30 maio 2018

OS 50 ANOS DE MAIO


Cultura é regra, arte é excepção”
Jean-Luc Godard













Caminhos estranhos os que percorremos, desde há 50 anos.
Após a revolta de Nanterre, acordamos por assim dizer com a exigência (realista) de exigir o impossível. Mas saberíamos então, na loucura dos nossos 19 anos, que um dia (50 anos depois), estaríamos a lutar pelas mesmas causas? Na altura, descobriríamos praias debaixo das pedras de uma qualquer calçada. Agora, quase que só existem calçadas no interior desertificado, mesmo que lá tivessem feito nascer praias artificiais, onde abunda a superficialidade objectiva de uma plástica que nos parece estranha.
Como poderíamos saber que o Mundo fosse, 50 anos depois, bastante mais perigoso, que o simples caminhar sobre flores, pode significar o rebentamento de uma mina, atentatória à segurança das pessoas? Apostaríamos na aterragem lunar, na contestação à guerra do Vietnam e despertaríamos a nossa (e outras) consciência, contra os costumes de uma burguesia conservadora e hipócrita. Não deixa de ser curioso, ver agora as mesmas restrições ao livre pensamento, a mesma (ou outra) moral caduca e por vezes perversa, penetrar no nosso dia-a-dia, impunemente, contra o avanço civilizacional, contra a liberdade e os direitos humanos, agora com a nova roupagem digital, mas sempre restritiva e castradora. Continuamos em minoria, com uma diferença significativa: antes, estávamos simplesmente a começar.
As perdas e danos, contabilizáveis dos pontos de vista pessoal, social e político, vão-se acumulando, num ritmo louco. Mas, a loucura que era dantes, já não vale agora da mesma forma e não se compadece com o ritmo avassalador, provocado pela “euforia” dos media e pelo “afogamento” das ideologias. Tem dias, na realidade, quando por vezes acordamos com uma vontade indómita de fazer a revolução, partindo tudo, pensando se mais vale seguir Sartre, “...cada homem deve inventar seu caminho”, ou então Lispector,  “...perder-se também é caminho”.
Os desafios da inteligência, que pelos vistos agora é praticamente artificial, serão apelativos, como eram antes? Ou o vazio imenso das propostas para as mudanças sociais, não é senão o resultado de políticas perversas, injustas e socialmente reprováveis?
Desvalorizámos 50 anos de História, esquecemos liminarmente quem nos anda a intimidar, fazendo crer que a política não é senão o arranjo mediático de uma eterna dominação, financeira de preferência? E os muros que derrubamos, ficaram reduzidos àquele que a Leste, acabou por ter efeitos que hoje ainda se sentem? Tanta pergunta sem resposta, ou simplesmente tanta resposta sem nenhuma questão?
Podemos suspeitar agora que as “transformações” se tenham quedado por uma “revolução tecnológica”, que em vez de estar ao serviço de todos, se contentam em prestar vassalagem aos fazedores de fortunas. 
Voltamos (nem que seja, de quando em vez) à rua, agora devidamente alcatroada e pejada de sentidos únicos. Temos que o fazer, em nome da luta contra as injustiças, contra a pobreza e contra a exclusão social. Acontece que agora, 50 anos depois, estamos a níveis abaixo do admissível. No nosso Norte e no mesmo Sul, para onde “quiseram” importar modelos que esgotam os recursos do planeta e onde arde um fogo fátuo de um falso desenvolvimento, portador de destruição ecológica e ambiental e de guerras santas. Esses “profetas modernos”, que usam uma linguagem propositadamente cifrada, não podem esperar senão desprezo da nossa parte. Decerto que, enquanto houver ruas e praças “disponíveis”, a gente vai continuar, “...enquanto houver estrada para andar / enquanto houver ventos e mar / a gente não vai parar...” 
E cantaremos (porque não?) a urgência da “Revolução Permanente”, ainda que não possamos nomeá-la . Mas falaremos dela, mesmo correndo o risco de nos acusarem de romantismo, mais vale esse do que o enorme vazio de ideias (e ideais) da casta putrefacta associada ao pensamento único, aos “empreendedores” e “fazedores”, aos “colaboradores” e “CEOs“, à hiper-vigilância e ao Biga Data. Esta casta está bem identificada, 50 anos depois, nos reformistas e sociais-democratas, nos fazedores de opinião que inundam o pântano imenso da comunicação social do Ocidente. A esses (e essas) evocando o Maio 68, teremos muito gosto “...em lhes mostrar o cu e as boas maneiras, cantando para eles...” .
Provocadores? Sempre e com muito gosto. Rasgamos as gravatas, queimamos os soutiens, se ainda forem símbolos de inconformismo e de insubmissão. Nunca poderão contar connosco para os salamaleques da praxe pequeno-burguesa, nem tão-pouco para os compromissos fúteis da tolerância para com os poderes que se manifestem contra o povo que trabalha e que produz riqueza e a quem é sistematicamente negado o direito a uma vida com dignidade. 
Uma bandeira rubra que desfraldamos em qualquer praça. E apetece citar Nietzsche, “Não vos aconselho o trabalho, mas a luta. Não vos aconselho a paz, mas a vitória! Seja o vosso trabalho uma luta! Seja a vossa paz uma vitória!” 
Hoje não é o fim da História!

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(1)  Extracto do poema “A Gente Vai Continuar”, Jorge Palma, 2010
(2) Referência ao poema de Georges Moustaki “Sans La Nommer”, no extracto “Je voudrais, sans la nommer / Vous parler d'elle.../ Et si vous voulez / Que je vous la presente / On l'appelle Révolution Permanente!”, 1969
(3) No original “On leur montrait notre cul et nos bonnes manières, En leur chantant…”, Jacques Brel, em “Les Bourgeois”, 1962
(3) Extracto da obra “Assim Falava Zaratustra”, por Friedrich Nietzsche, 1885


01 maio 2018

O MAIO EM MAIO














O voo da Ilha de Santiago (Aeroporto Nelson Mandela, Cidade da Praia), à Ilha do Maio (Aeroporto do Maio, Cidade do Maio-Porto Inglês), deverá ser muito provavelmente o voo mais rápido da história da aviação civil. São apenas 7 minutos. O avião levanta e pouco depois começa a baixar, o comandante avisa para a necessária operação de aperto dos cintos, “...senhores passageiros, dentro de momentos aterraremos na Ilha do Maio
A Ilha das praias imensas
Chego hoje à Ilha do Maio, uma das perdidas na imensidão do mar, com aquela sensação de desconhecimento que se tem quando as referências nos faltam ou simplesmente escasseiam.
Por cá, existe uma estranha sensação de ausência. A festa de Maio deixou estranhamente de fazer sentido, ao que parece por falta de condições das entidades que podiam (deviam) lembrar o Dia do Trabalhador. Assim, hoje, no 1º de Maio, a ilha do Maio estará de certa forma alheia. Pode ser verdade, pode não ser, as circunstâncias serão diversas, em relação a uma realidade, discutível, pela eventual não-conjugação de vontades, ou sentimentos.
Recordo ou outros primeiros de Maio, sem estar no Maio. Mas estando no Maio. E assim, jogando com palavra, poderemos navegar à-vontade, usando um qualquer barco que vá de saída. Os navegadores serão porventura os mesmo que ousam e quedam firmes no seu posto, mesmo sem ser de comando.
Longe da pátria, as coisas acontecem um pouco mais devagar e talvez mais fluidas, o que lhes confere um grau de caducidade diferente. Bebe-se (bastante) e brinda-se a tudo que parece importante. Há música no ar, aquela de que gostamos e nos habituamos a ouvir e a sentir e a assimilar. Sempre balouçando o corpo, sempre reforçando a sensação assumida.
Saímos da Praia, para vir à praia...
A “falta de tempo” na Praia, não permitiu a visita, por exemplo, à Prainha. Uma pequena, mas simpática praia pequena (tinha de ser), muito pouco frequentada, aliás. Quem quer praia a sério, faz 60 e poucos km e vai ao Tarrafal, onde se pode deliciar.
O encontro com os Amigos, uma agradável surpresa, faz ajustar a nossa agenda, demos sempre prioridade, durante 3 dias, a inesquecíveis almoços, com Rosinha, Nandão, Joquinha e Luís. E ainda, a música ao vivo no Quintal da Música. E mesmo na frustrada ida ao “obrigatório” Fogo D´Africa, não havia música, o sítio estava “ocupado” por um qualquer DJ, igual aos de todo o lado.
Fazendo Engenho e Obra
Foi assim uma espécie de conferência, integrada nas cerimónias do Dia do Professor Cabo-Verdiano. Onde tentamos mostrar a emergência de soluções baseadas em energia limpas, com particular destaque para a Energia Solar. Trazendo aqui também a mensagem, sempre viva, do Padre Himalaya. Mostrando que é possível, que vale mesmo a pena, trilhar um novo caminho para um Desenvolvimento diferente, que nada tem a ver com aquele que vemos avançar, dia a dia, no desperdício de recursos e para o precipício iminente.
Maio é sempre Maio
E vem-nos à lembrança (sempre) a luta eterna de quem trabalha e nada mais tem senão a força, que muitas vezes mais parece uma fraqueza. Todavia é a força do Trabalho que faz mover a sociedade, que produz toda a riqueza e que, na maior parte dos casos, não parece merecer o respeito devido. Antes pelo contrário. Maio lembra isso e diz-nos que “Enquanto há força/No braço que vinga/Que venham ventos/Virar-nos as quilhas/Seremos muitos/Seremos alguém...”.
Que pena não ter a Fonte Luminosa, não ter a marcha na Rua, aqui é um mar imenso de morabeza...
É África, as coisas são assim mesmo. Atentemos, por exemplo, ao que diz (hoje), Mário Correia, presidente do Sindicato da Indústria, Comércio e Turismo (SICOTUR), “...não há motivos para festejar o 1ºde Maio já que o momento é de nojo, tristeza e lamentações”. Ao que consta terá passado mais de 1 ano, sem esperanças que a situação do mundo laboral no país, e na Ilha do Sal, em particular, venha a melhorar, existindo processos pendentes há vários anos no tribunal, devido à morosidade da justiça. E diz ainda, com muita tristeza, “Há trabalhadores que já nem pertencem a este mundo. Morreram sem receber um centavo do seu dinheiro. E tudo indica que são processos sem solução”.
Um bom (entre outros) motivo para vir para a rua, num dia assim...


1 Maio 2018
Cidade do Maio-Porto Inglês, com a ajuda do Zeca Afonso e de Mário Correia (SICOTUR)


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