28 janeiro 2018

CAPTURA


A noção de captura tem, no espaço mediático, um assentido restrito, que nos transporta para universos bem conhecidos e próprios de sociedades em contínua e sistemática degradação.  Que o é, nas vertentes política, sociológica e cultural. Sentir-se capturado significa hoje em dia, em primeira instância, estar cercado de uma informação medíocre, insidiosa e sem qualquer valor aparente, que não seja o primado do espectáculo e do sensacionalismo.
Configura-se pacífica e despudoradamente, uma estranha figura de estupidez simbólica, caracterizada pela deificação da tecnologia e pela velocidade furiosa, numa voragem contínua de acontecimentos fúteis e mesmo, em determinados casos, perfeitamente inúteis.

Pare-se para ver (e é mesmo necessária alguma coragem para tal), o imenso lixo televisivo, radiofónico, falado e escrito, a propaganda mais perniciosa. Identificam-se, nos dias de hoje, de uma forma muito clara, sinais evidentes de manipulação e industriação de consciências, através da presença de conteúdos sáfaros, naturalmente orientados para sectores da sociedade mais permeáveis e que a "bebem", por vezes de uma forma asfixiante. Depois, o efeito que normalmente se traduz na diabolização de determinadas figuras (públicas) e de situações da vida corrente, que são por sua vez transformados em "sérios problemas", com a capa de promover uma politização, no pior sentido possível, o da banalização de conceitos, ou de um hipotético sentido pragmático, estribado em paradigmas praticistas e conducentes invariavelmente a um raciocínio reducionista e inevitável. É uma espécie de lei da "ordem prática", ou na designação de Kant, uma lei moral que, segundo ele, representava uma lei universal.
E quando os fenómenos estupidificantes se multiplicam, tendem a criar uma cadeia contínua de asserções e conceitos "leves", desprovidos de qualquer sentido crítico. Convém entretanto dizer, que a sucessão de acontecimentos e "incidentes" ligados a considerações de índole afectiva (e consequentemente, moral), não é de forma alguma casual. Significa antes, que é real a tendência para um abaixamento de nível, de análise e discussão, visível particularmente no palco da política. Poderia eventualmente argumentar-se que a "simplificação" de termos e conceitos, conduziria a uma apropriação da coisa pública pela maioria da sociedade, não fora ela o sinal mais evidente de uma brutal banalização. 
Vem a propósito algumas manifestações de estupidez massificada, como é (ou foi) o caso da chamada "supernanny", quiçá um dos exemplos vivos de um populismo pretensamente democrático, mas que não passa de um jogo de índole perigosa e intrusiva. Ainda que recusemos entrar no palco lodoso da mediocridade e da estupidez colectiva, acabamos por ter que abordar questões que nos escapam, mas que afinal nos cercam bem de perto.
Daí então, a captura, uma das componentes da "democracia", dura e ao mesmo tempo leve, com contornos digitais atraentes e contorcionistas. Somos colocados numa situação delicada, entre ter que optar entre alternativas pífias, correndo inclusivamente o risco de sermos considerados verdadeiros aliens.

Poderá ainda ser considerada como prática marginal, defender princípios sólidos e balizados em conceitos definidos, como a luta contra as desigualdades, o fim dos privilégios de meia dúzia de abastados, o fim dos paraísos fiscais, ou simplesmente uma ética republicana. O proclamado fim das ideologias, a "aproximação" entre trabalhadores e patrões, baptizados agora de "colaboradores", o esbatimento das fronteiras entre Esquerda e Direita, são apenas a faceta que quer parecer simpática, sobretudo aos que não conseguem ascender, porque sistematicamente capturados, na escala social.

O ensaísta alemão Hans Enzensberger dizia , "...ainda é cedo demais para fazer alguma coisa, mas já é tarde demais para fazer alguma coisa", mostrando alguma apreensão por fenómenos a que chamou de industrialização da consciência, um "jogo perigoso" (palavras suas) entre o poder estabelecido e os lideres de opinião, intelectuais e artistas, supostamente capturados numa imensa teia de interesses e contradições. 
É particularmente significativa ainda a sua afirmação, precisamente na linha da primeira, num poema publicado em finais dos anos setenta do século passado, "..não somos responsáveis por sermos culpados e somos culpados por não sermos responsáveis".


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