29 setembro 2015
UMA AURA (mais uma) DE ESPERANÇA!(onde se fala de Barcelona e de Miguel de Vasconcelos…)
Mesmo
tendo em conta que não houve maioria de 50% como gostariam, o certo é que tal
não deslustra a notícia da vitória dos independentistas da Catalunha. O certo é
que os dirigentes da Junta tinham afirmado que, caso os independentistas
obtivessem a maioria absoluta no parlamento iniciariam um processo de
negociações com Espanha, com a União Europeia e com os Estados-membros com
vista à independência da Catalunha, no prazo de 18 meses. Essa maioria será
realmente conseguida com os votos e os mandatos da CUP (Candidatura de Unidade
Popular). O silêncio de Rajoy é o silêncio cúmplice e comprometido de Madrid,
bem patente nas declarações, anteriores ao resultado, de Pablo Casado, que
afirmou que, fossem quais fossem os números, tudo ficaria igual..
Pois
bem, está enganado, nada ficará igual. Para já, o seu partido PP, somou mais um
fracasso, a falência da sua desastrosa política de austeridade, bem ao gosto da
“nossa” Direita. A verdade é que o PP, a força no poder em Madrid, conseguiu
eleger apenas 11 deputados para o parlamento regional catalão. Está em causa em
Espanha uma questão nacional, mas também uma questão social. Os possíveis
alinhamentos com a primeira, não podem de forma alguma esquecer (ou
marginalizar) a segunda. Na realidade ambas estão em cima da mesa, numa
dialéctica de ideias e conceitos, que tornam a questão filosófica entre
Esquerda e Direita mais importantes e significativas que nunca. Um projecto de
Esquerda consubstancia obviamente, o direito a uma vida digna, à habitação, e alimentação
adequadas, a uma educação e saúde públicas e de qualidade e a uma segurança
social pública e universal, na verdade a questão nacional autogestionária,
regionalista ou mesmo independentista. A Direita, antes pelo contrário, procura
ocultar a questão social, “mascarando-a” com a questão nacional. Embora seja de
bom-tom ficar atento, o aviso de Engels, "O que aqui e agora é bom, ali e em outro
tempo é mau, e vice-versa", é de ter em consideração, pelo menos no
sentido de que o que achamos justo e razoável em certas circunstâncias se pode
tornar injusto e absurdo em outras diferentes. Por exemplo, apoiar a independência,
como questão nacional, não será o suficiente, sem a exigência de uma ampla
autonomia local e da autonomia provincial para aquelas localidades onde existam
condições particulares de vida e onde haja uma diversificação na composição da
população.
Mas,
para todos efeitos, o resultado das eleições na Catalunha foi uma pedrada no
charco imenso, no pântano do centrão partidário, lá como cá, eivado de toda a
podridão, clientelismo e corrupção. De qualquer forma, foi um rotundo não ao
imobilismo, ao centralismo e á submissão.
Trazer
hoje à memória o longínquo ano de 1640, não é de forma alguma despiciendo. Na altura,
havia a figura odiosa do Miguel de Vasconcelos, Escrivão da Fazenda e Secretário de Estado da Vice-Rainha de Portugal, em nome do Rei Filipe IV de Espanha (Filipe III de
Portugal), que havia obtido da corte de Madrid plenos
poderes para aplicar em Portugal pesados impostos, os quais deram origem à
revolta que incitaria a Revolução. Lembramos que se escondeu num armário, foi
descoberto, baleado e atirado à rua da janela do Paço Real de Lisboa para
o Terreiro do Paço. Aqui e agora, quantas
semelhanças. A única que não condiz é o facto de estarmos em pleno século XXI. Contudo,
ainda existem personagens destas que se subjugam e que ainda querem o voto do
povo. Traidores merecem a morte, mesmo que seja na interpretação metafórica, “consentida”
pela Comissão Nacional de Eleições, uma versão moderna da censura de outros
tempos. Não será hoje e agora a hora da Independência? Trazer à liça a tradição
republicana e laica, significa nos tempos que correm impedi-los de voltar ao
poder.
Eles
já sentem que vão perder. Por muitas cidades e vilas de um País entregue pela
canalha ao dominador estrangeiro, sucedem-se as manifestações que a TV não
mostra. Setúbal, Famalicão e Braga, são apenas alguns exemplos recentes, só
lhes valendo mesmo os fortes dispositivos de segurança que os protegem da ira
das populações. Que tenham medo (tal como o outro) de serem defenestrados. Que esse
medo seja igual ou maior ao que induziram no País, porque vão perder e nem as
sondagens os irão salvar!
24 setembro 2015
UMA LÓGICA PERVERSA
“A libertação total do homem está para além da
libertação económica,
está na sua afirmação plena na vida”
Anónimo, Maio 68 França, recolha
de Daniel
Singer (“Prelude to Revolution”, 1970)
Muito embora nenhum crédito mereça, algumas afirmações
do PM não podem passar em claro, pelo desplante e hipocrisia que revelam. PPC
disse, no debate das rádios (17 de Setembro). Para além do habitual chorrilho
de mentiras que debita, o PM em exercício disse que o País se mobilizou para
resolver os problemas e que as pessoas compreendiam agora bem os sacrifícios
que fizeram. A afirmação contém uma pesada carga demagógica e parece querer
reeditar o ditado popular “Quanto mais me bates, mais gosto de ti”.
Que as pessoas se mobilizaram até é verdade, mas
para resolver os seus próprios problemas, das suas casas, das suas famílias,
dos seus ascendentes e descendentes. A circunstância de terem os salários e as
pensões cortadas, para além de diminuir drasticamente o já baixo rendimento familiar,
provocou uma dose de infelicidade imensa nas pessoas, privadas que foram dos
seus direitos mínimos, atingidas duramente na sua própria dignidade, sujeitas
ainda por cima à vergonha incrível da caridade, protagonizada nomeadamente por
uma conhecida figura da praça mediática. Os empregos destruídos, a imigração
forçada de centenas de milhar de jovens, muitos deles altamente qualificados, todos
os níveis que medem a qualidade de vida a atingirem valores inacreditáveis nas
médias da EU. E, mais uma vez, todo este cenário de pobreza e de miséria, a
contrastar como o acumular sucessivo de grandes fortunas, devido à mais
despudorada e vergonhosa transferência dos rendimentos do trabalho para o
capital. A suprema mentira que o governo cultivou, e ainda cultiva, de que os
chamados sacrifícios foram “distribuídos”. A vergonhosa manipulação dos números
relativos ao emprego/desemprego, para tentar passar a mensagem que a situação
estava a melhorar. O massacre diário contínuo da exaltação das exportações e os
seus prováveis benefícios contrastam com a realidade, pois de facto, apesar do seu
crescimento, “…elas têm-se revelado
insuficientes para pelo menos compensar o gasto pelo país com importações, e
muito menos para dar qualquer contributo para o crescimento económico.”[Rosa, 2015].
A segunda asserção tem a ver com a alegada
compreensão dos portugueses face aos sacrifícios. Do ponto de vista governamental,
os mesmos seriam vistos sob o ponto de vista punitivo. “viveste acima das tuas possibilidades”, logo pagarás os teus
desmandos. A punição é portanto clara, cortar no que é considerado um privilégio,
a saber, no salário que corresponde a retribuição do trabalho, agora cortado às
cegas, para castigar quem “errou”. Mas nem tal seria suficiente, tendo sido
necessário “castigar” ainda mais, com o brutal aumento de impostos da era
Gaspar. E as pensões, cortadas também, quebrando desta forma a lógica de um
direito inalienável para quem trabalhou uma vida inteira. A cegueira ideológica
deste governo atingiria porém, em meados de 2014, aquela que terá constituído a
maior e mais completa ignomínia, aquando dos cortes no complemento solidário de
idosos, que deixou mais de 38 mil pessoas
sem qualquer prestação social. Diga-se entretanto de passagem que a “compreensão”
dos portugueses a estas medidas de miséria, se viu na rua, nas manifestações
partidárias e não-partidárias, organizadas ou espontâneas. Mas não só, se
pensarmos na quantidade de vezes que as pessoas se mobilizaram para “brindar”
as/os membros deste governo, com “recepções” dignas do seu descaramento.
A propaganda de uma
coligação que parece remetida, ou mesmo acantonada, aos seus limites quanto ao
número de apoiantes é, na realidade, um somatório de mentiras, mesclado de uma
visão estreita e comprometida. Tem um lado patético, como seja a da exibição
constante de números em que nem sequer acreditam, bem como o da aposta em “figuras
de estilo” de baixa qualidade intelectual e moral e de duvidosa reputação[1]. Mas tem ainda um lado
trágico, que representa uma manifesta incapacidade de lidar com a situação que
ajudaram a criar na Educação, na Saúde, na Segurança social, na Justiça e finalmente
na gestão ruinosa
traduzida na venda do País a retalho, supostamente para diminuir uma dívida que
não pára de crescer e já ultrapassou os 130% do PIB. Os números apontados para
o valor do défice de 2014 confirmam agora esta lógica perversa.
Os comentadores “oficiais”, quase todos da simpatia
e graça do governo e que ocupam a quase totalidade dos lugares nos espaços de
informação, “dividem-se” para saber o que eventualmente é mais importante nesta
campanha, se apresentar propostas para o futuro, ou se analisar e julgar o
passado. Mais uma vertente da “lógica perversa”. Será que é possível ignorar um
edifício a construir sem ter em conta um cem número de condicionalismos
precisos? Qualquer acto eleitoral significa, antes de tudo o mais, um juízo de
valor sobre a governação em curso, que assim se sujeita ao veredicto popular. Este
governo tem que ser julgado, pelo menos politicamente, pelo que fez (e não fez)
em 4 anos de governação. E a questão que se coloca é, antes de mais, como
poderemos esquecer? Esqueceremos Gaspar e o que significou o tremendo choque
fiscal? Esqueceremos a sua substituta, que deveria antes estar a responder
pelos prejuízos que deixou ao País pelas suas swaps? Esqueceremos o zigzag
permanente do Portas e dos seus submarinos? Esqueceremos os ataques constantes à
Escola pública, com a entrega de concessões e benesses aos colégios privados,
bem como a enorme machadada no Ensino Superior e na investigação, do
inenarrável Crato? Esqueceremos a ministra de uma Justiça que cada vez mais é
um privilégio de classe? Esqueceremos a campanha insidiosa sobre a sustentabilidade
da Segurança Social, no sentido de descredibilizar o sistema e entregá-lo aos
privados? Esqueceremos o apoio dado por Cavaco a tudo isto? Esqueceremos finalmente
a submissão completa deste governo às pressões e chantagens de uma União Europeia,
uma traição à Pátria, consubstanciando o que existe de mais reaccionário e servil
enfeudamento a políticas do estado alemão sem qualquer rasto que pudesse significar
uma qualquer negociação?
Embora a resposta a estas questões possa parecer
clara e evidente, pelo menos para a grande maioria da população, a verdade é
que tal não parece suficiente para arredar do poder este grupelho de fanáticos,
uma minoria que inclusivamente é atacada por destacadas figuras dos 2 partidos
que a apoiam. Pode esta lógica perversa impor os seus desígnios a um Povo e,
ainda por cima, “legitimada” pelo voto? Ninguém deve muito provavelmente ter
uma resposta definitiva. A conjugação de diversos factores e de situações de
contexto, aliados a uma convenção de fortes interesses particulares, pode por
vezes condicionar atitudes e comportamentos e assim induzir o sentido de voto. Muito
embora nos queiram fazer crer, não vivemos mais num sistema democrático, tão-somente
uma pálida imagem de Democracia, onde a própria liberdade é colocada em causa,
pela perda constante de direitos fundamentais. O exercício da Cidadania é
condicionado pelo medo. A dívida oprime, a subjugação é determinada pelo
conceito fútil que a dívida tem que ser totalmente paga, sem que os cidadãos
conheçam verdadeiramente como a dívida é constituída. O serviço da dívida, para
além da opressão que supõe, encerra mais uma lógica perversa. Porventura a mais
perversa de todas, já que determina, ou parece determinar, a subjugação do
País. Analisando as propostas conservadoras dos partidos que dizem constituir o
“arco governativo”, concluímos da inevitabilidade de viver eternamente para
pagar aos bancos e ao sistema financeiro em geral. A pergunta é, se não esquecemos,
vamos pactuar?
Os tais sacrifícios de que fala PPC são de facto
estes, confirmados nas recentes notícias sobre o BES. Como poderemos admitir? Como
ousam ofender os direitos dos cidadãos, em nome de uma lógica perversa em que
nos enredaram? Como ousam propor-nos as mesmas receitas que desbarataram um
País, que em 4 anos regrediu, pelo menos, 13 anos?
Vale a pena ter memória. Vale a pena parar e pensar
um pouco. Ainda vamos a tempo.
Alguém nos diz, tem cuidado!
[1]
Sobre
esta matéria é curioso ler uma entrevista do jornalista britânico Philippe Legrain
ao Bruno Maçães, um dos rostos da propaganda, perfeitamente ao
nível da que fazia António Ferro ao regime fascista, mas sem atingir o nível
daquele (…). Disponível (ainda) em: http://ladroesdebicicletas.blogspot.pt/2015/08/exportar-propaganda-rasca-nao-e-facil.html
23 setembro 2015
Restaurar a DIGNIDADE
A mudança
é uma das características das sociedades. Era-o na antiguidade e é de novo no
presente. Na realidade, “…mesmo quando
tudo parecia parado, existiram movimentos, para muitos imperceptíveis, de
mudança e de pensamento para o futuro” [Rodrigues, 2013]. No
presente muito concreto, pese embora a resistência que tradicionalmente se lhe
opõe, a mudança é agora sentida pela grande maioria das pessoas.
Num
momento particularmente importante da vida das portuguesas e dos portugueses, a
campanha eleitoral em curso para as Eleições de 4 de Outubro 2015 representa
uma oportunidade significativa para afirmar a necessidade e a emergência de uma
mudança. Particularmente afectadas por um conjunto de políticas hostis, as
populações sentem o peso da carga de austeridade a que foram sujeitas, para
liquidar os solver uma dívida que não pára de aumentar, apesar das promessas
que lhes foram feitas no sentido contrário, como forma de explicar que valeriam
a pena os sacrifícios. O certo é que foram só alguns, a grande maioria, a fazer
sacrifícios, enquanto mais uma vez uma pequena maioria ia enriquecendo sobre a
pobreza e a miséria. E o resultado? Segundo dados recentes do INE, registam-se
no nosso País dois milhões de pobres (19,5% da população), com particular
incidência nos mais jovens (entre os menores de 18 anos a pobreza chega a
25,6%). Mas há mais, uma vez que estes dados são parcialmente camuflados pela
redução do nível de vida da população no seu conjunto, porque a “linha da
pobreza” é uma medida estatística definida por 60% da mediana dos rendimentos
de todos, e se estes baixam por causa da recessão, então muitas pessoas deixam
de entrar na classificação mesmo que continuem pobres[1].
Como nos
avisa Edgar Morin, o pensamento
político está reduzido à economia, como se tudo pudesse ser calculado e, desta
forma, parece passar despercebido à elite que se sente como poder instituído de
forma permanente, pese mesmo a alternância habitual, que há vida para além da
“sensibilidade” dos mercados e que bem mais importante seria olhar para a
sensibilidade das pessoas e para o direito que lhes assiste de viver com dignidade
e felicidade. Portugal foi o país que mais cortou nas prestações
sociais. O investigador e professor universitário Carvalho da Silva afirma[2]“O salário médio dos portugueses caiu umas
dezenas de euros e mais de 50% ganham apenas até 8000 euros por ano. Mais de
20% dos trabalhadores dispõem no final do mês de apenas 450 euros líquidos (o
SMN) e há milhares e milhares que ganham muito menos que o salário mínimo…
Nestes quatro anos os portugueses perderam condições de acesso à justiça, à
saúde e à educação, perderam qualificações e capacidades profissionais, em
resultado do desemprego de longa duração e porque a grande maioria dos
trabalhadores qualificados que emigraram não vão regressar. Um estudo de
investigadores da Universidade do Porto, conhecido esta semana, mostra-nos que
perdemos mais de 8 mil milhões de euros com a emigração dos jovens qualificados”.
Num momento em que se tentam mascarar pela via
oficial os números do desemprego em Portugal e na Europa, será necessário
colocar na agenda política novos temas que possam abordar nomeadamente a
questão de um rendimento garantido, que significaria distribuir por todos os
membros da sociedade a riqueza resultante das forças produtivas da sociedade no
seu conjunto. Uma questão de justiça e de democracia, um sinal de confiança das
pessoas nas instituições governamentais, num momento em que, de facto, a
miséria priva as pessoas dos seus direitos fundamentais, naquele que será
porventura o maior retrocesso civilizacional de que há memória, nos tempos recentes.
O
papel das organizações governamentais e das organizações não-governamentais é
diferenciado nas sociedades actuais. O papel das primeiras deriva do papel do
Estado, definidos nos princípios constitucionais de cada país e confere-lhes a
prática e a administração do poder e da justiça. Às segundas compete a promoção
das populações, na sua proximidade natural com as mesmas e com a defesa de
causas e princípios universalmente aceites e inscritos nas convenções e fóruns
internacionais. Pugnando por causas, as organizações
não-governamentais, enquanto organizações da sociedade civil (OSC), defendem a
dignidade da pessoa humana, como principio ético primeiro Este princípio
orientará a defesa de outras causas, como o direito ao trabalho e a um salário
digno, o direito à informação e à justiça, o direito a um serviço nacional de
saúde eficiente e condigno, o direito a um sistema de segurança social que
assegure a solidariedade inter-geracional e o direito a um serviço nacional de
educação gratuito e assente em valores democráticos e inclusivos. As OSC são,
ou deveriam ser, apartidárias. Mas não são de forma alguma apolíticas, como por
vezes é subliminarmente entendido. Antes pelo contrário. A política, a sua
concepção e práticas estarão sempre inscritas em cada intervenção, em todas as
iniciativas, conferindo desta forma às populações o estímulo para o exercício
das políticas, nas suas mais variadas formas. Compete-lhes em última instância
a defesa dos direitos das populações e, naturalmente com um pendor mais determinante,
aquelas franjas da população que são mais desfavorecidas. Mas não lhes compete,
em caso algum, substituir o papel do Estado, que deve ser em última instância,
o garante dos direitos e deveres dos cidadãos.
O direito ao voto não esgota de forma alguma a participação democrática.
Não há, nem nunca houve, qualquer neutralidade em política. “Neutro é quem já
se decidiu pelo mais forte”, afirmava Max
Weber. A realidade demonstra claramente esta tese, nomeadamente no que reporta
aos sectores da comunicação social dependentes e coniventes com o poder dos
grandes grupos económicos que, a pretexto de uma qualquer “neutralidade”,
alinham claramente com o sistema, apostando na sua eternização. “A política passa incessantemente pelo conflito entre
realismo e utopia” [Morin, 1965]. Assumindo esse
conflito, participaremos nas decisões, fazendo valer as nossas utopias. Não
sendo a única arma democrática, nem se esgotando nele a cidadania, o direito ao
voto é inalienável e pode significar e induzir a mudança: pela restauração da
Dignidade.
---
Fontes e Referências:
·
Morin, E. e J. Baudrillard,
(2007), “A Violência do Mundo”, Ed.
Instituto Piaget
·
http://www.jn.pt/opiniao/default.aspx?content_id=4787550
·
http://www.publico.pt/opiniao/jornal/retropia-em-educacao--a-utopia-a-olhar-o-retrovisor-26603032
[1] Adaptado do artigo “Mais oitocentos mil pobres na era da
austeridade e da dívida”, da coluna do Jornal Público “Tudo Menos Economia”, por Bagão Félix, Francisco Louçã e Ricardo
Cabral
[2] Entrevista ao JN de 20 de Fevereiro 2015
10 setembro 2015
O SALTO
Apenas pela razão de nos
fatigarem.”
Vergilio Ferreira
Na
tentativa desesperada de promover um fenómeno telegénico, as três TV que temos
lançaram no ar o Programa. Que as empata, a bem dizer, em termos de share,
desta vez é assim mesmo. O belo Museu, que lembra os tempos em que o edifício
da Central Tejo foi pioneiro no domínio da produção de electricidade, seria o
cenário, assim como neutro, para ilustrar o “fenómeno”. Embora hoje, ou seja no
dia a seguir, um jornalista pergunte “o
que raio estavam os jornalistas a fazer ali?[1]”, o
certo é que, para o bem ou para o mal de todos os nossos pecados, elas e ele
acabam por mostrar ao País a triste mediocridade do jornalismo que se faz por
cá, para além do habitual servilismo que prestam e que alimentam ao arco, chamado
da governação. Pese embora a simpatia que quiseram (elas e ele) demonstrar,
pelo menos ao nível bem pimba do fútil e mau-gosto iminentes. Dado então de
barato que o conteúdo destas cenas interessa pouco a quem vê o ouve, seria no mínimo
sensato colocar algumas questões diversas, que não as costumeiras coscuvilhices
“…vai visitar o Sócrates?”, “…como vai agradecer o apoio do Sócrates?”,
como se o homem fosse algum deus pudibundo de uma qualquer civilização perdida.
Recordando o Fausto, “…e assim se faz Portugal,
uns vão bem e outros mal”[2], apetece
dizer que, após o Programa, tudo ficou na mesma, os que estão bem assim irão
continuar e os que mal estão não terão encontrado motivos para sorrir a Costa e
muito menos a Passos. De qualquer forma, acabamos por ver este absolutamente
cilindardo por Costa, que jogou ao ataque, quer na “posse de bola”, quer ainda
na “organização defensiva”. Até terá sido penoso, sobretudo para quem ainda
acredita na tal “coligação para a frente”, ver o homem andar para trás,
descurando a defesa e “marcando na própria baliza”. E então, o Costa dá o salto
em frente e enterra definitivamente o adversário, convidando-o a debater com o
Sócrates, agora que este está em casa e pode ser visitado.
Então
e as questões da Educação, a tentativa de destruição da Escola pública e a
asfixia do sistema de investigação científica, as sucessivas concessões ao
privado? Bem, quer dizer, hoje não. E a Europa, as dividas soberanas, um tratado
que se diz orçamental e que significa o garrote ao investimento público e
perpetua a dominação alemã? Sim, mas quer dizer, hoje não. E a venda de um País
a retalho, com repetidas irregularidades denunciadas pelo Tribunal de Contas? Talvez,
mas quer dizer, hoje não. E as derrapagens nas PPP, rodoviárias e não só, que
obrigam o Estado a um sistema rentista, uma vassalagem aos privados, sempre a
ganhar mais e mais? É, mas quer dizer, hoje não.
A
denúncia de Costa relativa ao aumento inacreditável da dívida para 130% do PIB,
depois de andarmos 4 anos a pagar para que fosse diminuída, colherá frutos no
eleitorado, apenas porque é feita por quem é? Afinal não verdade que desde 2011
uma imensidão de gente, que não tem voz na comunicação social, dizia e disse
exactamente o mesmo e tal não se traduziu aparentemente nas diversas sondagens
até agora publicadas, salva umas pequenas migalhas? É de facto com alguma
tristeza, “…Ai que tristeza, esta minha
alegria/Ai que alegria, esta tão grande tristeza”[3], que rejubilamos,
apenas por não poder aspirar a mais que não seja a Direita perder a maioria,
ainda que o salto do Costa possa não ser suficiente para atingir os mínimos olímpicos…
Temos
que entender, assim aliás nos querem fazer querer, a suprema missão da
informação dos tempos modernos. Ela nos conduz sempre a bom porto, sem que
precisemos de dar o salto. Porque tal poderia significar que queríamos ir mais
além e tal não convém à formatação que desenharam para nós. Ilustres ou míseros
peões de uma realidade que nos ultrapassa, estaremos sempre “guiados” pelos
media, sempre propriedade criteriosa de grupos económicos ou mesmo financeiros,
os mesmos que de facto governam os Estados.
Para quê portanto dar O
SALTO?
[1] Referência ao comentário do artigo de
Ferreira Fernandes, DN 10 Setembro 2015
[2]
Poema de Fausto Bordalo Dias “Uns Vão Bem
e Outros Mal”, álbum “Madrugada
dos trapeiros”, editado
em 1977
[3]
Extracto do poema “Desfado”, Pedro
Silva Martins, cantado por Ana Moura