30 junho 2025
A SURPRESA(?)
Escrevo sobre política e estratégia há alguns anos, textos, artigos, crónicas, editoriais, ensaios até. Este texto será muito provavelmente o mais difícil que me atrevo a publicar. Que seja entendido como desabafo, possivelmente um lamento, na surpresa com interrogação que o leva da distância da pena à lonjura de uma reflexão. Que pretende talvez atingir algumas consciências preocupadas, obviamente insubmissas, perturbadas com o que se passa à nossa volta e sempre com aquela vontade de intervir, enquanto cidadãos que cultivando uma melancolia consciente e assumida (a visão de Walter Benjamin) e que sabem que ela poderá ser capaz de projectar a tensão entre o luto e a acção revolucionária.
É neste contexto que vos falo sobre a candidatura de António Filipe, ontem anunciada. O Cidadão António Filipe Gaião Rodrigues, é um jurista, professor universitário e político português, com uma longa trajectória parlamentar e de compromisso com os valores do 25 de Abril. É Doutor em Direito Constitucional e Mestre em Ciência Política, Cidadania e Governação. É um Membro destacado do Partido Comunista Português (PCP). Iniciou a sua carreira política na Juventude Comunista Portuguesa (JCP), deputado à Assembleia da República, na Coligação Democrática Unitária (CDU), de 1989 a 2022 e novamente entre 2024 e 2025, representando os círculos eleitorais de Lisboa (1987-2005) e Santarém (2009-2022). Foi Vice-Presidente da Assembleia da República em cinco legislaturas (2005-2009, 2011-2015, 2019-2022). É, desde 1990, Membro da Direcção do Grupo Parlamentar do PCP. É, na perspectiva de Paulo Raimundo, Secretário-Geral do PCP, um cidadão com “seriedade, capacidade de diálogo e prestígio”, a que acrescento um respeito imenso que lhe reconhecem inúmeros políticos da Esquerda e também de alguns sectores da Direita tradicional.
Devo confessar que a apresentação do António Filipe me tira um peso enorme de consciência. Afinal, tenho um candidato em que posso votar, na pessoa e no Cidadão que admiro e respeito e que é um exemplo de político com dignidade.
Só que tal não me é suficiente. Vejamos, a candidatura, embora sendo apresentada como uma resposta à necessidade de um representante da esquerda que defenda os anseios dos “trabalhadores, democratas e jovens”, num contexto de ascensão da extrema-direita, expressões que anotei das diversas notícias a propósito. Todavia, anoto também que o PCP rejeita a possibilidade de retirar a candidatura para apoiar um candidato único da esquerda, enfatizando que a decisão cabe ao povo. E, é aqui que começa a minha preocupação. Na verdade, a candidatura do Cidadão respeitável, não é a candidatura do Cidadão, mas sim a candidatura do PCP. Nada tendo a objectar e tenho que objectar tudo, perdoada me seja a utilização do truque de linguagem, que a nossa língua nos permite. Navegando em águas revoltas, pretensamente dominadas (ao que consta) pela figura preserva que conhecemos e por mais dois ou três representantes da burguesia dominante, impunha-se quiçá um grau de pensamento, análise e decisão superiores. Daí, a hipótese de poder convergir numa personalidade com uma postura diferenciada, longe da pose institucional e com uma atitude e um comportamento de ruptura, capazes de mobilizar os descontentes, injuriados e fragilizados (os proletários) da sociedade de casino em que se tornou o capitalismo predador. A estatura de uma figura agregadora da insatisfação, não reside apenas na aparência, ou pendor panfletário, mas, acima de tudo, num “comum” (termo no qual reside provavelmente a recusa do institucional) que tomasse como sua a iniciativa de levantar do chão os outros “comuns”, dispersos ou organizados, levando-os (elevando-os?) à categoria de cidadãos activos e participantes da grande tarefa de construir a sociedade sem amos, necessária e urgente.
A natural questão que se coloca, perante este tipo de questões: mas então o António Filipe não poderá, pela elevação que possui da nobre arte da política e da cidadania, ser o tal personagem? Não querendo fornecer uma resposta definitiva (não existe aliás esse tipo de resposta), poderei quando muito sustentar, sim e não, ao mesmo tempo. E mesmo sem (querer) entrar na dialéctica dos opostos, não posso deixar de dizer que, muito provavelmente a resposta “correcta” poderá ser encontrada na tensão entre os opostos, que se integram numa perspectiva mais ampla. Ensaiemos então o eventual paradoxo, como ferramenta para explorar (pelo menos) o tempo e a realidade. Sim, uma vez que parece reunir algumas das características atrás enunciadas. Não, porque se trata de uma candidatura que se encerra em si mesma e não parece ser capaz de dar o salto “comum”, essencial e necessário.
A não linearidade do tempo, mesmo no espaço que conhecemos, poderá reservar-nos alguma SURPRESA?
25 junho 2025
BALÕES
O céu cheio de balões, numa noite de festa popular. O balão etéreo, festivo e cheio de cores, sobe balão sobe, nem sabes onde irás parar, mas enfim. É (será mesmo?) o paradigma da esperança, de todas as esperanças, a ascensão social, sempre querida e estimada, dos discursos institucionais, contrastando com a “subida para baixo”, atentatória da física tradicional e das leis da terra que temos, sempre com os amos à espreita para sugar mais e mais. Mas assim é, a esperança nunca morre, dizem, mesmo que já definhe no leito das desesperanças, morte assistida, sem direito a retorno, mesmo para quem creia em tal desiderato. O balão é a alegria do momento, “tentação a experimentar”, como diria o Variações, se ainda variasse por aí, na sua postura simples, provocatória e rica de conteúdo. O balão é uma forma de estar, um princípio e um fim ao mesmo tempo, que “venho do fundo do tempo, não tenho tempo a perder” e “a vida é água a correr”, como nos ensinou o grande Poeta Gedeão, para quem a pedra era filosofal. O balão é redondo, como o vocábulo do Zeca, a quem fica cometida a tarefa dura de pensar e resistir. O balão que sobe no céu, com palmas cá de baixo, não resiste a proclamar a justiça de ser redondo, forma que se sabe da nossa esfericidade que mais ninguém (senão ele) viria a equacionar, não fosse a cantiga a tal arma de quem trabalha, como proclamou o Zé Mário.
Quando nos colocamos na teoria balonística de quem sobe e não sabe se (e quando) desce, adiantamos, desde já, uma hipótese deveras “colaboracionista”, que entronca na sua liberdade, condicionada a tudo que lhe está subjacente. Mães e Pais endividados vêm a subida do balão, até que um carro surge no alto da colina e desce destrambelhado, atropelando o trânsito na contramão da vida, que tão bem foi tratada pelo Chico, provavelmente no maior dos hinos à libertação, “tijolo com tijolo num desenho mágico”, a construir a sua fortaleza, uma casa que não possui e que deveria ser o tão propalado refúgio, o seu “terreno” e “conforto”. Subir a construção já era, hoje apenas a cantiga faz jus à “colaboração” com a vida que nos sujeitaram a levar. Por mais que a tristeza doa, por mais que passem as horas a fio dentro de si, o certo mesmo é que o balão vai subir e não vai deixar mais que um registo inábil de quem não possuí mais do que a si mesmo e para quem o balão é apenas uma trégua, o ar que respiram pode estar tão poluído como no Alentejo da nova paisagem contemplativa de painéis solares.
Então, o balão desce (quando desce) e conta-nos como foi possível uma subida e uma queda rápidas, como se o lapso de tempo se esvaísse em segundos, tal a voragem implacável da subida vertiginosa e da descida iminente. A luta pela vida é o balão que sobe e desce, numa interminável estória de sucessos e insucessos, uma volatilidade que não é senão um reflexo de uma vida de altos e baixos, onde parece que só lhe conhecemos os segundos.
O balão rebenta, ao subir, esta talvez a lição mais sábia da filosofia dos balões. Foi, assim nos contou o Fausto, “...um sonho lindo, quase acabado / lembra-me um céu aberto, outro fechado”. O céu da minha infância tinha mais cores e mais balões. Hoje, balões há muitos, como os chapéus, a sina terrível é que parece que estamos cá apenas para os apanhar, antes que o céu nos caia em cima da cabeça. Um dos balões que rebenta contém um programa imenso de reversões que vão desde a perseguição a pessoas, a restrições à Liberdade, passando pela menorização da Cultura e da Arte. Coisas de fascistas, que querem rebentar todos os balões, sinónimos de utopias que renegam e abjuram, porque apenas conhecem o medo como arma para calar e subjugar.
Pois que os balões lhes rebentem nas trombas. Bem o merecem.
17 junho 2025
A “BOA FÉ”