30 junho 2015

JUSTIÇA!

A actuação da PARPÚBLICA é posta em causa, de forma clara e evidente, na auditoria do Tribunal de Contas (TdC). A “PARPÚBLICA, Participações Públicas, SGPS, SA, Sociedade Gestora de Participações Sociais de capitais exclusivamente públicos, criada por Decreto-Lei no final de 2000 constitui um instrumento do Estado para a gestão de participações em empresas em processo de privatização, apoiando os processos de privatização, no quadro aprovado pelo governo. As missões cometidas à PARPÚBLICA pelo diploma que a constituiu desenvolvem-se através dos mecanismos próprios de uma SGPS, ou seja da sua carteira de participações e através da prestação de serviços à tutela[1]
A holding que gere as participações empresariais do Estado e que foi a entidade executora das privatizações da EDP (conclusão da 7ª e 8ª fase) e da REN (2ª fase), que são apreciadas nesta primeira auditoria, merece reparos pela falta de transparência em aspectos relacionados com a escolha dos consultores para os negócios. Segundo o TdC, estes processos de privatização (realizados entre 2011 e 2013) tiveram encargos totais de consultadoria de aproximadamente 28 milhões de euros, dos quais 411 mil euros referentes a assessoria jurídica e o remanescente relativo a consultadoria financeira (que incluiu 50 mil euros da avaliação das empresas e 27 milhões da assessoria da venda).
Diz o TdC que “a PARPÚBLICA não assegurou que os consultores financeiros (seja para a avaliação prévia ou a assessoria no decurso do processo de venda) ficassem impedidos de assessorar posteriormente os potenciais investidores, no mesmo processo, o que veio a acontecer com a contratação do BESI no processo de (re)privatização da EDP e da REN”. Não só o banco de investimento do antigo BES prestou serviços ao Estado como avaliador, como depois foi consultor financeiro dos compradores: a China Tree Gorges, no caso da EDP, e a State Grid, compradora da REN. “Constata-se, assim, que a PARPÚBLICA não tomou as devidas precauções para evitar os conflitos de interesse, o que não é consentâneo (…)  com a experiência da empresa
A auditoria refere outra situação relacionada com os consultores financeiros em que a “actuação da PARPÚBLICA torna-se passível de censura pública”. O TdC recorda que as avaliações económicas e financeiras da REN e da EDP couberam ao Millennium BCP, Caixa Banco de Investimento (CaixaBI) e BESI, entidades que já estavam pré-seleccionadas para o efeito. Mas os restantes trabalhos de consultadoria financeira foram efectuados conjuntamente pelo CaixaBI e pela Perella, que foi subcontratada pelo banco de investimento da CGD “com o consentimento tácito da PARPÚBLICA, sem estar incluída na lista dos pré-qualificados para a assessoria financeira aos processos de privatização”.
O TdC sublinha que a PARPÚBLICA “não poderia, por acção ou por omissão, consentir a subcontratação por um candidato pré-qualificado de outra entidade que não figurava na lista”. Um subcontratado que agiu “de forma interventiva e autónoma (…) com o assentimento da PARPÚBLICA”. E embora, em sede de contraditório, a holding pública tenha vindo “alegar que a participação da Perella se resumia à mera figura de auxiliar”, prevista na lei, o TdC lembra que a Perella dividiu equitativamente com o CaixaBI os honorários pagos pela PARPÚBLICA para a assessoria financeira (27 milhões). Mas o TdC vai mais longe e diz que a holding pública evidencia “falta de transparência” no que toca à “contratação de consultores externos associados aos processos de privatização”; acusa-a de incumprir as orientações da Direcção Geral do Tesouro e Finanças (DGFT) em matéria de contratação de consultadoria técnica e também contesta o entendimento da PARPÚBLICA de que não está sujeita ao código de contratação pública (CCP) e de que não tem por isso de publicar os respectivos contratos no portal BASE.
Estas vendas geraram uma receita bruta de 3,2 mil milhões de euros, dos quais 2,7 mil milhões foram entregues pela PARPÚBLICA ao Estado para amortização da dívida pública, refere o TdC. Apesar de considerar os modelos de privatização e os encaixes “adequados” e de referir o impacto positivo das operações nas avaliações regulares da troika, o TdC destaca que, “numa perspectiva de racionalidade financeira, o timing imposto” para a sua concretização representou para o Estado “um custo de oportunidade” por terem sido realizadas num “enquadramento económico muito negativo”, ao que se soma “a perda de dividendos futuros, anualmente distribuídos por estas empresas”.

E agora, perguntará o cidadão comum, o que se vai passar? E pensará, tal como nós, que uma atitude de lesar o Estado Português em cerca de 2 mil milhões de euros, deve ser severamente punida, apurando as demais responsabilidades de uma Empresa, sublinhe-se, constituída por “…capitais exclusivamente públicos”. Mais, acredita-se que estão em causa, para além da transparência, o costumeiro clientelismo (bem à maneira dos partidos do dito “arco do poder”), com evidente utilização da máquina do Estado em benefício próprio. Trata-se afinal, como em praticamente todos os processos de privatização feitos por este governo, de uma venda ao desbarato. E, segundo bem disse Catarina Martins[2], “… a perda de dinheiro não é o pior. O pior é a perda de capacidade estratégica, de capacidade de decisão e capacidade de garantia de que o nosso país tem energia”.
Sim, o que vai passar? Claro que não é suficiente o "julgamento" político. Lógico seria, em termos de Justiça, que imediatamente fosse accionado a respectiva queixa-crime contra os responsáveis. Quem faz isso? O Ministério Público, certamente, diria (uma vez mais) o cidadão comum. Aqui parece haver, de facto, matéria para deter imediatamente em prisão preventiva, aquelas ou aqueles que lesaram os bens públicos. E ainda, a suspensão imediata das actividades da tal Empresa.
Se tal não for feito, de imediato, o tal cidadão comum dirá, uma vez mais, que a justiça no nosso País, é realmente…treta…



[2] ESQUERDA.NET, 29 Junho 2015

28 junho 2015

 A VERDADEIRA CHANTAGEM


Após a malograda tentativa de chegar a um acordo, Varoufakis retira-se da reunião dos ministros das finanças europeus. Ganha a verdadeira chantagem sobre a Grécia, um verdadeiro ultimato para os gregos aceitarem uma severa e degradante austeridade sem fim e sem qualquer perspectiva de recuperação social e económica, uma punição moral sobre um povo, que escolheu um caminho diferente: a recusa terminante ao pensamento único e a defesa da democracia e da soberania. É sempre bom lembrar a que os governos gregos anteriores fizeram foi endividar o seu povo, com acordos e cedências perante a finança internacional, que chegou ao ponto de armar o País, por exigência da França e da Alemanha.

A unanimidade do conselho europeu é significativa, juntos no pensamento único, a TINA (There Is No Alternative!), para vergar um governo legitimamente eleito e que, este sim, defende o seu Povo. Diria Tsipras, a propósito “…Ao autoritarismo e à dura austeridade, responderemos com democracia, calmamente e de forma decisiva.” Só que “isto” não pode acontecer no tal “espaço europeu” que nos prometeram de solidariedade e de respeito pelas pessoas. Invisível ou talvez não, o punho imperial da Alemanha, bate em cima da mesa, quando há desrespeito pelas ditas “regras da União”. E uma das formas de impor o poder é, receita comum, a austeridade sem limites. O FMI recusa todas as propostas apresentadas pelo Governo grego e “decreta” o “normal” nestes casos:  aumento do IVA na restauração para 23%, eliminação das reformas antecipadas a partir do fim do mês,  congelamento das pensões até 2021, subida das contribuições para saúde dos pensionistas de 6%, suspensão dos pagamentos pelo Estado do  fundo de pensões até 2017, fim do suplemento para pensões mais baixas, fim do tratamento fiscal preferencial para agricultores e subsídios ao gasóleo agrícola, aprovação, até Novembro deste ano, de legislação laboral que racionalize a tabela salarial do Estado grego. Estas propostas violam directamente os direitos sociais e fundamentais europeus e são reveladoras de que, no que diz respeito ao trabalho, à igualdade e à dignidade, do objectivo de alguns dos parceiros e instituições para uma humilhação do povo grego. Elas seriam, sem qualquer dúvida, um novo fardo insustentável e representariam um autêntico boicote à recuperação da economia e da sociedade, afinal uma perpetuação da instabilidade, acentuando ainda mais as desigualdades sociais.
Sabendo de antemão que, medidas como estas, irão escravizar completamente o País, as chamadas “instituições” cavalgam a onda da mais intolerável ditadura e desprezo pelas populações, unicamente com o intuito de cumprir mais um programa de falhanço completo, com uma dívida sempre a subir. Mas o que se trata aqui é ainda mais de uma inqualificável atitude para derrubar um Governo eleito, apenas isso. A própria integração europeia está agora mais que nunca ameaçada. Ao pedido formal, satisfeito seguramente se na Grécia existisse um governo igual aos outros, para prolongar por alguns dias o programa actual, para que o povo grego possa decidir, livre de qualquer pressão e chantagem, a troika diz majestaticamente não.

Entretanto, o Parlamento grego aprova e ratifica a proposta do Conselho de Ministros de um Referendo a realizar no próximo 5 de Julho e esta decisão vai decerto (mais uma afinal) irritar os líderes europeus e perturbar os ditos mercados, causando-lhe o tal “nervosismo” que pode depois prejudicar as taxas de juros do serviço da dívida. E para as pessoas? Nem por um momento há uma referência a desigualdades ou a miséria das pessoas. Isso não conta, pura e simplesmente.


Está instalada uma potencial guerra. Porque agora já não é possível voltar atrás. Ou vence o pensamento único, mais austeridade, mais dívida, mais pobreza e mais miséria, mais umas centenas e milhares de ricos a crescer as fortunas, mais morte afinal. Ou se perfila uma nova atitude, a rejeição total e definitiva da subjugação, como já aconteceu num passado não muito distante. Agora já não haverá possivelmente meio-termo e aqueles que jogam sistematicamente nessa via, vão ter que pensar melhor e posicionar-se de um dos lados. A frase feita, “A Luta Continua” não podia ser mais actual. Estamos decididamente aí!

23 junho 2015

VENDIDO!























VENDIDO!
Na fachada do Parlamento, o cartaz que parece absurdo, ganha forma e sentido na realidade. Uma actualidade gritante, escandalosa, dolorosa e vil. A Assembleia da República, ou melhor, o majestático edifício do largo de S. Bento, na sua imponência o símbolo da República, já conheceu, nestes dois séculos, conhecidas atribulações. Conta a história, que se trata de um palácio de estilo neoclássico, construído em finais do século XVI como Mosteiro de S. Bento da Saúde, para os monges beneditinos.
VENDIDO!
A uma qualquer remax, fruto dos tempos gloriosos da bolha imobiliária, a que só falta a foto de um chinês e o respectivo número de telemóvel de contacto.
VENDIDO!
Como tanta coisa neste País que, apesar das diatribes de indivíduos sem espinha e sem escrúpulos, é o nosso País, de que nos orgulhamos, o mesmo dos nossos filhos e dos nossos netos.
VENDIDO!
Desde a REN à PT, a CIMPOR, os Correios, às empresas de transportes públicos, tudo é vendido ao desbarato. Vem o chinês e diz “Portugal é o melhor país para comparar empresas”, pudera a oferta é boa e ao preço da uva mijona. Alguém regula isto? Mas seguramente que deve existir algum comité, pessoas que zelem pela Pátria dos Descobrimentos, a tal que deu mundos ao mundo e que agora “dá” empresas ao mundo, vá lá, tudo em saldo, segundas oportunidades, até 70%, entre e veja por si!
VENDIDO!
Triste Pátria que pariste filhos desta igualha, qual puta triste e abandonada às sortes.
VENDIDO!
já não temos a nossa companhia aérea, essa até deve ter ultrapassada a barreira dos 70% de saldo, levada por uma americano que afinal é brasileiro, à muleta de um português que é uma “barraca”. Triste.
VENDIDO!
A alma não se vende, pois não? De todo, diria o Pires de Lima, tudo tem um preço, nem que seja o de uma SuperBock!
VENDIDO!
O burocrata de serviço passará a factura, com número de contribuinte e passaporte para um cupão que dará acesso a um sorteio para um belo Audi, passe a publicidade.
Portugal é A loja dos 300 da Europa, VENDO!
Entretanto, posso dizer, com muito orgulho, como o homem que colocou a tarja,  “A MIM NINGUÉM ME VENDE”!



22 junho 2015

AINDA E SEMPRE A GRÉCIA…


“…É essa indiferença em relação ao outro, essa espécie de desprezo do outro,
que eu me pergunto se tem algum sentido numa situação
ou no quadro de existência de uma espécie que se diz racional
“Diálogos com José Saramago”, Carlos Reis, Lisboa 1997


Essencial voltar à Grécia. Num momento em que por toda Europa as ruas se enchem de pessoas a mostrar a sua solidariedade. Que obviamente não existe nunca da parte dos credores. É tão importante hoje manifestar apoio á Grécia, quanto compreender que é mesmo a Democracia e a Soberania que estão em causa., perante a ameaça totalitária, de cariz perigoso e atentatório da Liberdade.
Perante o que se passa, qual será por exemplo, o sentimento de um qualquer reformado grego de média ou baixa renda, depois de ter visto a sua pensão reduzida praticamente 60%, durante 11 vezes consecutivas? E qual será a atitude de uma família grega, também de média ou baixa renda, com a maior parte do seu agregado desempregado, receber notícia que o IVA sobre os produtos essenciais vai subir? A resposta é por demais evidente, e indiciaria somente REVOLTA. Por isso é que, qualquer que seja o desfecho do teor do acordo a negociar hoje, o Governo grego não pode, nem deve, ceder um milímetro que seja nas sua “linhas vermelhas”. E, ao pensar nisso, naquelas e naqueles que sofrem hoje na pele os desmandos dos anteriores governos, que deram origem a uma situação perto de uma catástrofe humanitária sem precedentes e com mais de metade da população em risco de miséria, o Governo grego pensa e sabe que haverá um aumento exponencial de encargos, provocados por uma dívida absolutamente insustentável, inerente a assunção de novos compromissos. Uma dívida que contém uma parte odiosa e outra parte ilegítima, por serem devidas a encargos sobre as novas gerações e constituírem em grande parte verbas para salvar bancos, essencialmente franceses e alemães…  
O Estado grego tem que pagar cerca de 1,6 mil milhões de euros ao FMI, até dia 30 de Junho. E ainda, cerca de 5,4 mil milhões de euros em reembolso de dívida, durante este ano de 2015. Entretanto, terá que receber 7,2 mil milhões de euros dos credores, sendo que metade deste valor será de imediato congelado, caso haja incumprimento. Claro que este último cenário não interessa de todo ao clube europeu, por estarem em jogo “superiores interesses”, ligados à banca e ao sector financeiro. Por este motivo, e sobretudo por ele, convém aos credores que hoje seja ratificado um acordo que, no mínimo, signifique um período extraordinário de continuação da “assistência” à Grécia. Por alguma razão, Tsipras afirmou (e bem!) que a divida grega tem que ser reestruturada de forma definitiva e não somente pontual.  
É necessário divulgar, dizer bem alto para toda gente fique informada, que a França e a Alemanha querem que a Grécia assuma mais de 2 mil milhões em armamento! Tal como em 2010, não se deve esquecer, os mesmos 2 países pressionaram a Grécia a comprar equipamento de guerra, utilizando a crise como alavanca para persuadir a Grécia a investir na indústria bélica francesa e alemã; lembra-se aqui o que disse à imprensa um assessor do primeiro-ministro George Papandreou, em Março desse ano: "Ninguém está a dizer: 'Comprem os nossos navios de guerra ou não os salvamos', mas a implicação evidente é que eles serão mais favoráveis se fizermos o que eles querem na questão dos armamentos"[1],
Apenas uma atitude é possível: não ceder. Porque ceder significaria capitular perante a pressão dos credores. Não ceder, significa defender uma Europa solidária, conceito que é perfeitamente actual e necessário e tal significa colocar as pessoas no centro das políticas, ou seja, lutar por uma Europa dos Cidadãos.  Não ceder significa finalmente lutar contra o pensamento único.



[1] Declarações feitas à agência Reuters, sob a condição de anonimato

21 junho 2015

UM TERMO GREGO PARA VARIAR


Lavar as mãos em face da opressão
é reforçar o poder do opressor, é optar por ele
Paulo Feire

Alexitimia é um termo grego, que diz da dificuldade em expressar, nomeadamente sentimentos ou emoções. Introduzido por Peter Sifneos[1] nos anos 60, fala de uma perturbação que afecta o processamento emocional, da qual resulta a incapacidade de exprimir as emoções, sob a forma de sentimentos. Resume provavelmente um comportamento ou um padrão de comportamentos, ao qual poderíamos, estendendo o conceito, juntar determinadas componentes sociais, uma vez que todo indivíduo se move num cenário desse tipo, mesmo que involuntariamente. Encontraríamos decerto alguém que receia qualquer coisa, porque teme não se saber exprimir, porque outros já disseram o que ela/ele tinham para dizer. Ou porque simplesmente tem medo, de perder o emprego, de fazer greve, porque teme o patrão…
Estaremos a produzir pessoas, potencialmente pacientes, que mostram dificuldades em falar sobre as suas emoções e sentimentos, porque terão atingido um ponto máximo da sua capacidade de compreender, pelo menos aquelas emoções? E que daí pode resultar um atrofiamento humano e social, numa vasta camada da população que perdeu a sua capacidade de atingir a felicidade ou sequer de a procurar. Seres amorfos, como convém ao regime do pensamento único? Zombies sociais que vagueiam pelas cidades, servindo apenas para produzir, ou para “render” até não serem capazes de fazer mais nada. Mas, o mais tarde possível, porque dar-lhe uma reforma aos 65 anos é cedo demais, o estado dirá sempre que não tem dinheiro para lhe pagar. O pagamento é, fórmula perversa, exactamente ao contrário, uma vez que é a pessoa que paga o “exagero” de viver mais tempo, circunstância prescrita pelo sistema, na definição da esperança média de vida, que “determina” tal capacidade.
A percepção que a Direita tenta impingir de que o País está melhor é porventura a falácia mais iníqua que enfrentamos. Como podemos aceitar tal dislate, quando dia a dia verificamos uma coisa tão simples quanto isto: ganhamos menos que há 4 anos, sem um aumento mínimo que fosse correspondente a inflação. Sistematicamente, no início de cada ano, aumentam os preços dos transportes, da energia, das telecomunicações, da água, dos bens essenciais, tudo sujeito as regras de um mercado que se quer rei e senhor, para regular a actividade económica e financeira. Entretanto, apesar de todos os sacrifícios, a dívida aumenta e aumentará sempre, com esta politica de devastação, até se chegar ao “ponto de equilíbrio” imposto pela ditadura do pensamento único que significa na prática um estado mínimo, com tudo a sua volta nas mãos dos privados que irão gerir a coisa pública a seu belo prazer, deixando esta de ser pública, porque quase tudo será privado e submetido a uma estratégia de obtenção de lucro máximo, pelo serviço mínimo.
Parece entretanto que esta lógica resulta, a avaliar por sondagens que são ardilosamente fabricadas. Passa a mensagem que valeu a pena fazer sacrifícios, que a austeridade embora “desagradável”, foi necessária para acertar as contas, para baixar o défice, para ”pagar o que devíamos”, porque “andávamos a viver acima das possibilidades” e porque é preciso “honrar os compromissos”. Seria interessante que aqueles que aparentemente assimilaram este discurso soubessem, por exemplo, que em 2010, uma grande maioria da população portuguesa (63%) nada devia aos bancos ou a qualquer instituição financeira[2]. Ou que, quem de facto deve é quem mais rendimentos tem, ou seja, que a dívida média das classes de rendimentos mais altos é cerca do dobro da classe de rendimentos mais baixos e que dívida média da riqueza mais alta é cerca de 6 vezes maior do que a classe de riqueza mais baixa. E ainda que no grupo dos 10% das famílias com maiores rendimentos, quase 58% das famílias eram devedoras, no grupo dos 20% das famílias com menores rendimentos, somente 18% das famílias eram devedoras[3].
Não admira pois que a busca de felicidade, consubstanciada numa pretensa melhoria de qualidade de vida, seja um paradoxo permanente. Uma legítima pretensão, perfeitamente inatingível, para 90% de uma população devastada pelos efeitos destas políticas de miséria. Como pode a grande maioria das pessoas sujeitas a medidas ditatoriais (o termo é este, tão simples quanto isso…) aceitar tal circunstância e ainda por cima dar o seu voto aqueles que os colocaram nesta situação? Só mesmo em estado de bloqueio permanente, uma qualquer alexitimia, que comprime a pessoa e a impede de manifestar, de forma sadia e salutar, o seu ponto de vista, as sua verdadeiras emoções e sentimentos.
Na mesma lógica, os que atacam a Grécia esquecem-se sempre que, quando o fazem, estão a transferir esses ataques para os anteriores governos, chefiados pelos partidários das políticas alinhadas com eles. Mas o que verdadeiramente lhes interessa neste momento é atacar. Para mobilizar trunfos e baterias sobre um governo legítimo, que defende o seu Povo e que faz resistência ao pensamento único e à miserável exploração do capital internacional, prestando também um excelente serviço à política europeia na defesa dos direitos humanos e universais. Quando se diz,”“Não queremos a Grécia fora do euro” significa, por esta ordem, “queremos derrubar o governo do Syriza”, “queremos o Syriza humilhado a morder o pó das suas promessas eleitorais”, “queremos os gregos a sofrerem mais porque votaram errado e têm que ter consequências”[4].
Não será porventura despiciendo nos tempos que correm, aparecer um termo de origem grega, com esta dimensão. A alexitimia pode configurar simplesmente um dos resultados da … opressão.




[1] Psiquiatra e pesquisador grego (1920-2008)
[2] Dados do Relatório Preliminar do Grupo Técnico, da Iniciativa Auditoria Cidadã à Dívida, sob o título “Conhecer a Dívida para Sair da Armadilha”, Lisboa Dezembro 2012
[3] Idem, ibidem
[4] Transcrição da crónica de José Pacheco Pereira, Jornal Público, 20 de Junho 2015

19 junho 2015

A VERDADEIRA CHANTAGEM…

Tristes aqueles que julgam ter o poder na mão,
tão cedo quanto menos esperam, ele lhe irá fugir…”,
Do Livro dos Conselhos

Não que tenham algum valor significativo. Nada aliás de estranhar do comportamento daquele que, na prática e para desgraça de todos nós, é o mais alto dignitário do Estado Português. Aquilo que ele diz, aquilo que sempre disse, desde que este governo miserável entrou em funções, acaba por ser um reforço ou a mais descarada colagem às politicas que têm continuamente desgraçado o País e colocando-o na mira dos mais inconfessados interesses privados e na perca contínua de soberania. Pior era decerto impossível. Mas o homem conseguiu ontem o impensável: insultar um País, os seus legítimos representantes, acusando-os de “chantagem sobre a Europa”!. Como se fosse possível configurar tal cenário, um povo que luta desesperadamente por ultrapassar uma situação de pilhagem contínua, da Europa, do FMI, permitida aliás por sucessivos governos colaboracionistas com uma situação intolerável, que chegou ao ponto, do armamento forçado em 2010[1].
É absolutamente inaceitável que a grande maioria da comunicação social, falada ou escrita, continue “colada” ao pensamento único, passando no dia-a-dia sucessivas informações, que só podem ter como intenção criar um clima de desconfiança generalizada naqueles que governam a Grécia. A forma como são transmitidas essas notícias, a avalanche contínua de declarações dos “responsáveis adultos” das, agora designadas, instituições, têm um efeito devastador na formação de uma opinião pública. Ao mesmo tempo que são repetidas até a exaustão frases como “a bola está agora do lado da Grécia”, “a Grécia não apresentou alternativas as medidas propostas”, “a Grécia não aceita propostas dos credores”, “o FMI e as instituições apresentam novas propostas tendentes a conseguir um acordo”. E, como contraponto, a única (com as variantes mais diversas) sentença para o outro lado, “a Grécia não aceita passar as linhas vermelhas que definiu, nem cortes nas pensões, nem nos salários, nem na desregularão laboral”. Quando se argumenta que um país tem que defender, acima de todo o resto, o seu povo e respeitar a vontade expressa em eleições, a resposta é sistematicamente a mesma, consubstanciada na tese “sim, mas acima de tudo estão os compromissos assumidos, é muito bonito defender medidas com o dinheiro emprestado”. E de novo a mesma narrativa do lado dos credores, da Direita europeia, dos colaboracionistas é repetida por comentadores acéfalos, vendidos ou simplesmente subjugados, mas também (pasme-se!) por pivots de telejornais, que repetem a famigerada tese “…mas não há dinheiro!”.
Acima de tudo é uma questão política. O que os defensores e praticantes do pensamento único não admitem, não podem e não admitem mesmo, é que exista uma voz diferente, falando contra a ideia dominante. Tivera a Grécia, neste momento, um governo colaboracionista, e ver-se-ia exactamente a posição contrária, todos e em força para salvar o País.
Acontece porém que são sistematicamente ignoradas, todas as propostas feitas pelo governo grego às instituições, precisamente porque o que interessa é descredibilizar as pessoas e as entidades gregas. Ora esta é uma outra vertente da desinformação sistemática e que tem a ver com algo que é sempre sensível para a opinião pública, a ideia dos extremismos. O governo grego, pela voz do Sirysa é extremista, tem posições extremistas, prometendo ao povo o impossível, um “conto de fadas”, na opinião de um conhecido “estadista europeu”. Quando se lê, quando se estuda e analisa o conteúdo das propostas gregas, chega-se a conclusão que são propostas sensatas, que qualquer pessoa de bom senso e de boa fé, defenderia perante uma situação de crise, de tragédia humanitária e de pobreza galopante. Atente-se por exemplo nestas 4 propostas apresentadas em Março deste ano, pelo primeiro-ministro grego e que têm como objectivo “…garantir ganhos de receita para o Estado e uma maior eficiência no controlo da despesa pública e combater situações de maior pobreza que se registam actualmente na sociedade grega”:
     . criação de um conselho de finanças públicas;
Uma asserção tem um valor muito especial, agora como sempre na terminologia, essa sim extremista e cega do pensamento único, é “…a Grécia ter de continuar com as reformas”. Sabemos bem, quanto mais não fosse pelo exemplo dos fiéis depositários de tal pensamento em Portugal, o que isso significa: austeridade mais austeridade, cortes nos salários e nas pensões e nos serviços sociais do Estado, privatizações, desvalorização progressiva da contratação colectiva, perca galopante do valor do trabalho. Tudo receitas para empobrecer a grande maioria da população e enriquecer progressivamente uma minoria de privilegiados, dos quais no nosso País, uma maioria imensa vive “pendurada” no próprio Estado, alimentando-se dele enquanto pode.
Todos os dias as notícias nos anunciam sempre e mais desgraças. Ou é mais uma privatização vergonhosa e descaradamente ilegal (pelas próprias normas que a orientam, caso da TAP…), ou mais um aumento dos bens essenciais, um aumento (sempre) dos combustíveis num mercado perfeitamente selvagem e onde está sempre tudo bem para o Regulador, uma progressiva diminuição do poder de compra, sucessivos atentados a uma justiça digna, mais um, sempre mais um escândalo de favorecimento e de corrupção que depois dá em nada. Não há um prenúncio de as coisas melhorarem, a não ser na cabeça das figuras menores e, muitas vezes ridículas e patéticas dos governantes, e que vivem num “limbo” especial, sempre com a mais intolerável arrogância e diletantismo. Temos apenas uma luz que vem do berço da Democracia, um País que se tenta levantar contra a injustiça e a iniquidade, a tentar provar que não pode ser sempre assim, que os povos têm mesmo que se levantar pela sua soberania, pela defesa das pessoas e dos seus direitos, contra as desigualdades, contra as injustiças sociais, pela erradicação da pobreza. Contra todos aqueles que ditam o pensamento único. Contra os colaboracionistas também, aliás muito cuidado com eles, porque utilizam uma linguagem ambígua e propositadamente confusa e que na prática apenas serve para distrair…
Existe hoje uma verdadeira chantagem, que é a única que não existe na Grécia: é a deste governo, desta “coligação”, deste simulacro de Presidente, sobre as pessoas, com o pretexto “nós ou o caos, o desperdício, o retorno, agora que fizemos os sacrifícios e está tudo bem…”. Essa é uma chantagem a que urge responder e essa resposta, embora parecendo mais que óbvia, não encontra ainda reflexo nas projecções de voto.


[1] No meio de uma crise económica, o Governo grego gasta milhares de milhões em armamento”, declara o diário polaco Dziennik Gazeta Prawna, indignado. Em Março, o Governo de George Papandreou assinou um negócio para a compra de dois submarinos à Alemanha, num total de 1,3 mil milhões de euros; e, em Maio, comprometeu-se a comprar navios de guerra e helicópteros à França, no valor de 2,5 mil milhões de euros. De acordo com peritos, concordar com ambas as transacções era uma das condições informais para que a UE e o FMI concedessem à Grécia o pacote de apoios de 110 mil milhões de euros.

11 junho 2015

Contributos Para O Desassossego (2)

A TRISTE APARÊNCIA DA DESGRAÇA

A única coisa que importa é o triunfo do agora.
É a isto que eu chamo a «cegueira da razão»”.
“Outros Cadernos, El Cronista”, José Saramago, 1998


A pobreza confrangedora do discurso combina na perfeição com o personagem triste e vergado ao peso da péssima imagem que tem no País. Sem a mínima possibilidade de elaborar umas palavras que façam a diferença, sempre colado e conivente com a desastrosa política do governo, o homem lá vai repetindo um discurso cansativo, de recorte sistematicamente semelhante, não poupando os que ainda são capazes de o ouvir durante mais de 2 minutos. Para quem fala ele afinal? Para fora, para dentro, para os privilegiados (como ele) dos negócios do BPP, para meia dúzia de reformados de luxo (como ele), para os detentores de refúgios no Algarve, para os banqueiros, para os homens de recorte duvidoso que sempre o acompanharam, para uma minoria social que cada vez mais cresce em dividendos e prebendas? Entretanto que palavras tem para os que sofrem na pele os desmandos da sua clique, para os desempregados que penam dia a dia sem qualquer esperança de encontrar trabalho digno, para os jovens que são o futuro do País e que não vislumbram futuro nenhum, para os seniores que vêem cortadas as sua pensões e têm que sustentar filhos e netos, para uma enorme massa humana que vive no limiar da pobreza? Nada, um completo vazio, tal como a sua personagem entediante. Arautos da desgraça? Que dizer disto, quando o futuro parece ser penalizar sempre e cada vez mais as gerações que vivem do trabalho, cada vez mais precário e indigno? Desgraça é ter um personagem destes num lugar que deveria ser de respeito. Desgraça é ouvir a lengalenga do costume, sempre pautada pelo elogio da injustiça social e da conformidade perante o ataque aos direitos das pessoas. Alguém disse, suprema ironia, que se iria condecorar a si próprio, pois ninguém no futuro será capaz de o fazer. Tendo falhado em toda a linha, vem agora “despedir-se” com mais do mesmo e sem o mínimo sinal de generosidade. Nem para os que nele alguma vez terão confiado o voto. Superior a tudo isso, pairando numa nuvem seca que não é capaz de dar um único pingo, o homem não é capaz de acabar o mandato com dignidade, porque é muito capaz de não conhecer o termo, ou dele ter a imagem distorcida que caracteriza o seu semblante tenso e carregado, capaz apenas de produzir um sentimento: tédio.


Sem ser capaz de dizer em português correcto “cidadãos”, preferindo os “cidadões” que qualquer corrector emenda de imediato. O homem que sempre teve razão triunfa no agora, porque o agora é efémero. Como é porventura limitado na capacidade de análise, contenta-se apenas com isso.

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