21 novembro 2014


O ACORDO


De pé, cabeça baixa e orgulho na sua condição, as mulheres e os homens do bloco central haveriam de selar um compromisso. Importa lá que se diga tudo o que de mau nos vier á cabeça, indigno, infame, ilegítimo, irracional, iníquo, incrível, inapropriado, e outros começados ou não no “i” que inicia termos com os quais a gramática nos delicia, em bom português, sem acordo. Olhamos os céus e vemos disto. Parece que todos os dias alguém se quer aproximar, já o homem de Belém os chamaria, nos seus patéticos apelos de consenso. Mal sonharia decerto que nesta pequena ilha se poderiam encontrar e fazer as delícias hipócritas de uma (com)sensualidade inimaginável. Mas aí está, o karma pelos vistos existe e qualquer que seja o desfecho final, este namoro perdido deu o seu primeiro beijo e foi, foi sim, bonito de se ver, todos perfilhados, respondendo a uma chamada previsível, a qual respondem certinhas e certinhos, a espera de mais prebendas uns dos outros, uma das outras. Porque não chega acabar um mandato e aquilatar-se a um cargo numa empresa pública, num escritório de pro-legisladores, num conselho de administração, numa curadoria, numa fundação ou em qualquer posto ou cargo que seja inventado agora mesmo, simplesmente porque tem que ser por alguém preenchido. Não basta. Mas basta sim que, a 1 ano de terminar o seu mandato, o titular esteja a pensar o que vai ser da sua vida, da pobre da família por quem se sacrificou, do País que fez o sacrifício de o aguentar, enfim da condição de servidor de uma pátria que nunca se põe em causa, a não ser que o renegue.
Nada como estar de acordo em qualquer item, restaurando uma aberração política dos anos 80. Afinal os mesmos que a haviam determinado. Para o resto da vida, bastariam uns singelos 8 anos de serviço público, leia-se de deputado, para ter direito a uma subvenção. Uma tremenda agressão a todos quanto sofrem na pele os desmandos permitidos por politicas vergonhosas, no fundo da responsabilidade daquelas e daquelas que ora se arrogam de um direito que pensam universal, quando será no limite uma simples prenda de jogo, muitas vezes, como se sabe, bem sujo. Acordo sem negociação, ao que parece, já que a mesma nem sequer se coloca pelos visto, dada a “clareza” da matéria em questão. Acordo ou acordos que se abjuram quando se fala de temas em que deveriam acordar. Mas acordados estão para este, uma vez que os outros estão na linha do caça-votos, ora governas tu, ora governo eu, com algumas ligeiras diferenças de metodologia ou de cronograma, que no essencial a coisa vai dar ao mesmo, para que tudo fique na mesma é preciso mudar qualquer coisa.

Conjectura-se que hipoteticamente poderá esta medida desencadear uma onda populista, seja o que isso for, uma vez que ainda ninguém conseguiu definir muito bem a coisa. Ser populista é, para os comentadores do regime, tudo o que lhes foge da alçada, tudo a que seu pensamento restrito produz e decreta. É no fundo uma filosofia que o Guerra Junqueiro classificava como a “filosofia do porco: devorar[1]. “Um regímen corrupto só na corrupção subsiste. Mantém-se na corrupção como alguns bacilos na porcaria…Regímen sinistro, a tua sombra esterilizou o nosso campo. Quebrar-te um ramo ou espezinhar-te um fruto, para quê? Deitarás mais ramos, deitarás mais frutos…[2]. Falar assim, nos tempos de lume brando em que nos querem queimar, é provavelmente populismo. Mas contudo é demasiado real, embora raramente objecto de abordagem. Lemos os clássicos e encontramos por vezes respostas que encaixam, por isso é que são clássicos, porque “…constituem uma riqueza para quem os tenha lido e amado; mas constituem uma riqueza não menor para quem se reserva a sorte de lê-los pela primeira vez nas melhores condições de apreciá-los[3].
Clássica é finalmente a atitude dos dois partidos centrões. Uma atitude que entronca no permanente assalto do aparelho de estado e na perpetuação de influências e congruências, que têm um denominador comum na dominação e na burocracia, que usam em seu benefício, com as leis que continuamente fabricam.

Continuando a seguir o Guerra Junqueiro, sobre o regímen que ele acusava, “…o que é preciso, árvore tenebrosa, é arrancar-te pela raiz e fazer contigo uma fogueira. Depois arearemos o campo, semearemos o trigo…”[4].


[1] Extracto de “O Regímen”, Manifesto escrito em 1899, e divulgado e distribuído a 25 de Novembro desse ano, por ocasião das eleições de deputados do dia seguinte. Foi publicado no dia 26 de Novembro, na 1ª página do Jornal  Voz Pública. O Manifesto está transcrito na íntegra, na obra “Horas de Combate”, de Guerra Junqueiro, edição da Lello & Irmãos, 1978
[2] Idem, ibidem
[3] Extracto da obra “Porquê Ler os Clássicos?”, Italo Calvino, edição Teorema, 1994, cap.1
[4] Idem, 1 e 2.

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