29 abril 2021

15 ANOS DA ENGENHO & OBRA

 









Há precisamente 15 anos, a 29 de Abril 2006, haveria de nascer uma nova organização, vocacionada para as questões do Desenvolvimento e da Cooperação, a nível nacional e internacional.

O Cartório Notarial de São João da Madeira seria o escolhido, para a Escritura Pública de constituição da ENGENHO & OBRA.

Foi um Sábado de sol, recordo bem esse dia, em que passamos umas boas 4 horas, fechados no Cartório, o acto assim o determinava, dado que, para além de umas três dezenas de Associados individuais, estavam também várias Entidades, públicas e privadas, às quais era exigida a apresentação de documentação comprovativa, inerente a estas situações.

Era manhã bem cedo, quando fomos buscar o Victor[i], a sua casa. Recordo a quantidade de dossiers que transportava, era ele o digníssimo representante da primeira das Entidades Fundadoras, aquela que foi (e ainda é) a Sede Nacional da Associação, a nossa Casa: o ISEP.

Em São João da Madeira acabaram por confluir pessoas e organizações, um pouco de todo o País, de Viana do Castelo a Setúbal, passando por Braga, Vila Nova de Famalicão, Barcelos, Porto, Aveiro, Coimbra e Lisboa, para a Fundação da E&O, que se pretendia uma entidade com abrangência nacional. 

Embora não tivesse sido possível juntar toda a gente num almoço, algumas das pessoas tinham que regressar a suas terras, conseguimos efectuar um simpático convívio, após o final do acto notarial.

 

Hoje, 15 anos depois, é justo que se assinale o 29 de Abril do ano 2006.

Porque muito trabalho aconteceu nestes anos, muitos foram os cidadãos que contribuíram para que a E&O fosse reconhecida, a nível nacional, mas também a nível internacional, com particular destaque para todos os países de língua oficial portuguesa, em 

África e no Sudoeste Asiático, fruto de muitas vontades, de voluntariado activo e da solidariedade internacionalista. Um empenhamento que contribuiu decisivamente para a concepção, execução e disseminação de actividades e projectos, cujo objectivo central sempre foi, segundo a Missão da Associação, o de contribuir para a autonomia das populações, uma das formas de melhorar a sua qualidade de vida. 

 

Alguém um dia contará as estórias desta Associação, porque vale a pena dar a conhecer o que se fez, por onde se andou trilhando caminhos quiçá pouco conhecidos, atravessando rios com um caudal imenso de Conhecimento, tentando integrar saberes, gostos, gestos, lamentos e sorrisos, dos povos com quem sempre procuramos aprender e ainda hoje lembramos, com muito respeito e profunda admiração.

Lembramos hoje aqui, os Amigos que nos deixaram, que tanto nos deram e tanta falta nos fazem, a Olímpia Soutinho, na sua postura simpática e altamente profissional, o José Augusto Rocha e Silva, um engenheiro sábio e preocupado, o Raimundo Delgado, um professor e mestre da simplicidade e da grandeza.

E prestamos homenagem a todos os que, em Portugal, Angola, Cabo-Verde, Moçambique, Guiné-Bissau, S. Tomé e Príncipe e Timor-Leste, connosco trabalharam e nos honraram com a sua sabedoria, cumplicidade e muita Amizade. As ONG de Desenvolvimento, que são conhecidas como ONGD, constituem uma parte determinante da Cidadania, nas suas vertentes de multiculturalidade e da prossecução de objectivos internacionais comummente aceites, em defesa das populações mais fragilizadas e marginalizadas.

 

Um viva muito especial à E&O, de quem tem esta organização sempre no coração e na memória das coisas boas da Vida!

      



[i] Eng. Victor Santos, Presidente do ISEP, Instituto Superior de Engenharia do Porto


25 abril 2021

 






Era um dia escuro e húmido. Arrancado da cama (uma estória já contada...), com a Revolução na rua, pensei de imediato no golpe das Caldas, apenas um mês antes. Havia qualquer coisa no ar, o que não havia era certeza alguma. Esperávamos somente que o fascismo caísse, força da nossa luta, força da enorme pressão social dos últimos 4 ou 5 anos, uma insustentável situação, de que as conversas em família do marcelo, eram o sinal de fragilidade aterradora de um regime podre, que vinha de tantos anos de terror, pobreza e miséria, aqui e nas colónias. Uma guerra que seria o meu destino “natural”, para onde iria seguramente, uma vez perdido o direito ao adiamento, circunstância que levaria a equacionar, no início desse ano, o abandono do País. Não sabíamos, portanto, não havia respostas. Saímos para a rua, esperando que esta nos desse algumas, que as possíveis movimentações populares nos conseguissem explicar o que se estava a passar. Não ouvíamos logo a rádio, apesar de bem me lembrar (depois) de ter ouvido, religiosamente como sempre, o “Limite”, do Leite de Vasconcelos, na Renascença, onde passaria o “Grândola”, pouco depois da meia-noite. Contudo, nunca me passaria pela cabeça, estar a ouvir a segunda senha do 25 de Abril, praticamente meia-hora depois da primeira (que não ouvi), nos Emissores Associados de Lisboa, justamente o “E Depois do Adeus”. A rua, entretanto, não nos dava respostas, a não ser uma série de informações contraditórias, que a coisa poderia dar para o nosso lado, mas também para um outro lado negro, o dos fundamentalistas do regime. Foram os Amigos, os colegas mais velhos da faculdade, para onde seguimos, já no final da manhã, a ajudar, com aquela cumplicidade anti-fascista, a que nos situássemos, há sempre alguém que consegue ter alguma informação que nos anime, um que tinha ouvido o 1º Comunicado do MFA, pelas 4 da manhã, “Aqui Posto de Comando do Movimento das Forças Armadas. As Forças Armadas Portuguesas apelam para todos os habitantes da cidade de Lisboa no sentido de recolherem a suas casas, nas quais de devem conservar com a máxima calma...”. Soubemos depois, ao contrário do apelo, do imenso levantamento popular, na Cidade, que bem nos mostram hoje os arquivos da memória, de que relevo hoje, o nosso grande Capitão Salgueiro Maia (com quem haveria de privar, 1 ano depois, na minha tropa, na Escola Prática de Cavalaria) a dar voz de prisão aos ministros que acabariam de fugir, borrados de medo, do Terreiro do Paço, ou a exigir a rendição incondicional do chefe do governo, no Quartel do Carmo.

 

Nós que vínhamos de Coimbra em 69, conhecíamos bem a rua, não tínhamos medo de nada, mesmo com medo de quase tudo. Vimos e participámos da Luta:

Eu vi este povo a lutar

Para a sua exploração acabar

Sete rios de multidão

Que levaram a história na mão...”

A recordação desse dia, leva-me à Praça da República e aos Aliados, já durante a tarde e ao episódio da troca de tiros, com a PSP, os resquícios da repressão, a marca do regime, já agonizante. Ouvimos agora a rádio, era a voz da Luísa Basto, alto aí, a cena parece ser outra, aquela voz é das nossas, ajuda a dissipar as dúvidas. Cerramos fileiras, gritamos bem alto, era a luta de tantos anos e tantas vidas, a exigir a Liberdade, o fim da PIDE, a libertação dos presos políticos, era o prenúncio da Liberdade a sério, era o erguer do punho cerrado, contra a exploração e a opressão.

Recordo então o Zeca, percebo agora a senha:

Grândola, vila morena

Terra da fraternidade

O povo é quem mais ordena

Dentro de ti, oh cidade...”

 

Era uma 5ªfeira, o sol tardava a aparecer, num dia tão belo, faltava a sua luz, a sua cor. Mas sobrava a força para ajudar a queda de um regime, que nos havia roubado a juventude, mas nunca a esperança, nunca o sorriso da Vida, era o cravo do “Portugal Ressuscitado”:

Depois da fome, da guerra

Da prisão e da tortura

Vi abrir-se a minha terra

Como um cravo de ternura...”

 

São hoje 47 anos do Abril 74, curiosa imagem, hoje possível, porque fomos capazes de consolidar uma nova República, apesar de todos os todos, apesar da imperfeição, apesar da flor murcha, substituída pelo cravo e papel, ou pelo cravo digital, impensável à época. Apesar da perda progressiva da soberania, em flagrante desrespeito pela Constituição, a República celebra a Liberdade, ocupa e desce a Avenida, trazendo a Luta para fora de portas, fazendo greve por direitos, levantado a voz contra injustiças. Pesem embora todos os contratempos e arbitrariedades, há sempre quem esteja disposto a dar a cara e ir à luta e que não tenha medo, o medo que “eles” querem que tenhamos.

Havia quem dissesse, ao tempo: 

“...não hei-de morrer sem saber

qual a cor da liberdade.”

Que o queriam “cego e mudo”, hoje bem mais brando, apenas “calado e consensual”.

Mas como afinal: 

Foi então que Abril abriu

as portas da claridade

e a nossa gente invadiu

a sua própria cidade.

Disse a primeira palavra 

na madrugada serena 

um poeta que cantava 

o povo é quem mais ordena...

(...)

Agora que já floriu 

a esperança na nossa terra 

as portas que Abril abriu 

nunca mais ninguém as cerra.”

 

Havemos sempre de encontrar, em qualquer cidade, uma qualquer parede branca, para escrever, com vontade e com garra:

 

25 SEMPRE, A LUTA CONTINUA!

 

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Citações dos autores, pela ordem em que entram: José Mário Branco, José Carlos Ary dos Santos, Fernando Tordo, Jorge de Sena e Sérgio Godinho


23 abril 2021

DIA MUNDIAL DO LIVRO E DOS DIREITOS DE AUTOR


 

















Neste dia, 23 de Abril celebra-se o LIVRO.

A imagem do livro é para mim, como para tanta gente da minha geração, o símbolo máximo do Conhecimento e da Liberdade.

Com ele convivemos e a ele lhe continuamos a dedicar grande parte da nossa vida, o nosso companheiro, sabemos-lhe o sabor e o cheiro, o significado que tem, sempre e em cada momento.

Kafka, dele diria, “...deve ser o machado que quebra o mar gelado em nós.”

 

Neste dia, que serve para realçar o VALOR de um livro e possivelmente a mensagem que lhe está (sempre) subjacente, deixo a foto de capa de um dos livros que marcou a minha formação social e política.

É uma edição de 1974, impresso na Tipografia Central da Borralha, em Águeda, a edição nº 157, datada do mês de Abril. Dele deixo uma pequena nota da contra-capa: “Trata-se de uma antologia, organizada por ERNEST MANDEL, sobre Conselhos Operários, Autogestão, Contrôle Operário, nas diversas fases da ascensão do proletariado em face da empresa. O autor expõe, de forma bastante clara, as transformações operadas na sociedade até aos nossos dias”.

Do Autor, que recordo com saudade, porque o conheci e com ele me lembro de conversar, nos anos da Revolução, quero registar que nos deixou no ano de 1995, com 72 anos, tendo-nos legado várias obras, das quais destaco o “Tratado de Economia Marxista” (1962), que nós apelidávamos ternuramente apenas de “Traité”.

 

A outra obra que também quero hoje recordar e que foi talvez a primeira leitura importante, em matéria de filosofia política: “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado” do Engels, um livro inesquecível, por tudo e mais alguma coisa e também porque foi um dos livros que me “desapareceu”, na voragem daqueles tempos...

 

O LIVRO NÃO É UM OBJECTO QUALQUER, ELE FAZ PARTE INTEGRANTE DE NÓS E DAQUILO QUE SOMOS!


21 abril 2021

 O VELÓRIO DA CULTURA

 












Vale a pena morrer, para haver velório?

Claro que nele cabe, segundo a tradição africana, uma grande festa, com comes e bebes, canto e dança, batuque à farta, que o morto merece e os que ficam lhe prestam a homenagem que se calhar nunca teve em vida, que cheia deve ter sido, uma festa que só agora tem e não pode ver. Mas podemos nós, que lembramos e assim lhe tributamos, em honras e memórias, a vida que também partilhamos. 

Há até quem acredite que neste século vai ser possível digitalizar a informação do defunto e usá-la para recriar a sua consciência. Talvez da Cultura fique esta “deliciosa” reminiscência, do que era, do que foi e de como a poderemos recriar.

Queremos recriá-la?

Podemos recriá-la?

 

Oh, velório, que mostras o defunto e dizes “E se tivéssemos ficado sem...?”.

Que bem se comportam as pessoas no velório, em princípio não lhes sai da boca impropério algum, (por bem que apetecesse).

Apenas estão velando o “corpo das artes”, assim exposto à comiseração.

Mal vai um País que deixa assim morrer o que de melhor tem para dar e assim morrendo, já dar não pode.

Quase agora me lembro de um ex-presidente de Câmara que, quando lhe falavam em Cultura, mexia no bolso, a ver se aparecia algum tostão. Gozava estaria, ou estava mesmo, agora já é presidente de um grande partido, as coisas são assim, não há que ter vergonha, embora fosse de haver. Mas não há.

Agora velamos. 

Quedamos em saber o que vem por aí.

 

Entretanto, sem qualquer augúrio, ao velar a Cultura, podemos estar a velar um País.

Cidadão atento!

(roubo sempre esta asserção a um velho Amigo...)


10 abril 2021

A “MANSIDÃO” E A INCOMPETÊNCIA




 












É sempre bom “repousar” um pouco sobre um anúncio como o do dia de ontem. Na torrente de ditos e escritos, alguns que pretendem ser informação, ficam a perder para a imensa enxurrada de palpites, nas ditas redes sociais, de costumeira mediania. Ao pretender saber quem esteve bem, ou mal, encalhamos quase sempre na opinião encartada de quem pensa ser pensamento, embora possa eventualmente não passar de uma simples eructação.

 

O homem que um dia não quis ser “manso”, vociferando, ainda que de forma sibilina que isso “é a tua tia, pá...”, não pode, ou melhor não deve, cantar a tal vitória que ensaia, ainda que o faça denunciando (e bem) alguns pasquins e similares de TV, que aproveitaram para cavalgar, em tempo, uma duvidosa onda moralista e justicialista. Porque nada poderá apagar a realidade que para si próprio construiu, desprezando a inteligência alheia e brincando com uma trapalhada, visceralmente repelente. 

 

Mas, o que salta à vista, depois daquele arrasador discurso de um juiz que tentou quiçá emendar a mão de outros magistrados, que, diga-se de passagem, muito mal ficam no processo, é a tremenda falta de qualidade de um ministério, que, por ser público, deveria ter mais competência. Nem será preciso lembrar a quantidade imensa de “factos” que deveriam envergonhar quem os protagonizou, não fora a habitual complacência com os portugas, serenos e pacientes (uma versão possivelmente aproximada), brindam normalmente casos do género: gritando e berrando de fúria e esquecendo logo uns dias depois, caindo porventura na quietude cinzenta, característica primeira (tem que se dizer, com toda a frontalidade) da ferrugenta e cabisbaixa vulgaridade pequeno-burguesa. Apetece citar o O´Neill, “Oh Portugal... surdo e miudinho...”.

 

Ele há (diz-se) o vai e o vem. E, ainda, que “...enquanto o pau vai e vem, folgam as costas”. Estamos em Portugal e a esperança apenas existe para meia-dúzia (vá lá, algumas dúzias) de encantados. É pena, porque somos, assim à primeira vista, bem mais que “...o sal, o sol, o sul / o ladino pardal, / o manso boi coloquial, / a rechinante sardinha, / a desancada varina...”. Vejam, lá está o “manso”, embora aqui, o tranquilo e coloquial boi e não um qualquer arrivista, ainda que diplomado, encartado e sobejamente “apoiado”. Logo, há que esperar, talvez mais uns anos, pelo “vem”.

 

Rejeitamos, claro que sim, todo e qualquer “julgamento popular”. Pensamos é se o Poeta tinha motivo, para nos deixar este soberbo pensamento, “Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo, /golpe até ao osso, fome sem entretém, / perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes, / rocim engraxado, / feira cabisbaixa, /meu remorso, / meu remorso de todos nós”.

De todos nós.

 

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Nota: os excertos são retirados (roubados) do poema “Portugal” (1965), da obra “Feira Cabisbaixa”, publicado em “Poesias Completas”, Alexandre O´Neill, pág. 211


02 abril 2021

 45º ANIVERSÁRIO DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA



 

Esta é uma das minhas relíquias. 

Um exemplar da Constituição da República de 1976, comprada na UNICEPE - Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto, CRLa Cooperativa Livreira, da Cidade do Porto, fundada a 19 de Novembro 1963, de eu faço parte, desde os tempos de estudante.

 

Num momento particularmente sensível, em que se invoca (mal ou bem...) a Constituição, não faria mal a quem a tenta (mesmo que disfarçadamente) delapidar, lembrar o primeiro artigo:

Artigo 1.º - República Portuguesa

PORTUGAL É UMA REPÚBLICA SOBERANA, BASEADA NA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E NA VONTADE POPULAR E EMPENHADA NA CONSTRUÇÃO DE UMA SOCIEDADE LIVRE, JUSTA E SOLIDÁRIA.

Esta asserção diz quase tudo e faz todo o sentido recordar, para que nunca fique esquecida, nas variadas turbulências que o País atravessa. 

Fica a Lei Fundamental que, apesar dos vários “ataques”, continua a ser a primeira referência da República. 


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