08 julho 2024

E QUE VIVA A INSUBMISSÃO!



 Situando as coisas, atentemos no triplo verdadeiro significado de “insubmissão”: rebeldia, desobediência, insubordinação.

O viva à insubmissão faz hoje, 8 Julho 2024, todo o sentido, não apenas pela vitória da coligação de Esquerda em França, mas também pelo facto de o Partido maioritário da Nova Frente Popular ser o “França Insubmissa”, de Mélenchon. E ainda pela recusa ao conformismo burguês, que apostava na continuidade, tivesse ela a face macroniana, ou a penista da extrema-direita.

A comunicação social burguesa montou um espectáculo favorável, sobretudo quando apostou, como sempre o faz, em falsas premissas, baseadas na tese perversa que, na Europa, as pessoas cansadas de políticas adversas à sua condição e aos seus direitos, querem apostar em qualquer “coisa diferente”. A perversidade está precisamente no facto de a “tal coisa” ser a extrema-direita, que nada tem para oferecer, a não ser mais miséria (Itália...), mais desigualdade, mais discriminação, mais ódio. Na verdade, o catastrofismo que apregoam é secundado caninamente pelos comentadores do regime, que promoveram e promovem a extrema-direita que dizem combater, que normalizaram as agremiações fascistas, nazis e xenófobas, equiparando-as à uma “extrema-esquerda” que apenas existe na sua limitada imaginação. E, para cúmulo, nas suas teses lerdas e limitadas que contribuem, nos tempos que correm, para a estupidificação colectiva, a principal marca do “venturoso” século XXI.

Claro que há “mas”. Há sempre um “mas” para tudo. Mas (lá está) quando se tenta mascarar a vitória da Esquerda, com afirmações néscias, como “a derrota da extrema-direita não é assim tão má, porque afinal aumentaram o número de votos...”, “o partido de Macron afinal não foi derrotado como o previsto...”, ou “as Esquerdas dificilmente se vão entender...”, chega-se ao delírio máximo do desvario. Aliás, não foi a comunicação social burguesa, através do mecanismo perverso das sondagens, que mais “orientou” para a “inevitabilidade” da ascensão e presumível vitória da extrema-direita? Os “mas” que agora se devem colocar nada têm a ver com a lógica burguesa que, ao distorcer por completo a ideia de democracia, afirmam hoje que “isto” é apenas um intervalo, o que interessa agora são as presidenciais. 

Entretanto, atente-se neste delicioso pormenor: a questão parece ser sempre o personagem (mulher ou homem), a sua pertinência, ou resiliência, sinónimos de um poder fátuo. A verdadeira questão é o sistema, um sistema económico e financeiro que promove diária e permanentemente, desigualdades e injustiças. Precisamente na França, onde hoje há quem não tenha dinheiro para comer, para comprar remédios, ou para ter uma habitação decente, tal foi a fúria neoliberal que se abateu sobre os trabalhadores.

Para os comentadores e para os acólitos jornalistas que os promovem e incentivam o que interessa é mesmo (como sempre aconteceu) desviar atenções para a “personagem”, ocultando o essencial. Ao apostarem no catastrofismo patente, exemplificado em tiradas destas, "desastre para a economia, tragédia na imigração...” ou “vitória da Esquerda é uma verdadeira derrocada para a Europa”, estão a promover quem as profere. Ao procederem desta forma são cúmplices do capital e merecem o repúdio generalizado. A sua falta de credibilidade é, não só, fruto da sua incompetência, mas sobretudo sinal da sua ligação fatal aos interesses do dinheiro. Acordarão num monte de esterco no dia em que os trabalhadores acordarem e tomarem o Poder.

 

Fica, para reflexão, a crítica ao “sistema democrático”, que o Ocidente (e particularmente a Europa) promove e quer impor como único e o melhor para o “nosso modo de vida”. Tal é particularmente sensível a quem, por absoluta impossibilidade, não conhece outro. O que querem dizer quando falam no “reforço da democracia”, ou no “aprofundamento do espaço democrático na Europa”, quando vemos, multiplicados todos os dias sinais de restrições à Liberdade de expressão, gastos sumptuosos de dinheiro para promover e instigar a guerra, imigrantes despojados e atirados ao mar, populações marginalizadas caso não alinhem pelos tais “valores”, cidadãos cada vez mais pobres e sem acesso aos bens essenciais?

A EU vai mesmo conviver mal com a vitória da Esquerda em França. Vai obviamente engolir um sapo do tamanho do seu ego. Esta “união”, que dá palmadinhas nas costas a nazis declarados e a fascistas encapotados, precisa mesmo é de uma insubmissão generalizada, que promova o Conhecimento e que active o melhor do ser humano, para a destruição do sistema que o oprime e o impede de pensar. Bento de Jesus Caraça, disse, nos anos trinta do século passado, “Um pensamento que não passe à acção ou é aborto ou é traição”. Saibamos ler, nas palavras deste Ilustre português, o necessário (hoje, doloroso) apelo à acção.

E que viva a INSUBMISSÃO!


15 junho 2024

 OSLO, “FAROL DE LIBERDADE”?

 

Acordo hoje com a notícia e um programa especial de promoção da Rádio TSF, sobre o “Fórum de Liberdade de Oslo” (Oslo Freedom Forum- OFF), que ora se inicia.

Por terras de Cabo-Verde, onde me encontro, o assunto é completamente estranho e não admira. Tal evento parece apenas ser notícia na Europa, nos EUA e no auto-designado “mundo livre”, que, como é sabido, agrupa as ditas “sociedades desenvolvidas” e que incarnam o espírito do Ocidente, de supremacia branca e convencido que a sua influência é global e que o resto do Mundo lhe tem que prestar vassalagem. Pior, que a imensa maioria do resto do Mundo representa para eles uma ameaça existencial, precisamente porque não partilham os “valores ocidentais”, tidos em absoluto, como “livres” e “democráticos”.

 

Para a organização do dito evento, o grande objectivo é juntar, uma vez mais, “os combatentes pela liberdade e as iniciativas humanitárias em oposição aos regimes autoritários em todo o mundo”. Curiosamente (ou não) o programa da TSF dá voz exclusivamente, aos “combatentes” contra Putin, contra a China e contra todos os gravitam na auréola do império norte-americano e que não vêm mais nada que a “liberdade” do neoliberalismo, que naturalmente dita do alto do seu poder quem é, ou não, “democrático” e “livre”. Um dos mentores (e chefe máximo) deste evento é o bem conhecido “mestre” Garry Kasparov, que do xadrez passou para a política, ressabiado com o Partido Comunista Russo, fundador de uma outra organização política e pretenso candidato à Presidência, mas que não conseguiu reunir no seu País qualquer interesse, embora tenha sido promovido no Ocidente, tal como aconteceu com o “encantador” Alexei Navalny, que considerava os muçulmanos como baratas e que defendia o seu extermínio. Também muito naturalmente, viria a culpar Putin, pelo seu fracasso. Na sua obra, "O Inimigo que Vem do Frio", Kasparov inclui um subtítulo, na edição inglesa, muito significativo, "Why Vladimir Putin and the enemies of the free world must be stopped" (“Por que é que Vladimir Putin e os inimigos do Mundo Livre têm de ser travados”). Como tudo isto fica bem, ao gosto ocidental.

Resta apontar que o OFF é uma conferência anual apoiada, segundo informação da organização, “por várias instituições que concedem doacções na Escandinávia e nos Estados Unidos através do Human Rights Foundation (HRF)”, sendo que a HRF se auto-classifica como “organização sem fins lucrativos que se concentra na promoção e protecção dos direitos humanos a nível mundial, com ênfase no que designa por “sociedades fechadas”.

 

Por falar nisso, por oposição e bem ironicamente, existirão as “sociedade abertas”. E são estas que ignoraram quase completamente o Fórum Económico Internacional de São Petesburgo (SPIEF), realizado de 5 a 8 de Junho. Nesta sua 27ª edição, o SPIEF contou com a presença de mais de 21 mil participantes provenientes de 139 países, tendo como tema central “um mundo multipolar para construir um novo ponto de crescimento”. Esta é curiosamente uma verdadeira Maioria Global, com BRICS (Brasil, Rússia, India, China e África do Sul), SCO (Organização de Cooperação de Xangai), EAEU (União Económica Euroasiática), CSTO (Organização do Tratado de Segurança Colectiva), CICA (Centro de Informação sobre Contaminação de Ar), União Africana, NAM (Movimento dos Não-Alinhados), entre outros. Aliás, poderá até dizer-se que a maior parte da comunicação social do Ocidente-Sociedade Aberta ocultou simplesmente (para não utilizar um termo mais forte) a realização do SPIEF.

 

Diante da maior farsa dos últimos tempos a que deram o nome de “conferência de paz”, os fantoches ocidentais que promovem a estupidificação colectiva, perante a indiferença cúmplice de tanta “gente conceituada”, também parecem ignorar a declaração da Federação Russa, que diz claramente “Assim que Kiev anunciar a retirada de todos os territórios de DNR, LNR, regiões de Kherson e Zaporozhie e prometer não ingressar na OTAN, Moscovo dará a ordem para cessar-fogo e iniciar negociações”. A verdade, nua e crua, é que a Ucrânia, (ou melhor, o seu presidente) e o Ocidente não querem paz alguma, mas simplesmente a guerra contínua, que massacra primeiramente o povo da Ucrânia e depois os trabalhadores ocidentais, que sofrem as privações e que, em última instância e contra a sua vontade, financiam a guerra. 

 

Como bem afirma o filósofo português Viriato Soromenho Marquesem artigo publicado no Jornal Diário de Notícias, no passado 10 de Junho 2024, “O neoliberalismo e a sua teologia de mercado intoxicaram a construção europeia, desde logo na incompetente arquitectura da Zona Euro, e depois na passividade cúmplice face à subida aguda da desigualdade e da pobreza nos países europeus”. 

 

A estratégia que influencia o dito OFF é a mesma que suporta o neoliberalismo, vive e alimenta-se dele, contra a grande maioria (os 99%). Como têm tudo à disposição, dinheiro, armas, exércitos e propaganda, enganam e escravizam os 1% de todas as formas possíveis.

 

Por favor, estejam atentos e não se deixem enganar!

25 maio 2024

SOBRE A CAPACIDADE DE APRENDIZAGEM

 

Provavelmente uma das maiores janelas de lucidez do ser humano, enquanto pensante e crítico de si e dos outros, é, sem sombra de dúvida, a capacidade de aprendizagem. Diz-se, do ponto de vista pedagógico, que pouco ou nada se ensina a um adulto, se este não mostrar alguma apetência e vontade para aprender. A vontade de aprender e de melhorar o seu estatuto social é uma determinante do ser livre e será meio caminho andado para a efectivação das transformações sociais que o libertem do jugo castrador, particularmente nas sociedades ditas avançadas, onde o “avanço” parece ser apenas no sentido da intensificação da propaganda e da castração mental.

 

Isto a propósito de uma sessão de campanha promovida ontem pela Cooperativa do Povo Portuense, respeitadíssima Entidade da Cidade do Porto e de que sou Membro. Por mais gratificante que tenha sido a ideia de juntar numa sessão, alguns Candidatos, o facto de se tratar de um debate sem direito à participação do público, acabou por constituir um factor de perturbação, ilustrado na circunstância de apenas ter havido uma pergunta de dois participantes e mesmo assim, com a condicionante de ter de ser “uma questão concreta e nunca um comentário”.

 

A sessão serviu essencialmente para mostrar a falta de capacidade da Direita para aprender alguma coisa. A Direita não quer aprender. A Direita não sabe aprender. A Direita embarca, faz parte dela, na onda reaccionária que perpassa nas sociedades ocidentais, convencidas de uma irritante superioridade moral, suportada na falsificação histórica e na ideia que existe uma democracia, baseada na “prosperidade” e na “liberdade”, como se estas asserções consistissem em si algo de concreto e sustentado. A Direita está na crista da onda e dedica-se à “nobre” tarefa de decidir, por exemplo, quem deve concorrer a este acto eleitoral. Deve, ou deveria, como foi claramente afirmado pelo representante da AD, “a estas eleições só deveria concorrer quem é europeísta”. Sendo que são naturalmente eles (os adês) quem decide quem é e quem não é, seja lá o isso for (ser “europeísta”). 

Ficou claramente demonstrado que apenas a Esquerda se preocupa com os reais problemas dos cidadãos. Que foram elencados e devidamente apresentados, perante a impotência (é este o termo preciso) da Direita, que apenas reagiu a tal, com ignorância e impreparação. E com provocações, como foi o caso do representante da IL. A incompetência da Direita ficou patente, de forma evidente, nas questões europeias e nacionais. A Direita tem somente a linguagem de glorificação do Império e do sistema neoliberal, que afunda cada vez mais os trabalhadores e os obriga a prestar vassalagem ao Capital, à banca e ao domínio imperial, do qual a dita “união europeia” é um servil vassalo e quer tornar os cidadãos dependentes, por vezes escravos, das benesses que vão sobrando e com as quais deveremos todos ficar contentes e felizes.

E o que não deixa de ser confrangedor é a posição do Partido, dito Socialista, que enche a boca com os valores de Abril e depois alinha completamente com as teses neoliberais e as práticas de enfeudamento total às directivas da “união”. Na sua incapacidade de aprender, demonstra assim como se verga perante o Capital. A sua postura centrista e “moderada” é aliás a prova sempre evidente de como a “moderação” é apenas um sinal de capitulação.

 

A capacidade de aprendizagem dos organizadores ficou também posta à prova. Não basta a pretensa boa-vontade da organização, nem muito menos servirá de desculpa para uma “moderação” fraca, impreparada e desequilibrada, sob todos os pontos de vista. Quando assim é, e foi na verdade o que aconteceu, a coisa descamba para uma direcção dos trabalhos musculada, por vezes eivada de falta de respeito e de educação. 

A capacidade de aprendizagem é muito mais bonita que o respeitinho...


20 maio 2024

SOMOS NÓS OS TEUS CANTORES (*)

 

Quando escreveu este tema, no ano de 1971, Zeca não poderia vaticinar o que hoje se passa na Palestina.  A Primavera tem monstros e canalhas e o rei vai nu. Mas nós cantamos, porque é preciso lembrar que não podemos esquecer. Hoje cantámos pela Paz, amanhã estaremos na rua, todos os dias se necessário for, para manifestar repúdio pela ocupação israelita e contra o genocídio do povo palestiniano.

 

Diz o Poema do Zeca para te livrares do medo “...Que bem cedo/Há-de o Sol queimar” e avisa, “E tu camarada/Põe-te em guarda/Que te vão matar”, vaticinando os sinais de desgraça que correm num mundo sem vergonha, que apoia, ou no mínimo, consente o terrorismo da ocupação e do genocídio. 

Nos últimos dias, soubemos que  são mais de 35 mil palestinianos assassinados por Israel em Gaza e na Cisjordânia, vítimas dos violentos e constantes ataques das forças de Israel, na maioria, mulheres e crianças. E que Israel matou 31 pessoas no campo de refugiados de Nuseirat, consequência da intensificação dos ataques aéreos e terrestres em Gaza. E ainda que a ocupação israelita cometeu 9 massacres contra famílias na Faixa de Gaza, causando 83 mortes e 105 feridos, entre 17 e 19 de Maio. E que, na semana passada, colonos israelitas armados atacaram um pastor palestiniano e roubaram várias das suas ovelhas na região de Masafer Yatta, localizada a sul de Hebron, na Cisjordânia ocupada. E também que um grupo de colonos armados atacou pastores na área de Hreiba Al-Nabi, em Masafer Yatta, pilhando e matando. E que dezenas de colonos cercaram uma casa na aldeia palestina de Bayt Sakarya, localizada ao sul de Belém, na Cisjordânia ocupada, segundo fontes locais e forçaram Abu Sawi a deixar a sua casa, mas acabaram por ser confrontados pelos habitantes locais e forçados a sair. 

Tudo isto em apenas 2 dias.

 

Entretanto, a resistência intensifica-se.   Em Bruxelas, estudantes da Universidade mudaram o nome de una sala para "Jabalia Hall", em solidariedade com o campo de refugiados de Jabalia, perante os ataques constantes das forças israelitas. As notícias dos mais variados países dão conta de manifestações e outras realizações que denunciam a ocupação e o genocídio, enquanto os seus dirigentes, burocratas comprometidos com o imperialismo norte-americano, fingem não saber de nada e, nalguns casos, ainda aplaudem, como por exemplo, no Reino Unido, apesar dos 800 mil que desfilaram em Londres a 11 de Novembro de 2023, onde as manifestações a favor do cessar-fogo, são qualificadas como “marchas do ódio”. Ou o caso do governo de Portugal, onde o Ministro dos Negócios Estrangeiros e o próprio PM estão mais preocupados com os acordos que S. Tomé e Príncipe terá assinado com a Rússia...

A situação sanitária em Gaza agrava-se de dia para dia, perante a complacência internacional.  Existe uma enorme carência de medicamentos e material médico, para prestar serviços de emergência e cuidados primários em hospitais. A Agência de Obras Públicas e de Socorro das Nações Unidas para os refugiados de Palestina disse que mais de 630 mil pessoas foram obrigadas a fugir de Rafah desde que começou a ofensiva militar de Israel, nomeadamente desde 6 de Maio.

 

Se quem canta seu mal espanta e se a cantiga é uma arma, então que sirva, como no Concerto da Paz, para difundir o repúdio e a indignação. Não é possível admitir que hoje, em França, seja considerado perigoso exibir o lenço palestiniano, ou apenas apelar à Paz, sem ser visto como apoiante do Hamas. Mas, ao mesmo tempo, para promover uma sólida educação para a Paz. Divulgando e disseminando a canção do Zeca “Venha a maré cheia/Duma ideia/Pra nos empurrar/Só um pensamento/No momento/Pra nos despertar".

Assim, poderemos gritar bem alto “Somos nós os teus cantores”: Ergue-te ó Sol de verão/Da matinal canção/Ouvem-se já os rumores/Ouvem-se já os clamores/Ouvem-se já os tambores

 

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(*) Referências expressas ao tema de Zeca Afonso “Coro da Primavera”, do Albúm “Cantigas do Maio” (1971)

 

 


09 maio 2024

A ESPIGA DA EUROPA NÃO DÁ PÃO



 

Associado a uma simbologia pagã, apropriada, como tantas outras, pela igreja católica, está um antigo ritual ligado à fertilidade e à abundância, que convoca à celebração do tradicional Dia da Espiga. Tradicionalmente, este dia era considerado como um verdadeiro dia santo, em que não se devia trabalhar e que estava reservado para as pessoas e suas famílias fazerem um passeio matinal pelos campos para colherem espigas e um ramo de flores silvestres, aprimorado com oliveira e alecrim.  Ainda existem aldeias portuguesas que celebram este dia, que antes havia sido feriado nacional. Acima de todas as crenças estará a consagração da Primavera e da natureza no seu esplendor. No plano prático encontramos similitude da espiga com o pão, essencial para o sustento.

 

Não se sabe o que o acaso nos pode mostrar, em celebrações como esta. Porque hoje também se celebra o Dia da Europa. Segundo consta do site da UE, o 9 de Maio serve “...para festejar a paz e a unidade do continente europeu”. E mais diz que a data “assinala o aniversário da histórica “Declaração Schuman”, que expôs a visão de Robert Schuman de uma nova forma de cooperação política na Europa, que tornaria impensável uma guerra entre os países europeus.”

Daquilo que sabemos do “projecto” de convergência e de união entre os povos, que teria estado na base da “construção europeia”, pode ser hoje motivo de chacota ler o que ficou atrás citado. Isso e mais a tremenda lavagem ao cérebro dos cidadãos feita pelas agências de informação ao serviço do capitalismo neoliberal, para os levarem a acreditar que há um projecto em seu apoio e ao seu bem-estar. O que vemos é a extensão dos privilégios aos senhores do dinheiro e expansão militar, ao serviço da empresas de armamento e da imposição de um regime colonial aos países da periferia. E o cúmulo de tudo isto é a Europa ser a face do mais profundo desrespeito aos desalojados e despojados, com políticas vergonhosas de discriminação e de humilhação aos chamados não-europeus, plantados em campos de refugiados, por força de políticas atentatórias dos direitos humanos. Uma Europa subjugada ao imperialismo americano, chefiada por um directório não-eleito e com um parlamento esvaziado de sentido e de poder, à mercê de burocratas e oportunistas, com uma linguagem e uma atitude destituídas de sentido humanitário, tendo como único propósito enganar, mentir, desprezar a cultura e reescrever a História. Com milhões e milhões que nunca faltam quando se trata de semear a guerra e a destruição, tentando (e conseguindo...) convencer os cidadãos de que estamos a “defender os valores do ocidente e da civilização”.

O actual primeiro-ministro português, na sua “simplicidade” de raciocínio e no seu conhecido primarismo, disse hoje uma verdade terrível: os portugueses deveriam sentir-se “contribuintes da UE”. Não cidadãos, mas sim “contribuintes”. Como que a preparar o terreno para o grande objectivo desta união desastrosa que é a Europa do século XXI:  o “contribuinte” deve ser “convidado” a “investir na defesa”, ir o mais longe possível na consagração de uma percentagem de 2% para tal desiderato.  Esse é primeiro objectivo, pois temos que nos defender dos russos, que vêm por aí abaixo para anexar o continente. Por mais estúpida que seja a ideia, a verdade é que ela parece prevalecer e é nela que querem que acreditemos.

 

Celebremos então o dia da espiga, com “jarros e perpétuos amores” e “pássaros estúpidos a esvoaçar”, como na canção do Reininho, onde se adora “...o campo, as árvores e as flores” e “todos os bichos do mato”. Mas, na celebração, não nos esqueçamos que esta Europa é uma farsa e uma mentira completa, onde “não há pão, não há sossego”, como na canção do Zeca. Onde o pão para quem precisa é sempre mitigado.

Ao “celebrar” o que querem que celebremos, demos contrapor que a espiga da Europa não dá pão.


05 maio 2024

UMA NOITE DE TERROR NO PORTO

 



 















A noite e a madrugada de 4 de Maio marcam o terror para os imigrantes do Bonfim, barbaramente agredidos por uma horda fascista e racista, na Cidade. São covardes que atentam contra a vida e os direitos humanos, indignos e indigentes, que apenas têm na cabeça excrementos da sua existência miserável. 

Quando encapuzados forçam a entrada em casa de emigrantes e os agridem com paus e sabe lá com que mais, como conta a reportagem do jornal Público, estamos perante (mais) um caso de violência intolerável, provocada por energúmenos que não merecem a Liberdade e que não são capazes de conviver com a diferença e com a tolerância. É absolutamente inadmissível que as polícias apenas consigam dizer que vão investigar, quando se conhece bem esta linguagem, que tolera e permite comportamentos daqueles. Aliás, diga-se de passagem, que as polícias estão quase sempre do lado dos agressores, basta ver a forma como reprimem as pessoas diferentes, nas suas manifestações pacíficas. E já agora, a forma como toleram, no seu seio, verdadeiros racistas e fascistas.

Quem conhece e lida com este tipo de gente, que nem merece que isso lhe chamem, sabe bem que estão dispostos a tudo, mesmo a matar. Querem e ostentam, no seu discurso e actos, a “limpeza”, que não é mais que, pura e simplesmente, sinónimo de eliminação.

Segundo o relato do Jornal, os cidadãos emigrantes fogem assustados pelo telhado e provocam barulho e estragos que alguém se apressa a perguntar “quem paga os prejuízos?”, aparentemente uma lamúria que encobre o sentimento racista e xenófobo de quem acha que “eles” estão a mais e que “...deveriam ir para a sua terra”. Alguém, na sua infinita estupidez, diz não acreditar que a casa tenha sido invadida sem motivo, “...alguma coisa devem ter feito”, a costumeira lengalenga de quem apenas pensa em si próprio e não faz a mínima ideia do que é uma sociedade solidária.

Ao dizermos que tudo isto tem que terminar, como o faz o Presidente da República, salientando que “...a violência racial e a xenofobia não têm lugar na sociedade portuguesa” deveria passar das palavras aos actos e pugnar pela igualdade de tratamento, numa sociedade profundamente desigual. Ao condenar “...veementemente, em meu nome pessoal e do Governo português, os ataques racistas desta noite...”, Montenegro diz exprimir solidariedade “...com as vítimas e reafirmo tolerância zero ao ódio e violência xenófoba”. E não deixa de elogiar “...o trabalho das nossas forças de segurança”. Aqui deve dizer-se, com toda a frontalidade, que aquelas forças são as mesmas a quem se deve atribuir a enorme responsabilidade de nada fazer, na maior parte dos casos, e noutros, de incentivar o “trabalho” dos nazis e racistas.

O principal e verdadeiro problema, é que as políticas que os “responsáveis” defendem e praticam, promovem e semeiam a injustiça e a desigualdade. 

E o medo de ser ... apenas um cidadão.


02 maio 2024

UM PRIMEIRO DE MAIO VERMELHO! 



Este sim.

Após "tantos anos a viver pela calada", ou simplesmente subjugados à ditadura mediática, eis que a rua de repente é invadida e ocupada por quem trabalha e luta, muitas vezes, pela sobrevivência. 

Assim foi no 25 de Abril, assim foi no 1º de Maio. A cor vermelha passou à frente do cinzentismo do Poder. Uma ofensiva necessária? Sim, porque estar à defesa significa recuar sempre, permitindo aos vampiros que continuem a comer tudo e a não deixar nada, alimentando-se do “sangue fresco da manada”. Sim, vampiros, como por exemplo a EDP e as grandes superfícies, Pingo Doce, Auchan, Sonae, Minipreço, Lidl. São estes que, ao mesmo tempo vêem o governo da Direita a baixarem os impostos, obrigam os trabalhadores a trabalharem Sábados, Domingos e feriados, muitas vezes sem receberem a dita “compensação”.

É disto que devemos falar, nomeadamente. Como é possível que se permita às grandes superfícies e hipermercados estarem abertas no Dia do Trabalhador?

A nova forma de escravatura passa (também) por aqui. Há que denunciar, há que impedir a tirania do Capital. É completamente falso que a abertura dos gigantes do mercado favoreça alguém. O que é verdade é que, pela obrigação forçada do trabalho aos fins de semana, se instalou o medo e a submissão. E que é também verdade é que, se andarem por esse mundo, encontram poucos, muito poucos, exemplos como o nosso, onde a parvoíce de ir fazer compras aos Domingos pegou de estaca, em prejuízo dos trabalhadores, cada vez mais explorados.  

Acordem, venham para a rua, o lugar onde a Esquerda deve estar permanentemente, na insubmissão que a deve regular e onde os poderes normalmente acabam sempre por cair.

E que viva o 1º de Maio e a luta internacionalista dos trabalhadores!


14 abril 2024

ABSTENÇÃO FATAL

 

A prova provada da negação existencial.

A líder parlamentar Alexandra Leitão afirma: “O PS, através do seu secretário-geral, já tinha dito que nesta primeira fase não iria bloquear o início de funções do Governo e portanto irá viabilizar o Programa do Governo, abstendo-se nas moções de rejeição",

O Partido Socialista abstém-se depois de criticar "violentamente" o programa do Governo. 

O Partido Socialista abstém-se e vai ”deixar trabalhar” o Governo da Direita.

O Partido Socialista vota, na prática, contra a Esquerda que, muito naturalmente, não pode deixar passar medidas prejudiciais, em alguns casos fatais, aos trabalhadores.

Pedro Nuno Santos (PNS) dá a machadada final na maioria dos eleitores que nele confiaram um voto, quer de convicção, quer de "crença" de que o PS defendesse os seus legítimos interesses.

PNS iludiu alguma Esquerda, provavelmente convencida que desta vez é que ia ser.

Ao abster-se, PNS deu a entender que, não só daria a mão a Montenegro, como ainda caucionaria medidas, ainda que avulsas, do governo da Direita.

Ao abster-se, PNS violenta toda a Esquerda. É uma traição à Esquerda.  É, mais uma vez, a traição aos trabalhadores.

Que será que PNS vê de positivo neste Governo? Provavelmente a continuidade das políticas vergonhosas de submissão à NATO e à UE, protagonizadas por Cravinho e que vão ser continuadas por Rangel? A obsessão com a "defesa", cujas verbas superaram as da Habitação, em 2023? 

Se assim for, vai muito bem este PS...

Quando precisávamos de um não rotundo à Direita, temos um "nim", que aliás é uma das "virtudes" do PS.

Mas PNS veio dizer que as medidas do Governo relativas aos impostos são “um choque de desfaçatez e de embuste”. Então em que ficamos?

O PS desirmanou-se da Esquerda e continua a caucionar a agenda neoliberal e fica agora amarrado à Direita. 

O PS não sabe o que fazer e, como não sabe, acaba preso à sua própria retórica que lhe valeu a perda de 40 deputados e uma quebra percentual de 14%.

Para onde vai este PS???


 O PARTIDO SOCIALISTA É A MULETA DA DIREITA

O Partido Socialista prepara-se para “deixar passar” o programa de governo da Direita. Aliás, essa atitude é por aquela interpretada como um “apoio” ao seu programa. Ou seja, se não vota contra é porque nos apoia. Muito bem.

Que razões podem levar o PS para tomar esta atitude, quando até o seu Secretário-Geral zurze de cima a baixo (e bem) no dito programa?

O que fica no final são as palavras de Pedo Nuno Santos (PNS) e que constam da última parte da sua primeira intervenção, logo após a apresentação feita por Luís Montenegro (LM): pode contar connosco para defender o estado social, pode contar connosco para defender a europa e pode contar também connosco nas questões da defesa. 

Mais ou menos isto.

Já agora, parece que a abstenção do PS, admite e cauciona as propostas de política fiscal vergonhosas e desastrosas do PPD/PSD-CDS, que quer baixar impostos às fortunas e às grandes empresas.

Não, não é um pesadelo. O PS vai proporcionar, por via da sua abstenção, que a Direita cumpra o seu programa. E o mais ridículo é que o PS parece acreditar no “não-é-não” de LM e na sua verborreia direitista. Que ficou bem comprovada na “cerimónia” do logotipo e do apoio, mais ou menos declarado, ao repugnante livro de “uma vintena de beatos grisalhos que fez um tratado pela família tradicional”, como bem afirmou a Ana Matos Fernandes, mais conhecida como Capicua

O PS prova uma vez mais, se necessário fora, que está ao lado do Capital e que, mais uma vez, se preparar para trair os trabalhadores, trair as suas causas e os seus interesses. 

Nada que nos admire, ponto.

Esta seria, repito seria, uma óptima oportunidade para PNS provar que é um homem de Esquerda. A atitude que vai tomar, ou que vai proporcionar, deita por terra o seu próprio património.

Depois de ter aberto a porta à extrema-direita, com as suas medidas demagógicas e que promoveram o descontentamento e a desilusão dos trabalhadores, o PS vai agora dar a mão à Direita.

O PS é mesmo a muleta da Direita!


04 abril 2024

 NATO - 75 ANOS DE AGRESSÃO À LIBERDADE

 

Foi assinado em 4 de Abril de 1949, o chamado Tratado do Atlântico Norte. Foi apresentado como um “acordo de sistema de defesa coletiva, em que os 12 estados-membros fundadores (onde se incluía Portugal) se comprometeram com a defesa mútua em resposta a ataques externos”. É curiosa a forma como a NATO se vê a si própria. No seu site internet, diz-se que a “segurança no nosso quotidiano é fundamental para o nosso bem-estar” e que o seu objectivo “passa por garantir a liberdade e segurança dos seus membros através de meios políticos e militares.” Diz-se ainda que a NATO “promove valores democráticos e promove entre os seus membros a consulta e a cooperação em matérias relacionadas com a defesa e segurança com vista a resolver problemas, desenvolver confiança e, a longo prazo, evitar conflitos.” E finalmente “A NATO está empenhada na resolução pacífica de litígios...”.

 

Não deixa de ser surpreendente este fraseado. Não há (nunca houve, aliás) necessidade em poupar adjectivos sobre este Tratado, pérfido e mentiroso A NATO mostrou, logo na sua fundação, ao que vinha, apesar da retórica. As suas sucessivas intervenções, em todo o Mundo são a face visível de um instrumento de guerra, em defesa, não de nada em concreto que não seja a do imperialismo americano e da agressão indiscriminada, para impor a lei e a ordem de um império que, só mesmo pela força das armas, se mantém. Mas as intervenções militares da NATO estão plenas de crimes, muitas têm sido as denúncias, que nunca chegam a ser provadas, apenas porque quem os julga está ao serviço de quem os comete.

 

Não deixa também e ser curioso o facto de quando se faz um pesquisa relacionada com a NATO, apenas consta a verborreia armamentista e a defesa da guerra, sempre focalizada nos interesses americanos e dos designados “aliados” ocidentais. É muito difícil, por exemplo, encontrar relatórios e outra documentação fiável sobre os crimes da NATO. Ou mesmo sobre uma provável “legitimidade” de algumas das intervenções. Diz a NATO que, “Com o fim da Guerra Fria, a Aliança assumiu novas tarefas fundamentais, incluindo a formação de parcerias de segurança com várias democracias da Europa, do Cáucaso e da Ásia Central. Em resposta às mudanças no ambiente de segurança geral, a Aliança assumiu novas responsabilidades. Estas incluem o enfrentar tanto a instabilidade provocada por conflitos regionais e étnicos na Europa como ameaças com origem fora da área euro-atlântica". Traduzindo para português corrente, encontramos a realidade dos factos. As “parcerias de segurança” significaram na prática, as alianças para agressão da Bósnia e Herzegovina, para a desastrada e criminosa intervenção no Kosovo, para as guerras, de agressão gratuita, provocadas no Afeganistão, Iraque e Líbia. E ainda, todas as intervenções na América Latina e do Sul, sempre contra os movimentos de libertação e de defesa dos trabalhadores. A retórica do “...enfrentar tanto a instabilidade provocada por conflitos regionais e étnicos na Europa como ameaças com origem fora da área euro-atlântica”, traduz-se basicamente no primeiro objectivo estratégico americano em provocar a Rússia, cercada desde há duas décadas, por exércitos à sua porta, que a acabaram por levar a invadir a Ucrânia, um acto simplesmente indefensável, todavia provocado por uma ameaça real.

 

Para a NATO impõe-se hoje, em pleno século XXI, “...enfrentar de forma activa os novos desafios da segurança do século, como os representados pelo terrorismo internacional e a proliferação das armas de destruição maciça.”. Na verdade, sabe-se o que isto quer dizer, estando ainda por encontrar as tais armas, que os algozes referiam existir, para justificar a invasão e destruição do Iraque. Na verdade, a posição imperialista que representou a expansão da NATO para o Leste, baseou-se numa premissa sem qualquer sentido, a saber, a velha tese que defende que a Rússia iria tentar uma invasão imperial para toda a Europa não é mais que a ideia anti-comunista dos anos de ferro, como se o regime actual russo tivesse algum coisa a ver com a União Soviética dos primeiros anos da Revolução. Atente-se mais uma vez nos factos: a dissolução do Pacto de Varsóvia, em 1991, deveria ter sido acompanhada pela dissolução da NATO, mas o que se passou foi precisamente o contrário, a NATO cavalgou para todo o lado.

 

E aqui reside a questão principal, que é, sem qualquer espécie de dúvida, a falsificação completa da História, para afinal legitimar o reforço e alargamento de um bloco político-militar agressivo, impulsionar a corrida aos armamentos e a estratégia de confrontação e de guerra. Aliás, as sucessivas “crises” do capitalismo, particularmente na sua versão neoliberal necessitam sobretudo de confrontação e de guerra, para justificar o fracasso do sistema. Essa natureza implica o ataque a todas as tentativas de libertação dos povos do jugo colonial, por todo o Mundo. A NATO, os imperialistas norte-americanos e todos os seus lacaios, particularmente ingleses e os “aliados” da designada “união europeia”, representam hoje o perigo número um, à escala mundial: a agressão indiscriminada a tudo o que seja considerado lesivo dos interesses do dinheiro e da finança. E, a esse propósito, o Secretário-Geral da NATO, afirmou, em 2022, no relatório final da convenção realizada em Madrid, que “...as ambições e políticas coercivas da China desafiam os nossos interesses, segurança e valores”. Que “nossos” interesses? Precisamente, os interesses dos EUA e, por arrastamento, os da dita “união europeia”, que é melhor exemplo de dedicação canina ao patrão americano. Na sua última obra publicada, o Coronel Matos Gomes, afirma que a NATO não é aliança alguma, mas sim uma poderosa empresa multinacional americana, com delegações e agências na Europa, o que confere a esta o estatuto de colónia americana.

 

Recordamos os tempos da Revolução, no ano em que comemoramos os 50 anos de Abril. Aí se reclamou, desde o início, o fim da NATO e que esta ficasse fora de Portugal. A única atitude decente que se impõe, seguindo o rasto de sangue que aquela organização tem deixado por toda a parte, é voltar a levantar a voz contra a guerra, contra o imperialismo e pela Paz. Que ela possa ser construída aqui na Europa e em todo o mundo, denunciando os crimes da NATO e pugnando pela colaboração pacífica entre os Estados, com base nos princípios da Liberdade, Igualdade e Fraternidade.


18 março 2024

O MELHOR ATAQUE É A DEFESA

 

Pois, no jargão futebolístico, a asserção é dita às avessas.

No futebol, parte-se do princípio que, ao ataque, a equipa terá mais probabilidades de se defender, mesmo que tenha menos força, poderá marcar um golo fortuito e atrapalhar o adversário.

Na arena política, onde o relvado é altamente flutuante e, tal como no estádio, por vezes escorregadio, parece que jogar permanentemente ao ataque, gastando e exaurindo todos os recursos ao mesmo tempo, significa esmagar e destruir o adversário. Veja-se o caso da Faixa de Gaza, onde o atacante e ocupante antigo só não conseguiu destruir completamente os palestinianos, porque existe uma resistência feroz de quem apenas tem paus e pedras para combater o inimigo. 

Hoje, na política, parece prevalecer a tal questão existencial, uma invenção da ultra-direita, desgraçadamente generalizada.

 

A propósito de “defesa nacional” se fez hoje mais um fórum da TSF, onde o mais interessante foi constatar que os “representantes” do Partido Socialista e do partido racista, xenófobo e neo-fascista disseram, sobre a matéria, praticamente o mesmo. A ideia abstrusa de que a guerra é uma “causa” da Ucrânia e de todos os europeus (consequentemente de todos os portugueses) pela liberdade e pela democracia, esbarra todos os dias na realidade concreta. Na verdade, a causa é a guerra pela guerra, que traz um sacrifício imenso aos cidadãos europeus, particularmente aos trabalhadores, para pagar (de todas as formas) o desvario armamentista e imperialista americano e dos joguetes paus-mandados europeus.

Se dermos o exemplo das munições da França que custam 6 mil euro e foram vendidas por 190 mil, talvez tenhamos a resposta adequada.

Se atentarmos à manipulação grosseira do Ocidente, que quer mascarar a realidade da ideia da dominação económica e mental com a mentira generalizada do que é esta guerra, começada e activada pelo Ocidente e que quis, durante 2 décadas, cercar e intimidar a Rússia, promovendo as mais descaradas iniciativas de armar, do lado de cá, até aos dentes, as suas fronteiras, talvez encontremos hoje as verdadeiras razões do estado actual. 

Se conseguirmos, dentro da ameaça e prática de uma política de cancelamento de tudo quanto é russo, da notícia ao comentário, na arte e no desporto, até à perseguição e intimidação de quem simplesmente quer alertar para a dúvida, temos a resposta exacta ao que significa o exercício do livre pensamento.

 

Na Rússia, onde foram conhecidos os resultados das eleições, não vimos qualquer referência aos números, a não ser para dizer que Putin venceu de forma ilegal, que o reforço do voto electrónico serviu para manipular resultados (fantástico!), que não houve controle e fiscalização, etc... Sabemos que a verdadeira e válida fiscalização tem que ser a do Ocidente, nomeadamente a dos EUA, que nem sequer conseguem controlar os seus actos eleitorais (sabe-se, mas faz-se de conta, por estas alturas...). Já agora, aqui ficam, após aturada pesquisa, os números: Putin (Rússia Unida), com 87,32%, Kharitonov (Partido Comunista), com 4,32%, Dvankov (Novas Pessoas), com 3,79% e Slutsky (Partido Liberal), com 3,19%. 

 

Saber hoje se a Rússia deveria ter invadido a Ucrânia, para nada interessa. Claro que foi um acto de agressão, claro que não deveria ter acontecido. O que importa é saber quem são os verdadeiros culpados e parece não haver dúvidas quanto aos altos interesses que ditaram e causaram e provocaram o acto em si. O imperialismo americano, a NATO e os “amigos” do Ocidente são os culpados, tal como o foram (e são) em todo o mundo moderno, durante o século XX e neste século XXI. Nem vale a pena citar, os exemplos são bem conhecidos e, particularmente nos Balcãs, onde ainda hoje se sentem os efeitos da destruição e da mentira da NATO e dos “aliados”.

 

A defesa deve ter um acréscimo no orçamento de Estado para, pelo menos, um percentual de 2%? Pois claro que sim, defende toda a Direita. E aqui não há qualquer distinção, para um campo alargado que vai desde o Partido, dito Socialista ao extremo da Direita. É um peso imenso, alicerçado na manipulação grosseira e na submissão abjecta. Um ouvinte do fórum TSF diria, em linguagem muito simples, que deveria investir-se na defesa, sim, na defesa contra incêndios e outras catástrofes, na defesa, sim, das pessoas e dos seus parcos bens. 

 

Mas, como é evidente, nada disso interessa, quando estamos perante mais uma ofensiva dos senhores da guerra e dos grandes interesses do Capital, sempre contra os trabalhadores. E mais, para que sejam aqueles a pagar os desmandos de todas as guerras inúteis, para os quais a vida humana conta mesmo quase nada. Os Macrons e os Cravinhos, os Bidens e os Sunaks, algozes que mais parecem bestas de um circo romano, querem-nos convencer que os russos vêm por aí abaixo, invadir e ocupar a Europa do nosso descontentamento. Era assim mesmo que os fascistas de Salazar falavam, em Portugal, é bom que ninguém se esqueça disso.

 

Esteja que estiver à frente da Rússia. Hoje é Putin, um personagem nada simpático, que representa um poder capitalista, igual a tantos outros. Outro qualquer que lá estivesse, daria o mesmo efeito, tão forte que é a vontade de destruir um País, que é afinal um País europeu.

Esta Europa incapaz e burra de tanta incompetência, nem sequer tenta levantar uma dúvida, empanturrada em tanta certeza idiota e em tanta mentira. E na famigerada supremacia, é bom que se diga. A russofobia tem os dias contados? Não sabemos. O que sabemos é que é exactamente igual a tantas outras que por aí andam, com muito ódio à mistura e com muita intolerância ao que não é branco e “puro”.

Triste tempo este.

 


11 março 2024

A DERROTA DA VITÓRIA (Que força é essa?)

Estranho dia.

Há 49 anos, o Spínola tentaria um Golpe, fugindo depois para Espanha, quando viu que não tinha hipótese, tendo causado mesmo assim alguns estragos.

Ontem, a noite haveria de produzir também estragos significativos no panorama conservador do espectro partidário em Portugal. Um partido, cujo capataz é o “homem das limpezas”, iria arrecadar o quádruplo dos votos, e consequentemente, do número de deputados. 

A campanha que as sondagens levaram a cabo para proporcionar uma “vitória” à ex-defunta AD, acabaria por mostrar, uma vez mais, para que serve “sondar”, quando na verdade o que se está a fazer é influenciar e condicionar o voto. Todavia, o erro não é casual e inscreve-se na desesperada tentativa de abrir o caminho à Direita, que ela sozinha não era capaz de fazer. A ridícula manifestação de “vitória”, que, de Pirro passaria a “tangencial”, imitando de forma pífia o futebolês, iria dar à AD, nem sequer 1 ponto percentual e apenas mais 2 deputados que o PS. A história só fica completa com a menção honrosa para o Livre, a aceitação tácita de 13 deputados para a Esquerda (BE+CDU+Livre) e a irrelevância do PAN e da própria IL, esvaziada pelo resto da Direita, mesmo apesar dos 8 deputados eleitos. Num universo de pouco mais de 6 milhões de votantes, a designada AD conseguiu mais 2 mil votos que o PS.

 

A derrota da vitória é assim o assunto do dia. Não se fica a perceber muito bem se a Direita sem o “partido das limpezas” acredita que ganhou ou se, porventura com a cabeça fria, estará provavelmente com medo de “ter ganho”. Entretanto, a agremiação racista, xenófoba e neo-fascista, que cresce à custa da insatisfação dos cidadãos com as políticas públicas do “mínimo possível”, foi devidamente promovida por comentadores e jornalistas, que agora os querem empurrar para um governo que ainda não se sabe bem como vai ser. Vejam só as declarações de Ricardo Costa (SIC-Impresa), sublinhando (antes de conhecer os resultados) que a tal agremiação, “deverá eleger entre 54 e 55 deputados, só menos 20 lugares que a AD” (na verdade, foram 48), prevendo que o capataz do grupo seria o "grande vencedor da noite".

A noite ficaria marcada ainda, como ordena a tradição burguesa, pelos salamaleques de parte a parte, entre “vencedores” e “vencidos”, ignorando olimpicamente o enorme elefante no meio da sala, com quem ninguém parece contar. Mas deve dizer-se afinal que ele se julga “essencial e necessário” para ressuscitar uma Direita anquilosada, sem ideias, sem propostas credíveis e sem um sentido que se possa levar a sério, com os 3 protagonistas que ontem sorriam, mas que rapidamente vão engolir a sua verborreia e a sua manifesta falta de credibilidade. Mas pôde constatar-se também, da parte do PS, na atitude e postura irritada e sem jeito do seu Secretário-Geral, que, uma vez mais, repetiu chavões que demonstram apenas a sua falta de adaptação a uma situação esquisita, que é, por um lado, tentar preservar a imagem de um partido que fez, durante 2 anos, o melhor favor que se pode imaginar na promoção da insatisfação generalizada e, por outro lado, tentar dar um ar novo de renovação, para trilhar um caminho diferente. Não daria certo e comprometeu o Partido e, por arrastamento, a imagem de uma Esquerda, cada vez mais acantonada. 

Assim se transforma uma vitória em derrota, um aparente oxímoro, mas que assume particular relevância, para a análise e, acima de tudo, para a acção. Talvez esteja aqui encontrada uma das virtudes de Pedro Nuno Santos, quando a evocava (a “acção”), como necessidade imperiosa. Todavia pergunta-se, que tipo de acção? Parece que, nestes dias que se seguem, a acção deve ser orientada para encontrar os porquês e procurar soluções. Na primeira vertente, há que admitir que tudo deve estar em cima da mesa, para análise e discussão. A Cidadania assim o impõe. Da mesma forma que têm de se desmontar as velhas falácias (quase todas, mentiras descaradas) como a de “não há dinheiro”, que vem dos tempos da troika, onde se dizia que o País não o tinha, para pagar salários e pensões. É sempre assim que a Direita (toda junta com a direita extrema) gosta de perorar. E, naquela situação específica, para repor a verdade, o que não havia era modo de compensar a Banca pelos seus desmandos e os grandes grupos pelos seus prejuízos, que fomos todos obrigados a pagar.

Mas não só. É preciso colocar, possivelmente como ponto primeiro, a dependência do País perante as políticas nefastas da dita União Europeia e da moeda única. Sem questionar isso, pouco se poderá adiantar. Não dizer isso aos cidadãos é incorrer na ocultação da realidade. Não dizer que são as políticas neoliberais, que transferem permanente e sistematicamente dinheiro do Trabalho para o Capital, é desrespeitar os trabalhadores, deixando-os desprotegidos. E tudo isto gera ansiedade e insatisfação. E, como bem se vê, a insatisfação gera forçosamente o aparecimento de grupos marginais que a burguesia promove a partidos, normalizando-os, mesmo sabendo que não aceitam as regras do sistema.

É mais que necessário desmontar o discurso burguês da aceitação tácita das regras estabelecidas. Antes pelo contrário, a hora é de cortar com regras que estrangulam a economia e as pessoas, particularmente aquelas que só têm a força do seu trabalho. 

Por isso, hoje, o tema musical que se impõe repassar, é este (*), que data do ano 1972, que nos interroga e incentiva: “Não me digas que não me compr'endes/Quando os dias se tornam azedos/Não me digas que nunca sentiste/Uma força a crescer-te nos dedos/E uma raiva a nascer-te nos dentes/Não me digas que não me compr'endes/Que força é essa? Que força é essa?/Que trazes nos braços?/Que só te serve para obedecer?/Que só te manda obedecer?/Que força é essa? Amigo?.

Que força é essa?

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(*) https://www.youtube.com/watch?v=-42ZiDIZ7KM


09 março 2024

 





08 março 2024

 DIA 8 DE MARÇO 2024: "LA LEGA"


Neste 8 de Março, uma canção tradicional italiana do final do século XIX, que evoca a luta das Mulheres de todo Mundo e, em particular o relato da revolta camponesa contra os patrões, quando se organizaram as primeiras organizações operárias sob a forma de “ligas”. O tema “A Liga”, integra a banda sonora do filme "1900" de Bertolucci (*), "Sebben che siamo donne/Paura não abbiamo/Por amor dei nostri figli/Socialismo noi vogliamo", ou em português, "Embora sejamos mulheres/Medo não temos/Pelo amor dos nossos filhos/É o Socialismo que queremos". 

 

O dia de hoje é dela. Ela que preenche os nossos dias, povoa as nossas cidades, sofre e luta e cala não raras vezes. Ela que é Gabriela, cravo e canela, com samba e liberdade à mistura. Ela que é Luísa, sobe a caçada de um qualquer sítio, no peso de uma existência por vezes sem sentido. Ela que pode ser Marta ou Mariazinha, conforme a disposição do companheiro, amante ou patrão. Ela a quem por vezes oferecemos flores, mas também pisamos direitos. Ela que é sistematicamente discriminada, mas a quem rendemos homenagem se corre mais depressa na pista ou se desfila na passerelle. Ela que em remotos lugares é privada dos mais elementares direitos de cidadania, ensino e educação, violentada e amordaçada. Ela que é paixão, o tal fogo que arde e que em tempos passados a queimou na fogueira, sempre em nome de grandes princípios, curiosamente ainda os mesmos que ainda hoje a diminuem e enxovalham. Ela mesmo, que é menina, com doce balanço e carinho do mar. Que pode ser deusa, princesa ou rainha, feiticeira ou puta, conforme vira o vento ou muda a sorte.

 

Para Sophia, este poderia ser um retrato para uma princesa desconhecida, para que ela fosse aquela perfeição. Numa sociedade longe de ser perfeita apela-se á igualdade de género, de mãos dadas com os perigos, enquanto outros vão à sombra dos abrigos. Nunca desiste, muitas vezes em si fechada, com alguns muros e paredes que não se vêm, a indiferença que magoa, a hostilidade que choca, muitas consciências pequenas que não querem ver o crescer do mar, nem o mudar das luas. Mas o real é a luta, sempre a luta, a vida, sempre a mesma vida, a esperança, sempre adiada. Devemos mudar o mundo, para haver mais Sophias. E porque os outros se mascaram, mas tu nãoPorque os outros se calam, mas tu não

 

Ela, a quem dedicamos um singelo dia no ano, em memória da Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

Hoje!

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(*) https://www.youtube.com/watch?v=p7CfYwqkVlU  

[este texto é um arranjo feito com outras peças da minha autoria, publicadas em diversos 8 de Março e tem referências expressas a António Gedeão, António Carlos Jobim, Sophia de Melo Breyner, José Mário Branco e Jorge Amado]


07 março 2024

 DIA 7 DE MARÇO 2024: "SANS LA NOMMER"




 

Escrita e interpretada por Georges Moustaki um Cidadão do Mundo, que nasceu egípcio, foi grego e francês ao mesmo tempo e Autor de letras e músicas inesquecíveis, nos anos 60 e 70 do século passado, “Sans la nommer”, de 1969, foi composta para o festival da Ilha de Wigth de 1970. Do que lá se fala e só no fim se declara, sabem-no todos os que defendem o processo revolucionário de libertação dos trabalhadores do jugo capitalista e imperialista, a Revolução Permanente: “Je voudrais, sans la nommer,/Vous parler d'elle./Bien-aimée ou mal Aimée,/Elle est fidèle/Et si vos voulez/Que je vos la présente,/On l´appelle Revolution permanente..."


Não deixa de ser sintomático que num momento muito particular de descrença na Esquerda, haja ainda quem se dedique a estudá-la e a declará-la como ideia e forma prática de pensar melhor e agir melhor, afirmando sem qualquer rebuço “A Esquerda que não teme dizer o seu nome”. Assim nos diz Vladmir Safatle, filósofo, escritor e músico brasileiro nascido no Chile, que é um jovem com a idade do nosso 25 de Abril. Este professor, considera que a Esquerda poderá ter aberto a mão aos fundamentos da sua luta política, ao ceder ao consenso, na luta pelo poder burguês, onde parece reinar um certo “conforto”. Diz-nos ainda que é pelo contacto com a arte que aprendemos a ser livres. Vale a pena citar as razões pela qual Vladimir entende que a Esquerda não deve temer dizer o seu nome, manifestando-se abertamente contra a acomodação e o esquecimento: recolocar no debate político tudo aquilo que é "inegociável": a defesa radical do igualitarismo, da soberania popular e do direito à resistência. E claro está, que tal implica a ocupação dos espaços de intervenção, nomeadamente o sindical e o das ruas e praças onde nos manifestamos contra as injustiças e as desigualdades. 

 

Reafirmamos assim que a esquerda não deve temer dizer o seu nome, na defesa daquela que, como diz Moustaki, “Bien-aimée ou mal aimée,/Elle est fidèle...”

Por isso, nestes tempos que nos surgem difíceis vamos sempre falar dela, mesmo sem a nomear.

 

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(*)   https://www.youtube.com/watch?v=hu2BF7nA_TE     


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