam finalmente que a Esquerda europeia sai fragilizada desta “batalha”, por não valorizarem o contexto global, bem como os pontos que foram marcados durante 5 meses seguidos contra o “adversário”. Talvez seja de alguma utilidade prática atender a factores estruturantes que condicionam a estratégia, elemento fundamental para o prosseguimento de uma luta que se impõe, em nome de Justiça, da Dignidade e da Democracia. E obviamente devem ser tiradas lições, sem qualquer espécie de constrangimento, pois só assim será possível equacionar o que se pode, o que se deve fazer, no futuro próximo.
  1. O verdadeiro significado do “acordo”. Dias depois de firmado, o governo grego disse ter sido coagido a assinar um acordo que obrigava a contradizer o essencial do seu compromisso eleitoral. Tsipras haveria de declarar que o povo grego fugiu da prisão da austeridade para depois ser atirado para a cela solitária, afirmando mesmo que na “vitória de Pirro” dos poderes da UE, “… ficou bem à vista o beco sem saída das políticas que defendem[1], deixando bem claro que tal se deve à posição da Grécia durante os meses de negociações promovidas sob asfixia financeira.
  2. A máscara do directório europeu e dos seus verdadeiros “braços armados”, o MEE[2] e o Tratado Orçamental[3]. Para quem eventualmente ainda mantinha alguma ilusão sobre uma pretensa humanização do capitalismo, personificada (na realidade) em alguns documentos e textos da Comissão e do Conselho Económico e Social, onde pontificavam referências a coesão social, igualdade de oportunidades, distribuição equitativa da riqueza, bem-estar social e outras que poderiam ser subscritas por uma imensa maioria social, toda esperança em alguma mudança caiu de facto por terra. Existe sim uma nova ordem económica anti-social, onde a designada austeridade ultrapassa as fronteiras da decisão das nações e se impõe como política, adoptada num plano supranacional sem qualquer controlo democrático [Loff, M].
  3. As conquistas do governo do Syrisa. O governo grego, no espaço de menos de 6 meses, reabre a televisão pública, publica a lei dos despejos, promove a empregabilidade de alguns sectores do Estado e fecha os centros de internamento para estrangeiros. Inicia o processo de auditoria da dívida soberana, para determinar a sua legitimidade e ainda a sua legalidade. Nada disto tem a ver com o actual “projecto europeu”, cujo principal, diria único objectivo, é estabelecer protectorados económicos, sobretudo nos países da periferia, sujeitando os Estados a regras de disciplina orçamental rígida e a maioria da população, os trabalhadores, ao abaixamento de salários e pensões e a completa desregulação do mercado laboral, acompanhando esse objectivo com um discurso de culpabilização (viver acima das possibilidades, designação de PIGS,…). Tsipras promoveu de facto algumas leis progressistas e diz que esse esforço irá prosseguir, com a aprioridade no “ataque à oligarquia”. A lei de regulação para a comunicação social, que se encontra em fase de discussão pública, é um dos próximos passos nesse sentido.
  4. O que se desenha, após o colapso, por parte do governo grego? Segundo Alexis Tsipras, “O assunto é sério. A nossa estratégia deve ser clarificada com tranquilidade e maturidade, através de processos coordenados que envolvam o conjunto das forças do partido. Por isso, deve ser marcado desde já um Congresso do Partido, tal como prevêem os estatutos. A nossa obrigação comum é a de proteger a unidade do partido”. E ainda, “Houve algum plano realista e sustentado que não foi adoptado? O que seria hoje essa solução alternativa e sustentada? Deve [a esquerda] entregar o governo aos representantes de um sistema político falido ou fazer a batalha nas condições agora surgidas?”. Não há de facto num horizonte próximo, outra medida que encaixe na actualidade e na conjuntura.
  5. Uma janela de oportunidade. A brecha provocada no dito “projecto europeu” pelos 6 meses de governo Syriza é possivelmente neste momento a mais importante arma que temos à mão. Seja pelo lado das (naturais) reservas da social-democracia europeia a um ataque cerrado do directório, comandado pela Alemanha, seja nas aparentes contradições (no mínimo de linguagem) entre EuroGrupo e FMI (…). É de facto uma brecha decisiva. Por um lado, poderá significar o fim da TINA[4] e, por outro lado, o cair da máscara do dito projecto europeu.
  6. Virão novas exigências, novos ultimatos? Muito provavelmente, uma vez que o “empréstimo” da troika, aumentando a liquidez à banca grega, são apenas uma ínfima parte do verdadeiro objectivo dos credores, cujo é destruir qualquer vestígio do que representou a vitória do Syriza nas eleições e não resolver a crise. Não só é um plano sem qualquer sentido, como foram os anteriores, como ainda representa uma ameaça sobre a economia grega.
Será que paira sobre a Europa uma guerra, cujos contornos não são propriamente fáceis de definir, mas para cujos limites existe já pelo menos uma aproximação? A resposta poderá ser dada pela sucessão dos acontecimentos que precipitaram a actual situação e que tem a ver com o tratamento que foi utilizado para responder a chamada crise das dívidas soberanas. Em vez de ter sido seguido o princípio da consulta aos Povos, da conjugação de esforços entre Comissão, Parlamento Europeu e Banco Central, optou-se pela via do EuroGrupo, à margem dos Tratados e sem qualquer formalidade legal que o enquadre devidamente na arquitectura do espaço europeu e pelo seguimento cego e implacável dos conteúdos quer do MEE, quer do Tratado Orçamental. Configura-se então um ataque cerrado a economia dos países, que passa pelo empobrecimento forçado da grande maioria das populações, portanto e de forma clara, uma guerra. Com a banca privada como suporte. E enquanto esta situação se mantiver, isto é Enquanto a banca for privada, qualquer governo é refém do capital financeiro”, como afirma Lafazanis[5].
A questão que se coloca hoje na Grécia é muito capaz de ser a paz como trégua para a guerra…


[1] Entrevista na rádio de 26 Julho
[2] MEE: Mecanismo Europeu de Estabilidade, um  “…mecanismo político e económico da União Europeia que assegura a estabilidade da Zona Euro a partir de 2012 e faz parte do conjunto das medidas elaboradas para o resgate do Euro. Fonte: Wikipedia.
O novo Tratado que cria o MEE foi assinado a 2 de Fevereiro 2011, pelos embaixadores em Bruxelas dos países da área do euro O MEE, que deverá entrar em funcionamento em Julho de 2012, será uma instituição financeira internacional, sediada no Luxemburgo, que apoiará os países da área do euro sempre que tal se afigurar indispensável para salvaguardar a estabilidade financeira”. Fonte InfoEuropa: https://infoeuropa.eurocid.pt/registo/000048144/            
[3] O Tratado Orçamental O Tratado reconhece a urgência da estabilização da Zona Euro e estabelece um patamar de menos de 3% de défice orçamental geral do produto interno bruto (PIB) e um défice estrutural de menos de 1,0% do PIB se o rácio da dívida em relação ao PIB é significativamente inferior a 60%. Foi assinado em Março de 2012, pelos Estados-Membros, com excepção do Reino Unido, da Croácia e da República Checa.
[4] TINA: There Is No Alternative (by  Margaret Thatcher)
[5] Panagiotis  Lafazanis, Ex-Ministro da Energia do Governo grego

20 julho 2015

APÓS A CAPITULAÇÃO


Assistir ao espectáculo do homem que assinou o “acordo” dizer que não concorda com ele, mas pede o voto para a sua aprovação, será porventura o lado patético da coisa política. Uma transformação cénica e conceptual, que dificilmente encaixa nos cânones tradicionais. Ver a praça Syntagma a ferro e fogo em violento protesto contra a situação e pensar que os intérpretes visados são os mesmos que há bem pouco tempo a ocupavam para exigir Liberdade, Democracia e Dignidade, é um volte-face demasiado rápido para ser entendível contra toda a lógica interpretativa.
Tsipras teve porventura tudo na mão na noite do Referendo, quando 62% dos gregos negava de forma rotunda um pacote de medidas bem mais macias do que as que constam agora do dito “acordo”. Como foi possível então, da noite para a manhã do dia seguinte, ter-se eventualmente desbaratado tamanho capital político? E aqui, das duas uma, ou Tsipras não sabia como capitalizar o resultado, ou interpretou de forma deficiente o próprio resultado. A demissão de Varoufakis estará decerto no centro da análise, pela carga simbólica que encerra, quer ainda na consideração da brecha que as suas posições determinadas provocaram no Governo. É bem verdade que tudo o que se passou nos dias seguintes foi uma demonstração inequívoca e lamentável das posições alemãs e, por arrasto, do designado Eurogrupo. Fazendo aliás ver como todo o designado projecto europeu foi por água abaixo, emergindo um directório de burocratas comandado pelo “maestro” Schauble que, não tendo a magia dos seus conterrâneos da música ou da literatura, tem o saber de um ditador hábil e perigoso, como os seus confrades dos anos 40 do século passado.

Tsipras agiu então de forma deficiente, ao apostar (forçar) na demissão do seu Ministro das Finanças? Porque de facto era ele o rosto da verdadeira e substantiva contestação. Porque era ele a face visível e credível do NÃO, consubstanciado no resultado do Referendo. Porque finalmente era ele o obreiro da luta contra o pensamento único. O esvaziamento completo da posição do Estado grego, a irrelevância a que foi votado pela “orquestra” europeia, mostrando a verdadeira face de um projecto em que as regras apenas existem para justificar o Mecanismo de Europeu de Estabilidade e impor o Tratado Orçamental, acima das convenções e dos tratados conhecidos. A lógica da negociação de Varoufakis assentava na premissa de “desgastar” o próprio Eurogrupo. Ele conhecia, desde o início, a predisposição do presidente Dijsselbloem: ou a aceitação da lógica do resgate com uma suspensão de qualquer tipo de reestruturação da dívida, ou a “destruição” da banca grega. Sendo que o Governo grego tinha sido eleito com mandato para pôr fim a essa espiral de austeridade, não fazia qualquer sentido negociar em sentido oposto, ou permitir que a dita “negociação” chegasse ao ponto que chegou. Mesmo com a pistola apontada à cabeça, como Tsipras terá admitido. A punição política chegaria ao seu extremo, a ideia base de destruir um Governo eleito e humilhar um País sairia então vencedora na madrugada de 13 de Julho.

Apenas 3 dados que podem ajudar a perceber o rotundo golpe que irá ser dado sobre o Povo grego.
  1. A adoção de medidas imediatas para melhorar a sustentabilidade a longo prazo do sistema das pensões, no âmbito de um vasto programa de reforma das pensões”, como diz o “acordo”, vai produzir uma redução das pensões mais baixas, ignorando que a razia no capital dos fundos de pensões se deveu ao PSI da troika em 2012 e aos efeitos nefastos da queda no emprego e do trabalho não declarado[Varoufakis];
  2. A racionalização do sistema do IVA e o alargamento da base de tributação para aumentar as receitas”, significa um golpe profundo na única indústria em crescimento da Grécia, o turismo;
  3. “O Governo grego precisa de se comprometer formalmente a reforçar as suas propostas numa série de domínios identificados pelas Instituições, com um calendário claro e satisfatório para a adopção de legislação e a sua aplicação”, significará a sujeição da Grécia ao afogamento orçamental, mesmo antes de ser garantido algum financiamento.

Não há qualquer dúvida que Tsipras não teve outra hipótese senão assinar o documento. Aliás, é Varoufakis quem o afirma, "Foi-nos dado a escolher entre ser executados ou capitular. Decidimos que capitular era a melhor estratégia". Contudo, nem a melhor estratégia está isenta de ter defeitos. O caso é precisamente este.
Após a capitulação, apetece dizer que o é poder da doxa contra o conhecimento, a velha e eterna disputa que, na Caverna[1], está de facto à porta.

Este “acordo” imposto a um Estado Soberano tem sido comparado a humilhação do Tratado de Versalhes, que terá aberto o caminho para a ascensão do nazismo após o fim da Primeira Guerra Mundial. Só se pode compreender uma situação deste género quando existe um aperto significativo das liberdades, condicionadas a políticas de excepção, como as que determinam as posições do Eurogrupo. Bem vistas as coisas, esta Europa do Tratado Orçamental, do Mecanismo de Europeu de Estabilidade, ambos datados do ano 2012, não passa de uma farsa gigantesca que tem um único objectivo, a criação de um clima de terror com base numa monstruosidade antidemocrática que significa a transformação dos pequenos países em protectorados alemãos. Serão porventura os seus adeptos aqueles europeístas convictos, “…gente de pergaminhos que invocam sempre o argumento de autoridade de ter estado desde o princípio com a Europa para assim legitimar o seu acordo com todos os caminhos para onde a Europa vai”[2]?

Talvez valha a pena ouvir os resistentes, gente da Esquerda que não verga os seus ideais e que nas alturas devidas procura ter uma voz diferente, contra a corrente, contra o pensamento único. Como por exemplo o fez Jean-Luc Mélenchon[3], ao afirmar “O Governo de Alexis Tsipras resistiu de pé como nenhum outro na Europa. Agora tem que aceitar uma trégua na guerra que está a travar. Devemos-lhe solidariedade”, destacando, contudo, que “nada nos pode obrigar a participar na violência que lhe estão a infligir”.



[1] Referência a Platão e sua imagem e alegoria (República, Livro VII)
[2] Citação de J.M Pureza, no livro “Linhas Vermelhas”, Ed. Bertrand, Coimbra, Julho 2015
[3] Deputado francês no Parlamento Europeu, líder da Frente de Esquerda  e co-presidente do Partido de Esquerda

12 julho 2015

QUEREM HUMILHAR A GRÉCIA


Tal como falou hoje o eurodeputado e vice-presidente do Parlamento Europeu Dimitris Papadimulis, a verdadeira intenção do Eurogrupo é derrubar um Governo legitimamente eleito pelo seu Povo. Tal “hábito” será aliás, pela forma como as potências a mando da Alemanha, uma coisa absolutamente estranha. Fazer um referendo, ouvir o Povo, ser fiel aos seus compromissos, denunciar o que a Europa fez à Grécia durante sucessivos anos, por conta de administrações colaboracionistas ou corruptas, não vergar ao pensamento único, é realmente demais para um grupo de gente que mais parece pertencer a qualquer comité regional alemão, tal a fidelidade canina e a recusa em pensar pela própria cabeça. Entre esta gente está, naturalmente, o PM português, traidor ao seu povo e destruidor da Pátria.
E falam em credibilidade. Quão credível de facto pode ser um Governo que é fiel ao seu Povo e cuida dos seus interesses? Quão fiel pode ser um Estado que foi palco da mais violenta ignomínia, vendido na praça pública, armado pelos grandes desta Europa que cada vez mais se assemelha ao terrível directório alemão de triste memória. Não, de facto a Grécia, para vós não é credível, porque sois vós que quereis definir essa mesma credibilidade, provando uma vez mais que quereis inclusivamente definir o “comportamento” de pessoas e Estados. Não, também não aceitamos que seja assim, tereis para sempre o nosso desprezo.

À medida que as horas passam não podemos ficar indiferentes ao desfecho desta incrível cena em que nos quereis incluir. Talvez desta forma estejais a contribuir para que as pessoas finalmente acordem e tal como Povo grego fez a 5 de Julho passado, vos referendem sempre e cada vez mais.  Tsipras, avisaria dias antes do acto patriótico na Grécia, “…Ao autoritarismo e à dura austeridade, responderemos com democracia, calmamente e de forma decisiva.” Muito embora a dureza cruel da situação e o cerco que é movido ao País tenha precipitado uma proposta que nunca estaria nos planos do seu Governo, a verdade é que a dignidade não se perdeu. Antes pelo contrário, o Governo grego vai, uma vez mais, lutar por si, pelo seu País, por uma Europa inteira, pela dignidade que parece perdida, por uma voz que fala e que não se pode calar, contra quem pretende silenciá-la.

Pode a Grécia sair? Se a questão fosse simplesmente essa, do ponto de vista de quem pretende impor o pensamento único e liquidar de vez qualquer insurreição, diríamos que já está fora. Outras questões, igualmente decisivas, estarão porém em jogo no difícil e intrincado tabuleiro de interesses internacionais, a saber a tal geopolítica de que tanto se fala e faz mover estados e nações e conjunturas financeiras que se sobrepõem à lógica, pretensamente simplista e vulgar de pensar nas pessoas. Irá porventura desenhar-se um equilíbrio, como em outras situações, ou a sanha ideológica prevalecerá e precipitará um desfecho, mais uma vez, punitivo e chantagista?
Até ver, os povos não adormecem permanentemente, nem que a situação de torpor que ora se vive o possa prever. Alguém se há-de importar um dia. Brecht avisou na altura do perigo fascista, “Primeiro levaram os negros/Mas não me importei com isso/Eu não era negro/Em seguida levaram alguns operários/Mas não me importei com isso/Eu também não era operário/Depois prenderam os miseráveis/Mas não me importei com isso/Porque eu não sou miserável/Depois agarraram uns desempregados/Mas como tenho meu emprego/Também não me importei/Agora estão me levando/Mas já é tarde…”

O Governo da Grécia, pelos vistos, importa-se, é tempo de fazermos o mesmo!

05 julho 2015

APESAR…

“… Eu pergunto a você
Onde vai se esconder
Da enorme euforia
Como vai proibir
Quando o galo insistir em cantar
Apesar de Você”, Chico Buarque Holanda, 1970



Esperamos com alguma ansiedade. Acreditamos que é possível, ser este um princípio de contestação permanente e contínua, porque não queremos ficar para sempre indiferentes. Curioso que um dos últimos argumentos tenha sido aquele que tentava caracterizar os políticos de uma determinada forma, adultos seguramente, engravatados talvez, com o tal sentido de responsabilidade que lhes advém de um certo espírito de casta, porventura conquistado na dita experiência, termo que ganha foros de elevação quanto maior a promiscuidade com os negócios de ocasião. Falamos em português, em pretensos donos de Portugal, que circulam entre centros de interesse e partilha do aparelho de Estado, uma “eterna” dança entre conselhos de administração, secretarias de estado e ministérios, chefias na administração pública, lugares nas autarquias e empresas da construção civil, autores de pareceres e gabinetes de advogados, percursos meteóricos desde as jotas até ao poder. Serão estas e estes os qualificados por uma opinião pública produzida em circuitos fechados, com o beneplácito de um sector da comunicação social que fabrica comentadores que ostentam invariavelmente a sensatez de um pretenso equilíbrio, que oscila, conforme as necessidades, entre o centrão oficial, a tal elite consensual a que o País deve a douta lição do conformismo e da sabedoria perpétua.
Acontece que é precisamente tudo isto que não queremos. E a que contrapomos, a necessidade de uma nova elite, que saiba transformar em ciência política, as aspirações dos povos, em constante movimento. O movimento das ideias, a dialéctica da transformação e a interpretação constante dos conflitos sociais, na superação dos mesmos, com vista a identificação de processos e metodologias participativas, tendentes a aproximar as pessoas dos centros de poder, diria a serem as próprias pessoas a interpretar o mesmo poder. A experiência de que comunicação social fala, quando “avalia” um putativo candidato, deve então ser interpretada precisamente ao contrário, na exacta medida que é a que menos interessa.

No dia das decisões, seremos seguramente muito mais gregos que o se poderia pensar, embora não tenhamos o boletim na mão, para exercer um direito de cidadania, hoje seguramente um peso enorme para um povo atormentado pela pilhagem, pela ganância e pelo terrorismo de uma elite, a mesma que tem a experiência politica a que se reconhece “legitimidade”. Dizer que estar nas nossas mãos dizer NÃO é também um peso enorme, que apesar de sabermos necessário, implicará talvez da nossa parte, sacrifícios grandes e penosos. Como em todas as lutas, há que escolher um campo, não é jamais possível conciliar posições, porque NÃO é mesmo não. Não queremos, não colaboramos, não pactuamos, não aceitamos, não vos iremos tolerar, não esquecemos a vossa mentira permanente, o vosso silêncio e indiferença perante a fome, a desigualdade e a miséria, a vossa intolerável atitude de prepotência, invocando a Democracia para oprimir.


Basta de complacência. NÃO, decididamente NÃO!

03 julho 2015

OXI(GÉNIO) PARA A LIBERDADE
Aprende a nadar, companheiro 
que a maré se vai levantar 
Que a liberdade está a passar por aqui
Maré Alta”, Sérgio Godinho, “Os sobreviventes”, 1971











A história nunca se repete. A história às vezes repete-se. Ambas as formulações podem ser verdadeiras, se devidamente contextualizadas. O NÃO ao fascismo que destruiu milhões de cidadãos indefesos levantou a Europa inteira contra o que parecia ser um “desígnio nacional”, apoiado por aquilo a que Bergman designar por “Ovo da Serpente”. Os cidadãos europeus souberam dizer NÃO ao fascismo, mesmo que tal lhes tenha custado muitos milhares de vítimas. Embora tenha resistido em Espanha e em Portugal, o mesmo fascismo acabaria derrotado pela vontade dos povos. A situação criada na Europa pela chamada crise das dívidas soberanas e pelo seu aproveitamento para impor a austeridade a todo o custo sobre os mais desfavorecidos, configura um novo tipo de fascismo, a que alguns chamam “fascismo branco”. Da ascensão do fascismo na Europa, nos anos 30 do século passado, ao fascismo branco dos dias de hoje, vai um pequeno passo. Das crises económicas de outrora à crise financeira de hoje, a intervenção do capital é realmente decisiva. A pobreza de uns, aliada à riqueza de outros, tem sempre um peso desigual, “…quantos pobres são necessários para produzir um rico?”[1]. O que sabemos é que a crise é um bom negócio para a acumulação dos mais ricos e a austeridade a forma mais célere de transferência de rendimentos do trabalho para o capital: desde 2010, os 25 mais ricos do nosso País viram a sua fortuna crescer 17,8%, qualquer coisa como cerca de 18 mil milhões de euros.

De facto, apesar dos imensos avanços técnicos, científicos e tecnológicos, o estado a que se chegou significa um enorme retrocesso civilizacional: perda de direitos, limitação das liberdades individuais, diminuição de rendimentos das famílias, aumento do desemprego, limitações terríveis no acesso ao emprego, aumento da idade da reforma, enfim, diminuição significativa da qualidade de vida da maior parte da população. E aqui, a Grécia será porventura um exemplo paradigmático. Um dos países que mais sofreu e sofre com a dita crise, que foi durante muito tempo o cesto dos papéis para onde foi atirado todo o lixo da gestão dos bens públicos, com administrações corruptas, ou simplesmente colaboracionistas com todos os desmandos dos senhores do dinheiro, o País que a Europa tentou armar a toda a força, à custa de um endividamento sem fim, o País onde o povo paga os cortes verdadeiramente atentatórios dos direitos humanos, com uma dívida sempre a aumentar e que chega a quase 200% do PIB e com uma taxa de desemprego que, em 7 anos, subiu 226,2% (passou de 8,4% para 27,4%)[2].

Mas, por outro lado, um País que aprendeu a dizer NÃO. Na língua grega, o OXI. Na nossa, apenas as iniciais de OXIgénio, um pequeno balão para alimentar a Liberdade. Sim, a liberdade de ser contra, quiçá o único instrumento que temos para tentar resistir a uma avassaladora ameaça, que passou de latente, a efectiva neste momento. A afirmação do capital financeiro e a sua investida, são factores ilustrativos do fascismo branco.

OXI! O dizer NÃO é uma necessidade vital para a sobrevivência. Como podemos ficar indiferentes quando a chamada União Europeia alimenta um verdadeiro campo de escravos na Grécia? A curiosa visão dos senhores do dinheiro e do Poder nesta Europa bizarra é de uma liquidez espantosa, a austeridade sem fim em troca da solidariedade. Ou seja, alimentamos à míngua pessoas que são liquidadas aos poucos, enquanto convém. E atenção, ai de quem se manifeste contra, que ouse questionar a “bondade” das medidas impostas. Não há alternativa, é o pensamento único que floresce, que prevalece, que oprime. É um novo fascismo, sem qualquer dúvida, muito bem caracterizado hoje por Christine Lagarde (FMI) quando diz que é assim que tem que ser, os países têm que fazer sacrifícios, é igual para todos. E ainda que, futuras negociações tem que ser feitas com “pessoas adultas”, significado que só pode ser, entre pessoas que pensem como ela (…), apenas com divergências pequenas, que apenas servem para “colorir” a verdadeira imposição.
Um OXI rotundo e claro!
É o que se espera venha a acontecer. Mesmo não podendo votar em Atenas, “votemos” nas praças e avenidas, em todo o lado, em toda a parte. Para RESPIRAR liberdade!
O OXI vai agora muito para além do protesto e é uma atitude de cidadania, de soberania e de Liberdade. É um NÃO contra o pensamento único, contra o fascismo branco. Não podemos deixar crescer a serpente dentro do ovo, o melhor mesmo é queimar o ovo para que a serpente não nasça. Provavelmente, tal como no século passado, acordamos tarde demais, deixando a serpente crescer. Pior ainda, porque houve quem a tivesse alimentado pensando que ela era incapaz de morder e de matar…
Agora só há uma solução, cortar-lhe a cabeça.
Para respirar LIBERDADE, que está a passar por aqui!





[1] Almeida Garret
[2] Dados Eurostat 2015

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