26 março 2023

O MORGADO DA ARMADA

 

Nascido nas bandas africanas de Quelimane, o senhor Passaláqua ostenta rigor e autoridade. Tal como os de antigamente, o senhor parece um morgado, até dá “...gosto vê-lo”, “todo empertigado”, para usar a imagem do Niza, quando escreveu a peça “O Senhor Morgado”, em 1971, que daria uma bela canção do Adriano, estávamos já no final da dita primavera marcelista, não tardaria a Revolução. 

E ele (Adriano) cantava “...ai que bem lhe fica // O Chapéu armado e a comenda ao peito // ...que homem tão perfeito.”, coisa que se poderia aplicar hoje ao Passaláqua, fosse a ideia da “perfeição” tão imperfeita para o gosto de quem escreve. 


Antes assim, pelo contrário, o senhor Passaláqua adquiriu o título da República, muito embora, segundo a história os morgadios tenham sido extintos em Portugal no reinado de D. Luís, em 1863. Coisas da monarquia, algumas ainda cá estão. Corria o ano sem graça de 2020, quando o senhor Passaláqua tomou as rédeas do poder máximo contra a covid, lembramos que antes dele estava tudo mal e quando ele entrou passou a estar tudo bem, apesar de ele ser antes o número 2 do dito poder. Mas só um espírito delirante não entende estas coisas. Mas lembramos, entretanto, que era isso mesmo que o senhor pensava, quando puxou para si todos os louros, na entrevista que deu ao New York Times. 

[é uma chatice a gente lembrar-se das coisas...] 


Bem, por aí fora, já com a comenda ao peito, é nomeado então morgado da Armada, tirando de lá o outro, mesmo a contragosto (do outro). Mas era assim que queria o Governo, aliás até queria mais (o Governo), Costa diria até que queria uma "revolução" na Marinha, mais ainda, que até era o almirante que queria assumir essa “revolução”, a saber transformar os oceanos numa "grande causa e missão global". Tantos “querias” são obviamente propositados, imaginem agora que um de nós simplesmente ...queria.

Sabemos, entretanto, o que não queremos, muito embora alguns navegadores de águas turvas e outros navegantes de ocasião querem projectar o Passaláqua para outros voos, ou melhor mergulhos inusitados de outras águas. Se serão profundas o tempo o dirá, melhor que qualquer opinião necessariamente suspeita de quem não ter a melhor apreciação de morgadios e quejandos.


Os episódios recentes do navio NRP podem ter estragado as pretensões do morgado. Mas atenção, a comunicação social tem destas coisas, se umas vezes mata, outras dá vida. A de cá do burgo farta-se de dar voz ao morgado, tantas e tão poucas que ele vai dizendo que nunca se sabe, quando se fala de eleições à porta. Mesmo que não estejam à porta. 

Mas, os tais episódios, pelo menos, revelaram a verdadeira face do senhor. Acusador, com espírito de inquisidor, vai dirigir-se aos seus subordinados, julgando-os na praça pública, convidando a televisão para transmitir o vexame. Assim, o morgado classificou o acto dos 13 militares como uma insubordinação e disse que "jamais poderá ser ignorado e esquecido".

Ora bem, seja o que for que os militares tenham feito, sendo que para tal vai decorrer o respectivo processo, o que “jamais poderá ser ignorado e esquecido" é a atitude, indigna e prepotente, do morgado. 


Na letra do Niza, o morgado “...é temido e amado, fala a toda a gente”, aqui é capaz de ser um bocadinho diferente. A não ser que as pessoas andem a dormir, coisa que às vezes até acontece. Mas as pessoas estão vivas e não vão dormir eternamente. Credo!


 O OBSERVATÓRIO

 

O acto de olhar atentamente para algo, com o propósito de acompanhar, com interesse técnico ou científico, é vulgarmente designado por “observar”. Num sentido substancialmente mais abrangente será chamar a atenção de algo que precisa de uma eventual intervenção, preventiva ou correctiva. A verificação é muito importante, tal como, posteriormente o acompanhamento necessário, que começa na simples constatação e vai até à proposta de medidas consideradas adequadas. A extensão faz todo o sentido, no que diz respeito ao mapeamento de questões e situações, particularmente quando se movem em terrenos de interesse público no âmbito do bem-estar geral dos cidadãos, de uma região ou de um País. Recomenda o mais elementar bom-senso que questões e situações sejam devidamente “observadas”, mapeadas e monitorizadas, até para ajudarem os decisores públicos a tomarem as medidas que melhor correspondam e se apliquem aos casos concretos identificados.

 

Estas considerações vêm a propósito do anúncio da senhora Ministra da Agricultura de um observatório de preços. A medida tem toda a justificação, em face dos aumentos sucessivos de todos os produtos à disposição no mercado, desde os bens alimentares de consumo imediato, até aos combustíveis e telecomunicações, passando pelas casas de habitação e pelas rendas. Mas terá sido nos aumentos de preço dos bens alimentares que a medida foi buscar a sua justificação, até porque coincide no tempo com uma outra medida que tem a ver com a fiscalização ordenada a super e hipermercados. Só que a medida já havia sido anunciada no ano passado e um observatório idêntico já havia sido criado em 2015, com a designação Observatório da Cadeia de Valor, com o reconhecimento que “o desconhecimento sobre a distribuição da margem de valor entre a produção, a indústria e a distribuição e sobre a percentagem da sua apropriação pelos diferentes intervenientes ao longo da cadeia não tem permitido o conhecimento exaustivo sobre o normal funcionamento do mercado”. Agora, este Observatório designa-se Nacional é Sustentável e, recorrendo à publicação de 19 Outubro de 2022, terá como objectivo “contribuir para uma maior transparência em toda a cadeia de valor agroalimentar, acompanhar a sua evolução, e dotar as entidades competentes de um instrumento que permita monitorizar, avaliar e definir melhores políticas públicas nesta matéria”.

 

Há dez anos, o escritor angolano José Eduardo Agualusa, publicou uma obra a que chamou “Teoria Geral do Esquecimento”, cujo enredo reportava a uma mulher que, em Luanda, aquando da guerra civil de 1975, decide isolar-se da sociedade, fechada no seu apartamento, para “esquecer” o terrível conflito. Hoje, o que parece prevalecer no País é um esquecimento global, um alheamento em relação a muitas situações e até, o que pode parecer estranho à primeira vista, uma atitude de complacência geral perante as adversidades, um deixa-andar que obviamente deve ser contrariado. Não podemos, nem devemos, esquecer o terrível e eterno conflito entre os interesses antagónicos que na sociedade existem e que, nos últimos tempos, sob qualquer pretexto, são agravados e representam uma elevada penalização para quem vive do seu salário ou pensão, para não falar daqueles que nem usufruem de uma coisa nem da outra.

E se há algo que não se deve esquecer, ignorar ou menosprezar é a receita neoliberal consubstanciada na tese de que os aumentos de salários provocam uma espiral inflacionária e que tem sido protagonizada, entre outros, por Centeno, Lagarde e pelo BCE. Ela é apenas a imagem do desespero de um sistema económico completamente “perdido” nas suas contradições eternas. Por isso se deve saudar o anúncio de Costa, ontem, na Assembleia da República, relacionado com aumentos de salários da função pública. Bom que não seja apenas mais um anúncio e que se concretize em aumentos significativos, que, na opinião do próprio PM, devem aproximar os salários em Portugal aos do resto da Europa. Não apenas salários, mas também pensões, não apenas na função pública, mas para todos os trabalhadores. Aqui, e sempre, está a capacidade de um governo de responder devidamente e em tempo oportuno a situações imprevistas e a cuidar dos seus concidadãos, como deve ser a primeira das funções de um executivo.

 

Observar e ver os preços a “esvoaçar” faz lembrar os observatórios de pássaros, vemos, mas não os podemos agarrar. O mesmo se pode passar com os preços, vemos e não podemos fazer nada. Para verificar que os preços sobem dia-a-dia não será decerto necessário um observatório, o cidadão sente na pele os aumentos, muitas vezes desmesurados, particularmente se a sua condição for precária ou deficitária.

Dos muitos observatórios e com as mais diversas funções, encontram-se na sociedade global e na academia, exemplos que reflectem a importância da sua existência. Poderíamos eventualmente pensar até em mais alguns. Um observatório para a Habitação, que nos desse informação sobre pormenores importantes como casas devolutas, rendas e preços de casas acima da média, condições concretas de habitabilidade, situação de pobreza energética. Um observatório para a Cultura, onde poderia ser dada a conhecer a situação de muitos grupos de teatro, cinema e música que apostam na divulgação e disseminação culturais, das suas dificuldades e problemas, da eventual falta de apoio para as suas intervenções. Um outro observatório para a Saúde, que desse conta, todos os dias e a toda a hora, da situação do Serviço Nacional de Saúde, uma das conquistas de Abril e que está sempre em cima da mesa precisamente porque é essa a sua função, proteger, cuidar e tratar os cidadãos.

Apenas três exemplos, que se poderiam multiplicar, no ambiente, na justiça, na comunicação social, no desporto, enfim, em todas as actividades sociais e que envolvem uma participação cidadã. A extensão desta ideia levaria provavelmente a um Grande Observatório, chamado governo, a quem compete de facto observar o que se passa, para ser capaz de exercer condignamente a função executiva do Estado. E que não se limite a contemplar situações em que se anuncia e publicita e na realidade tudo fica mais ou menos na mesma, seja porque tardam as medidas concretas, seja porque não existe cabimentação orçamental para as aplicar.

Exige-se, para além da observação, uma compreensão necessária daqueles que exercem poderes públicos. A eles compete, para além da compreensão e percepção, uma atitude, firme e em tempo adequado, de intervenção e que não se compadece com afirmações ligeiras e despropositadas, como a do Ministro da Economia que, interpelado há dias sobre o que fazer quanto aos aumentos de preços, disse “...é o mercado a funcionar”.

O mercado até pode “funcionar”, este ministro assim é que não. 

 


 O LEGADO DE ROMA

 

O estado actual da civilização ocidental é baseado num profundo equívoco, que leva alguns séculos acumulados e que tem hoje um significado especial, em parte devido ao eclodir de um novo século, pleno de retrocessos, no que reporta à degradação das condições de vida da imensa maioria de cidadãos, privados cada vez mais da posse de bens e afundados numa dívida perpétua, resultantes da chamada crise dos sistemas económicos, bem como de uma profunda transformação dos meios de comunicação social, na maior parte das situações propriedade de grandes empresas de comunicação, ao serviço da classe dominante. É, de certa forma, um legado de Roma, que se traduz na herança imperial e profundamente anti-democrática do princípio da dívida que atribui a prioridade absoluta às exigências dos credores e que legitima “...a transferência permanente, aos credores, das propriedades dos devedores inadimplentes”, na opinião do economista e investigador norte-americano Michael Hudson, quando se refere ao facto de todas as nações ocidentais terem herdado da Roma imperial o princípio “sagrado” da dívida.

 

Tal legado, devidamente adaptado à modernidade, foi expurgado da sua componente de realeza e terror, mas sem dúvida integrado no princípio da dominação imperial, que caracteriza as sociedades ocidentais actuais, rendidas a um sistema económico e financeiro que submete os cidadãos à dívida, à guerra e às crises. O Poder nessas sociedades rodeou-se de um intricado mecanismo de “protecção” que se manifesta, nos nossos dias, na informação condicionada e em aparelhos de propaganda altamente sofisticados. Essa “protecção” é o sustentáculo do sistema neoliberal, estádio superior de um capitalismo decadente, agarrado aos últimos recursos que possui. A invocação de Roma, que nunca foi uma Democracia, faz todo o sentido, quer na perspectiva histórica estrita, quer na vertente social e económica, na medida em que as semelhanças são cada vez mais nítidas com a antiga autocracia romana. Uma nova “guerra fria”, na opinião de Hudson, que coloca “...população, os negócios e até os governos em dívida com uma elite oligárquica” e que acontece hoje no Ocidente, na imposição da “...variante moderna desse regime económico baseado na dívida – o capitalismo financeiro neoliberal centrado nos EUA – ao mundo inteiro”. As denominadas democracias ocidentais são hoje, na verdade, verdadeiras oligarquias, que se apropriaram da renda e da terra dos devedores, enquanto promovem a transferência de impostos do trabalho para os negócios. O que predomina hoje na sociedade ocidental é um sistema imperial baseado nos EUA e na NATO, cuja primeira função é endividar os países mais fracos e forçá-los a entregar o controle de suas políticas ao Fundo Monetário Internacional e ao Banco Mundial. 

Hudson diz ainda, num artigo publicado em Agosto de 2022, que “O que não parecia provável há 2500 anos era que uma aristocracia de senhores da guerra conquistaria o mundo ocidental. Ao criar o que se tornou o Império Romano, uma oligarquia assumiu o controle da terra e, mais adiante, do sistema político. Aboliu a autoridade real ou cívica, transferiu a carga fiscal para as classes mais baixas e endividou a população e os negócios.” E conclui o seu raciocínio, constatando uma Nova Guerra Fria, caracterizada pela imposição da “variante moderna desse regime económico baseado na dívida – o capitalismo financeiro neoliberal centrado nos EUA – ao mundo inteiro.” É esta nova aristocracia oligárquica, uma elite privilegiada, que oprime os cidadãos e as nações, a demonstração de poder do “novo” império. 

 

As políticas expansionistas do império não se limitam às fronteiras nacionais. Estendem a sua acção aos chamados países em desenvolvimento, o antigo Terceiro Mundo, os países com economias pouco desenvolvidas, localizados particularmente na América Latina, na África e na Ásia. O expansionismo imperial provoca danos, por vezes irreparáveis, na sua tentativa de dominar, pela força suave do dinheiro e do capital financeiro. A economista e escritora Dambisa Moyo, natural do Zambeze e radicada nos EUA, dedicou grande parte da sua carreira ao estudo do fenómeno da criação de riqueza e da perpetuação da pobreza na designada economia global. Numa das suas obras, publicada em 2010, Dead Aid: Why Aid Is Not Working and How There Is a Better Way for Africa, Dambisa afirma que as grandes quantias doadas por estados ocidentais e organizações como o Banco Mundial perpetuaram a pobreza na África, de forma efectiva. Na verdade, a ajuda externa, consubstanciada em grande parte por programas da designada Cooperação para o Desenvolvimento, gerou verbas elevadíssimas, que não foram investidas em actividades geradoras de empregos economicamente viáveis, tendo ido parar, directa ou indirectamente, aos bolsos de administradores e funcionários corruptos, para além de terem criado um hábito de dependência nos estados clientes africanos.

 

Certamente que sentimos, sempre que ouvimos a grande parte dos comentadores políticos que povoam a comunicação social, uma sensação de que existe uma atitude repetitiva dos mesmos termos, das mesmas “análises”, traduzidas num discurso servil ao poder instalado e eivado de um preconceito ideológico que tem como base o primarismo e a capitulação. Seja por manifesta incapacidade ou falta de preparação, seja porque a maior parte deles está sujeito a critérios burocráticos e de dependência, o certo é que o sector da comunicação social, comumente designado de “jornalismo” é hoje, em todo o mundo ocidental, nomeadamente EUA e UE, para todos os efeitos um “actor político autónomo, dotado das suas próprias prioridades ideológicas”, assim o classificam Serge Halimi e Pierre Rimbert, jornalistas e membros da Direcção do jornal Le Monde Diplomatique. A retórica que hoje domina é conhecida e baseia-se numa premissa falsa. Opor autocracia à democracia é na verdade mais um truque retórico que consiste em tentar ocultar a realidade do esvaziamento de governos e estados da sua verdadeira função social, sabendo que governos fracos permitem que a oligarquia financeira roube as terras e outras propriedades para seu benefício e lucro. O que resulta é que, para o império, uma autocracia é um governo forte que não permite aqueles desmandos e democracia é um governo fraco que os permite e consente. O modo de vida ocidental tão badalado a propósito da guerra, não passa afinal de uma capa falaciosa de traduzir a liberdade do capital para operar segundo as suas próprias necessidades e oportunidades. 

 

Na exacta medida do reforço das ideias avançadas, poderá estar a tendência do carácter de excepção instalado nas sociedades ocidentais. Essa “instalação”, acentuada a partir da crise de 2008, foi tratada sobretudo pelo filósofo italiano Giorgio Agamben, que sustentou a tese do estabelecimento de um estado de excepção permanente, “embrulhado” na ideia de que está apenas a aplicar as regras do direito. O que acontece de facto, é que estando ultrapassadas crises e pandemias, a excepção continua a ser uma espécie de arma secreta do neoliberalismo para impor a dominação em geral, nomeadamente no que reporta à lógica da financeirização da economia, que obriga à disciplina da dívida por um lado, e à culpabilização individual por outro lado, tendo como objectivo central manter o cidadão submisso e agarrado à “culpa” de viver, segundo a norma, acima das suas possibilidades.

A narrativa é conhecida e passa pela argumentação constante e permanente da Direita, baseada na adulteração da realidade. Um excelente exemplo, muito actual, pode ser a reacção dos dirigentes e comentadores a ela associados, aos aumentos descontrolados do preço dos bens essenciais, nomeadamente no ramo alimentar, que, segundo a sua opinião, estão a engordar cada vez mais o Estado. Esta casta privilegiada não está interessada em procurar a causa e a justificação naturais, que são, na verdade, o enriquecimento e a ganância das grandes empresas que, em situações semelhantes, aumentam exponencialmente os seus lucros, no que representa uma política predatória, sem regulação, uma vez que as “democracias liberais” não incluem medidas desse género.

 

Chegou-se hoje a um ponto que ilustra bem a face do império. A notícia desta semana que uma organização e defesa do consumidor terá criado um dossier de apoio, uma espécie de orientação de “como sobreviver” à crise, é significativa para entender o que está parece estar reservado a quem trabalha e não tem meios de resposta às crises do capital: resta-lhe, apenas e só, sobreviver. A tristeza e crueldade da situação deveria fazer pensar e reflectir sobre o que há realmente que fazer para, no mínimo e em primeira instância, destruir o império e acabar de vez com legado de Roma, com a autocracia e a dominação permanentes. 


21 março 2023

 



20 março 2023

 TRIBUTO AO HOMEM E À SUA MÚSICA

 


 

Sábado, 18 de Março de 2023, um Homem sobe ao palco para nos brindar com a sua Música. Não apenas, mas também. Ele que conheceu um tempo em que o tempo era sempre a correr, tantas vidas, tantos sonhos de mudança, tanta matéria de facto, uma ilusão que a luta torna realidade, uma busca eterna da lógica da palavra certa no momento mais oportuno.

É assim Roger Waters, quase 80 anos plenos de energia e vigor militante pelas causas da Liberdade e contra todas as opressões e dominações. Contra a inação, também, como o atesta a forma como começa o Concerto, quando diz que provavelmente estamos todos confortavelmente adormecidos, esquecido o sonho de outrora, “The dream is gone//I have become comfortably numb”, a tristeza de não poder entender o que dizes “Your lips move but I can't hear what you're saying”, talvez porque a distância é grande e os obstáculos são imensos, hoje, num tempo de distopias. E, bem a propósito, quer lembrar Orwell e Huxley, aluno e mestre que sempre nos trouxeram à memória, nas suas obras de denúncia de todas as formas de governo e opressão, neste que mesmo parece o Admirável Mundo Novo do Mestre, onde uma administração zelosa da dominação por todos os meios, manobra os cidadãos, com propaganda e manipulação, através de um rigoroso controle. Quantas semelhanças, mesmo nas diferenças, com o mundo estúpido onde hoje habitamos, para mal do pecado imenso da culpa individual que o Grande Império nos quer transmitir e inculcar.  Que aliás ele mostra em imagens, onde a culpa está perfeitamente identificada, como “ser negro”, “ser palestiniano”, “ser mulher”, “ser pobre”, “ser diverso” e outros "ser".

E o porco esvoaça, transmutando-se em carneiro, ou vice-versa, numa dança permanente, ostentando a verdadeira razão de ser do capitalismo predador, na sua faceta neoliberal “Steal the Poor And Give to the Rich”, o Homem que não hesitou em chamar porcos fascistas a Trump e Bolsonaro, situação que hoje em Israel se aplica que nem uma luva a Netanyahu. A banca que, dentro do Pavilhão, denuncia a ocupação ilegal da Palestina, a que aparentemente ninguém liga, porque a propaganda do Império, responsável número um pela situação, está virada para a “encomenda” do mesmo império, na Ucrânia. Mas o mundo não se esquece da face violenta e brutal do estado de Israel, nem do assassinato de Shireen Abu Akleh, morta no ano passado, com um tiro na cabeça enquanto trabalhava como jornalista em Jenin, são “75 anos de ocupação colonial, de apartheid e opressão, de expropriação e esbulho dos palestinianos”, como se podia ler num folheto distribuído no evento. 

Roger não se esquece do seu Amigo Syd Barrett (Wish You Were Here), a quem o ligaram sonhos e partilhas, onde está a homenagem, chamada Shine On You Crazy Diamond, uma enorme emoção, bem demonstrada na forma como foi interpretada e sentida pela multidão. Roger aliás não esquece todas as formação de opressão e chama-as pelos nomes. Por isso mesmo, lhe tentaram, felizmente em vão, calar a voz, como conseguiram fazer na Polónia, na Alemanha e na França, três dos fiéis caninos de um império em decadência, afinal os pigs que em vez da pocilga preferem esvoaçar por aí, para comer a carne e o sangue da manada, tal como os vampiros de que o Zeca nos falava.


 




 

Se são ou não loucos, nunca o saberemos, mas sabemos que andam por aí. Uns são bons, os outros nem por isso. Quase no final, o Brain Damage vem lembrar que “The lunatic is on the grass // The lunatics are in my hall // The lunatic is in my head…”. E, se nada mais houver a fazer, vamo-nos encontrar no lado escuro de qualquer lua. Até lá, andámos por aí e decerto que nos cruzamos na próxima luta. Que pode ser até mais um concerto destes... 


12 março 2023

 O MAL DO PAÍS


Existe algures, no espaço e no tempo, um sintoma de nostalgia, ou tristeza permanente e que pode ser associado à sensação de estar fora, longe de casa. Franz Liszt traduziu-a muito simplesmente numa peça de rara beleza e de contornos impressionistas, a que chamou “Le mal du pays”, que associava às saudades de casa. A sociedade do século XXI terá eventualmente um entorno que simplesmente não contempla este “mal”, quer devido às circunstâncias de mobilidade permanente, quer pela preocupação com outros “males” de natureza e origem diversas. E se há males que vêm por bem, no entender da sabedoria popular, nem sempre acontece que se justifiquem por si próprios, como necessários, ou mesmo desejados.

 

O propósito de tentar encontrar os males que assolam o País nem é novo, nem faz porventura outro sentido que não seja o de compreender melhor o que se passa à nossa volta, particularmente em momentos de crise, afinal aqueles em que nos vemos confrontados com uma necessidade de encontrar respostas. Onde estão os males e de que forma os podemos identificar? Onde reside a fonte deles e como os devemos debelar? 

 

Um mal do País é a nostalgia da Direita portuguesa, de que a saudade do regresso de Passos Coelho é apenas um episódio. Outros se poderiam elencar no recôndito do baú das recordações que a Direita guarda dos tempos de antanho, de que tem tanta saudade. O homem que foi primeiro-ministro nos tempos da troika e que pretendia ir para além dela, diz que o País não tem um “desígnio”. Que ele possivelmente terá, embora não o revele, porque o mais certo é ser aquele que tinha, o “ir para além...” e que naturalmente não grangeia simpatia, nem rende votos. Tal putativo “desígnio”, convém não esquecer, consubstanciava a culpabilização dos cidadãos, que, para ele e seus apaniguados, viviam acima das possibilidades, uma moralização deveras inaceitável. E que continha uma outra componente, entretanto reeditada, um preconceito ideológico contra os trabalhadores e que se resume na ideia de privatizar tudo para acabar com as greves e, se possível, com os Sindicatos.

A hecatombe da Direita tem, no seu horror ao vazio, uma faceta grotesca, que deriva da falta de líderes credíveis, a nível europeu. No nosso País, a força aparente que lhe advém da representação parlamentar, contrasta com a nulidade de propostas inviáveis e que ostenta na repetição de chavões demagógicos e provocatórios a sua “marca de qualidade”.  Isto aplica-se, embora de forma diferente, aos dois “novos” partidos, que ocupam hoje uma faixa significativa do lado direito da Assembleia, representando as duas caras da Direita, uma convencional, que disputa terreno ao PSD e a outra, de cariz assumidamente anti-sistema, utilizando as “vantagens” daquilo que nega no discurso e na prática. Em ambos os casos, existem sinais evidentes de despovoamento de ideias e de esvaziamento conceptual das mentes que os defendem e animam.

 

A existência de um desígnio tem sentido para a Direita internacional e para os seus apoiantes, quer sejam os naturais, quer os de ocasião. Um dos melhores exemplos é dado por António Costa, que tem manifestado o “seu desígnio”, sempre que lhe convém. Recuando precisamente dois anos, a Março de 2021, lembramos afirmações suas, “...precisamos que os Europeus abracem esse desígnio e o sintam como seu porque são eles, afinal de contas, o seu destinatário final”. Assim o disse, na qualidade de Presidente em exercício do Conselho da União Europeia, no seu discurso na cerimónia da assinatura da Declaração da Conferência sobre o Futuro da Europa, em Bruxelas. Disse ainda que “Temos uma agenda estratégica para o futuro que une as instituições europeias em torno de um desígnio comum: uma Europa mais forte na proteção dos cidadãos e das liberdades, com uma base económica dinâmica, verde, justa e social, e capaz de promover os interesses e valores europeus na cena mundial”. E acrescentou, “precisamos que os Europeus abracem esse desígnio e o sintam como seu porque são eles, afinal de contas, o seu destinatário final”. Este discurso, completamente vazio, é profundamente demagógico e perigoso. A base económica pintada de verde é um fiasco, a sua faceta social é enganosa, falsa e geradora das maiores desigualdades e a sua vertente justa é um sacrilégio, sabendo-se das consequências nefastas do neoliberalismo inspirador, onde impera a ganância e a injustiça social, naquele que é o maior saque da história, a descarada transferência de valor do trabalho para o capital. E, quanto ao “desígnio” de base, estamos entendidos, se há coisa que esta “união” não tem é mesmo uma “agenda estratégica para o futuro”.

 

O País fica com um mal congénito, entre os que dizem que falta o desígnio e aqueles que dizem já o ter. E, o mal do País é muito provavelmente o trauma do desígnio. É ter a saudade de algo, neste caso concreto, a da reactivação de privilégios ou a concessão de outros tantos. Não servem seguramente à maioria dos cidadãos, nem o desígnio dos saudosos do passado, nem a falácia do “paraíso europeísta”. Sabem disto os cidadãos, que, em sacrifício constante e com um magro e por vezes miserável salário, lutam por uma vida digna e sempre contra tudo que lhes é adverso, nomeadamente os aumentos desmesurados do custo dos bens essenciais, das prestações ou rendas das casas, ou dos combustíveis. 

Afinal o desígnio parece ser a luta contra o desígnio dos outros. A sociedade tem no seu seio interesses antagónicos, entre quem detém os meios de produção e quem trabalha, muitas vezes para sobreviver. Não adianta tentar esconder o conflito, por vezes latente e agudo quase sempre, a luta dos trabalhadores é contra o capital.

 

A filosofia do desígnio é uma filosofia de miséria. Recorrendo aos clássicos, lembramos Marx e como ele se opôs à miséria de uma filosofia complacente, que “não compreende nada do desenvolvimento histórico da humanidade”, assim o disse sobre Proudhon, numa carta a Pável Annenkov, de Dezembro de 1846. A sua “Miséria da Filosofia” seria a resposta à obra de Proudhon “O Sistema das contradições económicas ou Filosofia da miséria” e nela se encontram algumas respostas que o tempo não apagou, como quando fala, por exemplo, dos aumentos de preços e da sua relação com as greves. Esta matéria, tão do gosto da casta neo-liberal dominante, versa a teoria de que as greves para pedir aumentos de salários provocam por si mesmas um aumento de preços. A explicação que Marx dá em 1847 é de uma actualidade gritante, ao negar a “evidência” de Proudhon: “...se o preço da todas as coisas dobrar ao mesmo tempo que o salário, não haverá alterações dos preços, haverá mudança apenas nos termos…uma alta geral dos salários produziria uma baixa geral dos lucros e o preço corrente das mercadorias não sofreria alteração alguma”. Por esta hora, a Comissão Europeia anda a culpar os aumentos salariais pelo atraso do alívio da inflação. E a bater na tecla, entretanto gasta, que os aumentos salariais inferiores à inflação, que reduzem o salário real e, por conseguinte, o poder de compra, estão a contribuir para manter ou aumentar os níveis de inflação. Esta, que terá de ser devidamente explicada aos cidadãos, foi causada por problemas nas cadeias de abastecimento e pelo resultado das medidas desastrosas propostas, ainda em uso, em relação à pandemia e à guerra na Ucrânia.

 

Esta “filosofia” está em boa medida a ser derrotada nas ruas. A questão fundamental a equacionar é se a luta consegue debelar o “mal do país”, a tempo suficiente de inverter a situação. Convém recordar o exemplo da Grécia, que em 2015 foi “invadida” pelos suspeitos do costume, que lhe impuseram um regime de terror económico e social, após eleições livres cujo resultado não lhes agradou, um mal terrível que ainda hoje se revela.


ARAME FARPADO, TEORIA E PRÁTICA

 

Este século em que vivemos não pára de nos surpreender, quer com teorias deslaçadas, seja com práticas abstrusas.  Entre muitas e variadas, escolhemos esta, pela curiosidade e espanto e impressionante actualidade. É na Europa, o velho continente que olha para o umbigo e parece ver à sua volta apenas a ameaça do outro, um fenómeno que tem na rejeição a verdadeira substância.

 

A história regista o ano de 1874 como data da patente de um invento que consistia em pontas de ferro enroladas num fio, na verdade a primeira tecnologia de arame capaz de conter o gado. Embora a primeira patente tenha sido outorgada sete anos antes, nos EUA, o mérito da invenção foi para Joseph Glidden, um pequeno proprietário agrícola norte-americano, que acabaria por morrer trinta anos depois, como um dos homens mais ricos do país. Consta que tenha classificado a coisa como “a maior invenção da década”. É a ele que se deve a construção da primeira máquina capaz de o produzir em larga escala.

 

As notícias dão conta de que a Finlândia gastou 380 milhões de euro em arame farpado, ao mesmo tempo que a Bulgária está a construir uma vedação com três metros de altura e arame farpado ao longo da fronteira com a Turquia, para impedir a entrada de imigrantes clandestinos. A Dinamarca manda trabalhar mais um dia, para conseguir pagar custos com a defesa, um vórtice que constitui o centro da paranóia com a defesa, seja lá o que se entenda o conceito de defesa de um país, ou região. 

 

Na verdade, são dois mil quilómetros de arame farpado, que a Europa se propõe montar. A aparente função do dispositivo é para separar pessoas, impedir a passagem. O lado simbólico é muito forte, deixa de ser matéria concreta para se tornar uma ideia, um conceito. O filósofo francês Olivier Razac, um estudioso de Michel Foucault, ao debruçar-se sobre os fenómenos da designada biopolítica e particularmente interessado nos mecanismos de integração e exclusão, publica em 2009, na Flammarion a obra “Histoire Politique du

Barbelé (História Política do Arame Farpado)”. Num artigo de 2013, publicado no Monde Diplomatique, afirma que o arame farpado é, há 140 anos, um símbolo da opressão, que se terá diversificado e assumido assumiu “versões ecológicas”, simbolizando as “metamorfoses do poder”. A sua visão do mecanismo é muito interessante, mostrando que “... a perfeição de um instrumento de exercício do poder não se mede pelo seu refinamento técnico”. É a eficácia que conta e que, nos dias de hoje, assume um refinamento que vai ao ponto de inventar cercas naturais, de plantas com espinhos, mas que até dão flores simpáticas na primavera.

 

A marca é pois, ou parece ser, o impedimento de entrada, a separação de seres humanos, a demarcação evidente de territórios, não por determinantes geográficas, mas sim pela tentativa deliberada de “protecção” de alguns, curiosamente os mais favorecidos por um sistema económico que perdeu definitivamente a vergonha e não hesita em retomar a velha divisa “dividir para reinar”, circunstância que tem conseguido cumprir, de forma brilhante. E esta “união” que foi imposta aos povos da Europa, com promessas de futuro dourado, está dia a dia a mostrar as garras que se afiam, na ameaça à dignidade e à solidariedade, que supostamente eram os seus desígnios iniciais. É mais um sinal que os responsáveis, governantes e funcionários, pouco ou nada aprenderam nas últimas décadas, os simplesmente se recusam a aprender. A prova está na prática política. Recorda-se a proposta de um novo pacto sobre migração e asilo, do ano 2020, que não só não foi aprovado, como viu reduzido ou mesmo anulado o seu efeito, com as iniciativas securitárias da construção de muros e barreiras de arame farpado. O exemplo vem do leste europeu e de países que conhecem bem o significado o resultado prático de muros e barreiras, que remontam nomeadamente ao período da ascensão e domínio nazi.

Entretanto, registam-se, no ano 2022, mais de 330 mil entradas ilegais na EU, um valor que representa um acréscimo de 64% relativamente a 2021, segundo dados do Eurostat.

E constata-se que existe um outo “muro”, sem arame farpado, chamado mar, também faz as suas vítimas, em Itália, em mais um naufrágio, em número superior a uma centena incluindo crianças e mulheres, no passado mês de Fevereiro.

 

A importância da questão em análise é salientada pelo jornalista inglês Timothy Douglas, que é também economista, num artigo de 2017 que denominou muito a propósito “Como o arame farpado mudou a propriedade privada”, notando que no Velho Oeste dos EUA nem os cowboys gostavam dele, mas que marcavam bem a propriedade privada, porque incentivava as pessoas a investirem, um argumento utilizado contra os indígenas, que supostamente, segundo o homem branco, os não sabiam desenvolver e, “naturalmente” perdiam o direito a ele. Conclui Douglas que “...a forma como o arame farpado transformou o Velho Oeste é também a história de como os direitos de propriedade mudaram no mundo.”

 

O filósofo e professor francês Alain Brossat, que escreveu o prefácio do livro de Razac, faz referência à utilização do arame farpado na filmografia do cineasta Fritz Lang, bem como nos filmes que lembram os campos de extermínio nazi e outros realizadores de cinema, como uma “metáfora da violência política” e um “símbolo da crueldade do homem para o homem do século XX”. E, por falar em cinema, assinala-se com muita propriedade a filmografia do realizador francês Tony Gatlif, de etnia cigana e argelina, em que o arame farpado é de certa forma revertido em pautas musicais e cordas de guitarra, a transmutação para matéria artística do símbolo separatista, ou a música a resistir ao mal.



06 março 2023

TAP(a) BURACOS

 

Medina fala.

Medina faz jogo escondido e recusa-se a responder à maior parte das perguntas que lhe fazem.

Medina não estava lá, aliás Galamba também não.

Medina convida para Secretária de Estado uma senhora que agora vai ter agora que devolver uma indemnização, assim ordena o próprio. Embora não estivesse lá

Ninguém sabia de nada, particularmente Medina.

Medina é incompetente e mentiroso, a questão é mesmo essa.

Medina é o Ministro das Finanças do Governo de Costa. 

Apetece dizer de Medina o mesmo que Almada-Negreiros disse do Dantas.
Tanta incompetência!
Tanta arrogância!
Tanta asneira!
PIM!


This page is powered by Blogger. Isn't yours?